Delícia Loloum, 39 anos, é uma empresária sonhadora que vive na Vila do Lounge, bairro residencial da capital de São Tomé e Príncipe, e gere um negócio com um capital social avaliado em 70 mil dólares.
Há 10 anos juntou a experiência e os contactos que obteve a trabalhar em duas ONG (organizações não governamentais) no seu país e em alguns negócios próprios que fazia para colocar em prática uma ideia que tinha já há algum tempo: a Zunta ba wé, cujo significado em português é “juntar os braços e ir para frente”.
Conta que, enquanto terminava a licenciatura em Gestão de Empresas na Universidade de São Tomé, não pensava chegar tão longe. Esperava seguir o caminho habitual e exercer um cargo normal numa empresa. Durante os estudos, a sua capacidade de gestão foi posta à prova. Além de preparar-se para as provas, fazer as consultas obrigatórias de um universitário, Delícia já era mãe e estava a marcar os primeiros passos da caminhada que a levaria para onde chegou até agora. “Foi difícil conciliar tudo ao mesmo tempo”, conta.
O seu primeiro emprego foi na ONG Santa Casa da Misericórdia, quando tinha 21 anos. Participou na criação e implementação do projecto, ficando depois responsável pelo contacto com os fornecedores e com os jovens apoiados pela associação, apesar de esta ser vocacionada para cuidar de idosos e crianças.
“Mas as pessoas crescem, querem mais, têm outras ambições, que foi o meu caso”, diz a empresária que tomou a decisão de mudar de casa e fazer parte de outra ONG, que se dedicava à transformação de produtos locais (fruta, farinha, marmelada). Como Delícia já fazia pequenos negócios e tinha experiência de uma loja solidária, a associação sem fins lucrativos viu nela o perfil ideal para dinamizar um espaço. Arregaçou as mangas e respondeu à altura ao desafio. “Dinamizei, havia vários membros da ONG, foi mais uma experiência”, explica. Manteve em paralelo o seu pequeno negócio, que começou a exigir cada vez mais tempo da sua parte. Foi assim que tomou a decisão de deixar as suas tarefas na ONG para dedicar-se exclusivamente aos seus projectos, mas mantendo-se ainda como membro.
“Legalizei a minha empresa, que é a transformação de produtos locais, e desde 2012 que comecei a dedicar-me exclusivamente ao meu negócio”, explica Delícia à Forbes, com a firmeza de alguém que há 10 anos tomou uma decisão bastante acertada, sempre com o apoio do seu marido, que, faz questão de destacar, “também participa na empresa”.
Na altura, não tinha 10 nem 20 mil dólares para implementar o seu projecto, por isso usou os 5 mil da poupança, a quantia mínima exigida na altura para legalizar uma empresa em São Tomé e Príncipe. Deu o primeiro passo. Entretanto, para adquirir equipamentos, precisou das mãos de vários patrocinadores, como ONG e embaixadas que a ajudaram. “Foi assim que fui crescendo”, acrescenta. Com mais foco na baunilha e na banana seca, por ser o produto que tem mais saída. A empresa dedica-se ainda à transformação de especiarias, como pimenta, baunilha, canela, açafrão e gengibre. Nas especiarias, a baunilha é o bem produzido em maior escala por ter mais saída e pela sua facilidade de transporte e produção. Tem ainda os licores, marmeladas e os sabonetes. Todos estes produtos são vendidos actualmen- te apenas no país, maioritariamente a turistas que visitam São Tomé, sob a marca Delícias da Ilha.
A empresa factura anualmente 50 mil dólares, mas, antes das restrições impostas pela pandemia de covid-19, fazia 60 mil. Entretanto, tem uma capacidade de produção para arrecadar o dobro das receitas anuais. “Nós podemos chegar aos 100 ou 120 mil, o dobro mesmo”, diz, explicando que a empresa tem equipamentos com muita qualidade e grande capacidade de produção, mas que não funcionam porque não consegue exportar o produto.
EXPORTAÇÃO: O CALCANHAR DE AQUILES
Mas nem tudo tem corrido às mil maravilhas para a empreendedora são-tomense. A crise estremeceu a empresa. Delícia e o marido tiveram de tomar uma decisão difícil mas necessária para a sobrevivência do bem maior: demitir metade do pessoal. Além disso, as vendas da Zuntabawé caíram quase pela metade, e o tão desejado sonho de exportar as Delícias das Ilhas voltou a ser engavetado.
