É a partir de Alfragide, nos arrabaldes de Lisboa, que a Vision-Box tem inovado na concepção e produção de tecnologia de ponta na área da biometria. Talvez já tenha cruzado as smartgates de controlo de fronteiras num dos 60 aeroportos internacionais onde a tecnologia da empresa está presente. Mesmo que não viaje assim tanto, conhecerá certamente os “quiosques” utilizados nos Registos nacionais para processar dados do Cartão do Cidadão ou do passaporte, coligindo fotografias, impressões digitais, estatura e assinatura. Tudo é obra da Vision-Box. Mas nem sempre de modelos tecnológicos complexos foi feita a história da empresa de Bento Correia e Miguel Leitmann, presidente do conselho de administração e presidente executivo, respectivamente.
A Vision-Box nasceu como uma companhia de soluções de vigilância através da análise inteligente de dados vídeo. “Por volta de 2005”, recorda Bento, deu-se uma grande viragem na tecnológica portuguesa com a abertura do segmento de negócio da biometria, que deu origem ao desenvolvimento de soluções icónicas e de ponta, como as smartgates e os aparelhos de tratamento de dados. Desde então,
a empresa tem crescido e ganhado músculo. Em 2015, fechou as contas com uma facturação de 35 milhões de euros e actualmente já conta com sucursais em oito países. Mas nem por sombras o sucesso fez os dois fundadores seguir o caminho de Sillicon Valley, como muitos hoje fazem para captar fundos para uma futura dominação mundial, por exemplo.
Os líderes da Vision-Box e vencedores do “Entrepreneur of the Year 2016”, prémio atribuído recentemente pela consultora EY, mostram-se seguros do que fazem e onde querem chegar: 100 milhões de euros de facturação até 2019 e preparar a entrada em bolsa. E tudo isto a partir de Portugal.
Miguel não gosta da mitologia criada à volta de Silicon Valley. Esteve lá e é contundente: “uma vida muito rápida, vida social muito superficial, amizades muito precárias levaram-me rapidamente a tomar uma decisão de não me focar naquela área”, preferindo a costa Este dos EUA, mais próxima do ambiente europeu no qual tinha crescido. A visão é corroborada por Bento, que não deixa de mostrar-se crítico com a nova onda de start-ups que tem surgido no mercado.
“Costumo dizer que os maiores crânios desta geração estão a perder-se a fazer apps para telemóvel, muitas vezes atrás de uma quimera qualquer, mas sem acrescentarem grande valor à sociedade”.
Lobbying falhado
Quando começaram a desenvolver o sistema de controlo de fronteiras pelo qual são conhecidos, foram a um concurso lançado pelo governo português para um projecto de controlo de fronteiras, lado-a-lado com gigantes tecnológicos mundiais e grandes empresas nacionais. Bento conta que o ministro envolvido no processo à época recebeu “telefonemas do congénere inglês porque havia uma empresa muito cotada no meio internacional e [para ele] não havia razão nenhuma para que o governo português adjudicasse o projecto a uma empresa portuguesa, ainda por cima relativamente pequena, sem grande visibilidade no mercado, quando eles tinham empresas com todo o know-how e produtos prontos a resolver os problemas que o governo português tinha nessa altura”, diz. A Vision-Box acabaria por ganhar o projecto e por implementar as smartgates que acabariam por criar fama à empresa.
Uma das histórias que também já faz parte da mitologia da Vision-Box e que é narrada em praticamente todos os artigos de imprensa relativos à empresa diz respeito a um misterioso golfista, supostamente membro do governo britânico. O oficial, ao aterrar no aeroporto de Faro com o objectivo de passar um fim-de-semana no Algarve para dar umas tacadas, terá ficado agradavelmente surpreendido ao ver as smartgates que estavam a ser testadas pela Vision-Box num projecto piloto. Esse governante acabou por ser um dos responsáveis pela implementação dessa tecnologia nos aeroportos do Reino Unido, inicialmente no aeroporto de Manchester. Bento e Miguel não adiantam o nome do antigo oficial do governo britânico. Confirmam apenas a história referindo que “houve pessoas especiais que viram os nossos sistemas e que não tinham nada daquilo no Reino Unido”, conta Bento. “Entre essas pessoas verem [as smartgates] e estarem em Inglaterra a funcionar, levou oito meses”, acrescenta. Os empresários identificam este momento como “o início da internacionalização da área [de gestão de fronteiras]”, explica o presidente da Vision-Box.
Aposta na bolsa
Bento e Miguel estão com os olhos postos no futuro, mas pretendem alcançar o objectivo proposto sem grande espalhafato. Não recorreram a fundos externos nos últimos anos e procuraram sempre dar um passo de cada vez. Na estratégia da empresa esteve sempre bem presente o princípio do investimento e do reinvestimento e não a obtenção de dividendos rápidos. Bento refere mesmo que, “no mercado americano, a empresa seria alvo de um fundo de investimento antes de termos sequer alguma coisa palpável. Eventualmente a empresa já teria dezenas ou centenas de milhões de euros para criar algo especulativo”, com o fito de uma venda posterior “ao fim de cinco ou dez anos”.
Para já, o grande objectivo passa por alcançar uma facturação de 100 milhões de euros até 2019 e preparar a entrada em bolsa até 2020, com um backbone financeiro forte – algo que exigiria a entrada de um parceiro que ajudasse a empresa a preparar esse evento de liquidez. “Há duas formas de fazer crescer a empresa. Uma delas, à americana, que é numa fase muito incipiente angariar fundos e estar dependente de um grupo de investidores que eventualmente não deixam que os fundadores mantenham o controlo, o que, para nós, está completamente fora de questão”, diz Miguel. Também fora de questão esteve sempre a venda e assédio de parceiros e concorrentes (que não faltou): “Teria sido do ponto de vista financeiro bom para mim e bom para o Bento, e talvez não do interesse das 300 pessoas que vivem da Vision-Box. Eventualmente a empresa estaria integrada num grande grupo, completamente dissecada, ou então eventualmente não existiria mais.” A solução encontrada foi a admissão, no final do ano passado, do fundo francês Keensight Capital, incorporado na sociedade através de uma posição minoritária. “Não foi um management buyout”, esclarece Miguel, salientando as várias notícias publicadas nesse sentido em vários órgãos de comunicação social. A mais curto prazo, o foco da empresa estava, à data da entrevista à FORBES, concentrada na ida ao Mónaco, na final do prémio EY, no início de Junho, onde competirão pelo título de “World Entrepreneur of the Year”.