A geração que está a (tentar) entrar no mercado de trabalho e que está a começar a arrendar casa é a dos chamados millennials, jovens nascidos entre os anos 1980 e o início da década de 2000.
Uma geração cujas queixas são comuns em quase todos os países desenvolvidos: desemprego, salários baixos, precariedade laboral, permanência em casa dos pais até tarde, dificuldades na emancipação.
Esta é a actual geração-alvo do Porta 65, o programa de apoio ao arrendamento jovem criado em 2007, que comparticipa a renda de milhares de jovens em todo o país.
Para Luís Lima, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal, o Porta 65 é um programa importante para ajudar a trazer os jovens para os centros urbanos, “em particular nas principais cidades do país, em que os valores da oferta estão acima daquilo que a generalidade dos jovens pode pagar, ultrapassando em muito a sua taxa de esforço”.
Quase dez anos volvidos, o programa recebeu entre 2008 e 2016 mais de 73 mil candidaturas e apoiou cerca de 107 mil jovens com uma média de idades de 27 anos, segundo dados do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU).
Tudo isto num país cuja idade média de saída da casa dos pais ainda é de 29 anos, de acordo com dados do Eurostat, o gabinete de estatísticas da União Europeia.
Mas por que razão deve o Estado subvencionar a decisão pessoal de um indivíduo de arrendar uma casa só para si?
Para José Mendes, secretário de Estado adjunto e do Ambiente, o Porta 65 é “um investimento” do Estado. O responsável do governo justifica à FORBES que prefere encarar as pessoas como “activos” do que como “fontes de despesa não reembolsável e não rentabilizável”.
Espera-se, a partir deste investimento, que “pessoas mais bem formadas, com habitação, com uma plataforma de partida para a sua vida, façam um percurso que se espera de sucesso pessoal”, diz, destacando ainda que “o sucesso pessoal todo conjugado é, com certeza, o sucesso da sociedade. É nesta perspectiva que os Estados comparticipam.”
Estados – no plural – já que este tipo de apoios não é exclusivo de Portugal, sendo aplicados em outros países europeus, como sublinha o secretário de Estado adjunto.
Uma ajuda essencial
Sara Recharte tem 25 anos e trabalha numa instituição universitária pública na cidade de Lisboa. No ano passado, resolveu ir viver sozinha depois de ter conseguido encontrar, através de conhecidos, uma oportunidade a preço de amigo: um pequeno T2 por 400 euros, no centro da capital.
Mesmo assim, é peremptória ao dizer que “se não tivesse o apoio [do Porta 65], seria impossível” arrendar a casa e suportar integralmente a renda.
Sara não é um caso único. Para muitos jovens portugueses, é hoje muito difícil arrendar casa sem apoios do Estado. Segundo os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), entre 2011 e 2013, a média salarial dos jovens adultos (15 aos 29 anos) empregados por conta de outrem era de 622 euros líquidos, cerca de 23% inferior que os restantes trabalhadores na mesma situação – além de ser uma discrepância que tem vindo a agravar-se, salientava o INE. Nestas circunstâncias, o Porta 65 afigura-se para muitos quase como condição essencial para suportar o pagamento da renda de uma casa de forma autónoma.
O problema é que o recurso ao programa pode ser dificultado por algumas exigências que se revelam como enormes barreiras. É o caso dos limites impostos no regulamento no que respeita a rendas e à proporção destas em relação ao salário.
O programa do Estado estabelece tectos máximos para as rendas, diferentes de município para município, e uma taxa de esforço máxima de 60%. Isto é, o valor da renda não pode ser superior a 60% do salário bruto do candidato. Analisemos o caso de Lisboa, cidade cujas rendas médias são superiores às de todos os concelhos do país.
Na capital, segundo o regulamento do Porta 65, a renda máxima para um T0/T1 é de 556 euros. Como a taxa de esforço máxima é de 60%, um jovem precisaria de ganhar no mínimo 927 euros brutos, perto de 700 euros líquidos – acima da média salarial nacional para a faixa etária alvo deste programa – para conseguir ser elegível ao apoio se arrendar uma casa no valor do tecto máximo definido pelo Estado.