Explica que os constantes cortes de electricidade influenciaram na transformação dos produtos, uma vez que as máquinas de secagem precisam de estar ligadas 36 horas ininterruptamente a trabalhar. A falta de água é outro factor que lhe tem dificultado a vida. Paralelamente, outros dois entraves para a internacionalização. O primeiro é o custo do envio da mercadoria via avião. “É um preço tremendo, não é rentável”, revela. Delícia Loloum viveu episódios em que empresários angolanos, portugueses e de outras nacionalidades interessados em receber as Delícias das Ilhas nos seus países desistiram tão logo consultaram a tabela de preços, porque o produto em si já não é barato, uma vez que apenas a matéria é proveniente de São Tomé, enquanto a embalagem, o açúcar e a etiquetagem precisam de ser importados, o que encarece o bem final.
A segunda maior dor de cabeça é a falta de laboratórios credíveis no país para o cumprimento das regras sanitárias, uma vez que os que existem não são reconhecidos internacionalmente. “Os nossos produtos, quando saem, têm de passar novamente por análise”, conta com alguma tristeza.
Apesar das contrariedades, Delícia não desistiu do sonho de conquistar, principalmente, os mercados lusófonos, como é o caso de Angola, Cabo Verde e Guiné Equatorial, por isso, conta que está em vias de fazer parcerias que vão possibilitar a concretização do seu maior sonho. “Ainda acredito que vou conseguir encontrar um sócio”, confessa esboçando um ar confiante, acrescentando: “O que ainda me prende no negócio é o amor e a paixão pelo que faço.”
Há três anos que a Zun ta bawé decidiu investir forte na produção de baunilha, como estratégia para conseguir clientes de fora de São Tomé e Príncipe e talvez voltar a despertar o interesse de alguns empresários do Gabão com quem já tinha uma parceria firmada. “É um produto valioso, que não se es- traga facilmente, mesmo que o preço baixe, não será tanto, apostei nele por ser muito procurado, e estamos em vias de fazer já uma parceria.”
Para convencer os interessados, melhorar a qualidade é fundamental. Com a perspectiva de aumentar a produção de baunilha de 120 quilos verdes para 500 a 600, Delícia conta que estão a montar um novo atelier com mais espaço e melhores condições, porque o trabalho ainda é feito na sua residência. “Tive de construir um piso em cima, a parte de baixo ficou só para o atelier. O sonho é mesmo conseguir um terreno, criar um atelier de raiz, ter a minha vida privada e ter o atelier do outro lado, esse é que é o meu sonho. Entretanto, vou lutando para melhorar o espaço que tenho.”
Embora a maior aposta actualmen- te seja na baunilha, por ser um produto mais fácil de trabalhar e “muito valioso”, a empreendedora garante que se trata de uma estratégia para depois investir noutros. “A minha ideia é exportar tudo o que é especiaria, tudo o que é desidratado, ou seja, tudo o que em termos de certificação seja mais fácil. A ideia é pegar em produtos fáceis, talvez nem tanto a banana, porque tem o açúcar, mesmo assim, gostaria, porque é um produto altamente procurado e há excedente em São Tomé”, conta a também formadora que já capacitou mais de 20 jovens em técnicas agrícolas.
“O meu sonho é ver as coisas a funcionarem, ver-me a exportar. Daqui a quatro ou cinco anos, espero estar no mercado exterior. Estar na Europa com qualidade a vender especiarias, sobretudo gengibre, açafrão, baunilha, é por isso que tenho estado a lutar. Porque, se for só o mercado local, não vai resul- tar”, revela.
“Vejo tantas oportunidades em São Tomé e Príncipe, tantas coisas que podemos fazer. Estou sempre a sonhar. Podemos fazer muitas coisas para para gerar mais empregos”, explicou, reconhecendo que na escala em que se encontra não consegue fazer muito mais, mas contribuir para a evolução do seu país é uma missão de que não está disposta a abdicar.
Leia o artigo na íntegra na edição 8 da revista Fornes África Lusófona.