No caso de Sara, o tal “preço de amigo” da casa foi crucial para conseguir ter acesso ao apoio, conta, sem ultrapassar a taxa de esforço. De recordar ainda que o apoio do Porta 65 pode durar três anos, com a salvaguarda de ir reduzindo à medida que se renovam as candidaturas.
António Machado, secretário-geral da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, refere à FORBES que o programa “poderia e deveria ter mais efeito no aumento da oferta e na descida das rendas para valores mais consentâneos com os rendimentos das famílias”.
Já o presidente da direcção-geral da Associação Nacional de Proprietários, António Frias Marques, diz que “não se atreve” a prever eventuais mudanças no programa, já que “sabemos que por trás deste tipo de apoios estão opções políticas”.
Defende que, “genericamente, o programa está bem delineado”, mas sugere um aumento de idade até aos 35 anos.
Mudanças recomendadas
José Mendes está ciente dos problemas relacionados com os tectos máximos e os salários. Contudo, defende-se com a limitação de fundos disponíveis. Estão consignados 12,2 milhões de euros para o ano de 2016 só para este programa.
Ajustar para cima o valor máximo das rendas nos municípios com maior especulação imobiliária significaria aumentar o valor do subsídio para cada arrendatário – o que diminuiria o número de pessoas apoiadas. E aumentar a idade limite para a candidatura do programa significaria menos dinheiro para cada um.
A quadratura do círculo. Assim, para o secretário de Estado adjunto, “só vale a pena mexer nas regras se eu tiver mais recursos”.
O Governo tem vindo a receber apelos para a reformulação do Porta 65, essencialmente de organismos do Estado. Nas Grandes Opções do Plano 2016-2019, elaboradas pelo actual Executivo, prevê-se que o programa seja alvo de revisão, alargando-o para o arrendamento comercial, “com vista a favorecer a abertura de novas lojas e o lançamento de projectos empreendedores por jovens”, lê-se no documento.
Já a Inspecção-Geral das Finanças sugeriu, através de uma recomendação que data do início de 2016 e citada pelo Diário Económico, uma revisão da idade máxima para recorrer ao programa, o reforço da fiscalização, além de alertar para a descida acentuada das dotações orçamentais definidas para o programa.
José Mendes revela que está atento aos apelos e às modificações do programa sugeridas e crê que “nos próximos tempos, daqui a um ou dois anos”, tenham de ser revistos alguns pormenores do Porta 65.
Factura do Estado
Corria o ano de 1992 e o Governo liderado por Cavaco Silva aprovava o Incentivo ao Arrendamento Jovem (IAJ). Era um programa enquadrado no objectivo geral de apoiar a dinamização do mercado de arrendamento e a mobilidade populacional “num país em crescimento e modernização”, e em “excessiva dependência da aquisição de casa própria”, segundo o decreto-lei.
À época, o subsídio podia alcançar um máximo de 75% do valor da renda renovável até cinco anos. Este foi um apoio consensual no espectro político, tanto à esquerda como à direita.
Durante vários anos o programa manteve-se inalterado. Contudo, um parecer do Tribunal de Contas (TC) de 1999 já chamava a atenção para eventuais acumulações indevidas de subsídios de arrendamento e bonificação de juros no âmbito do apoio à compra de casa.
O IAJ voltou a merecer reparos do TC em 2007. O programa não previa um escalonamento específico dos apoios através dos rendimentos, nem exigia tectos máximos para cada tipologia de casas, nem sequer tinha em conta a localização destas – lacunas que poderiam abrir a porta a abusos vários, como tornar possível “o aluguer de cinco assoalhadas, para um agregado familiar declarado de uma ou duas pessoas”.
O Porta 65 veio acatar as recomendações do TC – e não ficou imune a protestos. A dotação orçamental caiu para 35 milhões em 2008.
As candidaturas aceites na primeira fase do programa rondaram apenas 3500, segundo o IHRU. Uma das razões terá sido a grande discrepância entre os tectos máximos admitidos inicialmente pelo programa e as rendas praticadas na prática: por exemplo, na Grande Lisboa, a renda máxima para um T1 era de 340 euros.
No Porto, o limite era 220 euros. Limites que provocaram contestações e sátiras, por estarem tão distantes da realidade. Meses depois do decreto inicial, o Governo corrigiu “a mão”, aumentando os tectos máximos.