No final de 2012, quando já era evidente o potencial dos pagamentos em dispositivos móveis e no on-line, a Feedzai começou a conquistar investimento estrangeiro. Os primeiros a acreditarem no futuro do negócio foram a SAP Ventures [hoje Sapphire Ventures] e o fundo Data Collective.
“Formalmente, Janeiro de 2013 foi o nosso grande arranque. Levantámos 2 milhões, já tínhamos 4,5 milhões de dólares”, conta Nuno Sebastião, um dos três fundadores da empresa e actual presidente executivo.
Como condição para o investimento, Nuno teve de pegar nas malas em Maio de 2013 e virar o foco da Feedzai para o mercado de pagamentos.
Actualmente, no ecossistema dos pagamentos electrónicos, o potencial da empresa cresce “30% a 40% ao ano”, com a intensificação da transição das operações financeiras para o mundo virtual. A internacionalização do negócio foi também célere.
Não foi uma opção, mas um elemento natural ao longo do desenvolvimento da empresa. É por isso sem surpresas que, este ano, os mercados externos deverão ser responsáveis por 93% do volume de negócios da empresa.
A Feedzai nasceu como tese do MBA de Nuno na London Business School. A ideia acabou por tornar-se real com a participação de Paulo Marques e Pedro Bizarro, dois académicos da Universidade de Coimbra – Pedro chegou inclusive a ser professor de Nuno na licenciatura deste em Engenharia Informática, completada em Coimbra em 2001.
Os primeiros testes do software criado pelos três foram feitos na detecção antecipada de probabilidade de ataques cardíacos em pacientes em unidades de cuidados intensivos.
Na base, processa dados e detecta anomalias – uma investigação que começou ainda em ambiente académico pelos professores Pedro e Paulo.
Mas a utilização do algoritmo na Saúde acabaria de lado, devido ao tempo necessário para aplicar a tecnologia em ambiente hospitalar.
Optou então por virar a agulha para as utilities (como a EDP, que ainda hoje se mantém como accionista da Feedzai) e telecomunicações, ganhando grande destaque pela capacidade de oferecer um serviço de processamento eficiente de grandes volumes de dados e de processamento em tempo real.
“Consideramos como o ano zero o final de 2011, início de 2012”, explica Nuno, apontando esse período como o momento de captação do capital semente da Espírito Santo Ventures, EDP e Novabase.
Sem euforias e sem loucuras
A ambição de Nuno é uma das notas que tomamos na nossa conversa. Esta não é uma característica de agora. Vem de longe.
Paulo Santos, director-executivo da incubadora do Instituto Pedro Nunes (IPN), em Coimbra, onde ainda está sedeada a Feedzai, revela isso mesmo: em 2011, o Primeiro-ministro visitou a incubadora do IPN, e à passagem pela sala da Feedzai, com cerca de 40 metros quadrados e meia dúzia de trabalhadores, José Sócrates, após ouvir a apresentação da empresa, afirmou que esta seria a nova Critical Software (CS) de Coimbra.
A CS era então uma empresa com cerca de 300 trabalhadores. Mas, como nos conta Paulo Santos, Nuno não aceitou a gentileza do governante: “Não, nós vamos ser muito maiores que a Critical”.
Quatro anos depois, no início de 2015, havia 34 pessoas ligadas à Feedzai. No final eram 84. Hoje são quase 120, a caminho de 170 nos próximos meses.
A história da Feedzai, já uma referência no altamente competitivo mundo das tecnológicas financeiras (fintech), tem sido feita de grandes conquistas.
Há um ano, nos EUA, levantou mais 17,5 milhões de dólares (cerca de 16 milhões de euros) numa ronda de capital liderada pela Oak HC/FT e acompanhada pela Sapphire Ventures e pela Espírito Santo Ventures – sobre esta, Nuno destaca que “lideraram as rondas iniciais de capital” e “em cada ronda reforçaram a parte deles. Sempre a acompanhar e acreditar”.
À FORBES, Joaquim Sérvulo Rodrigues, presidente executivo da ES Ventures, destaca que, depois do investimento inicial, em 2011, o reforço na Feedzai se justifica por a empresa ter conseguido, “de forma brilhante”, superar os desafios de venda a clientes relevantes, designadamente “os maiores bancos e processadores de pagamentos do mundo”.
A forma como os fundadores se ajustam ao cada vez maior barco que comandam tem sido, segundo Sérvulo Rodrigues, “notável”.
Paulo Santos, da IPN Incubadora, destaca que os três amigos por detrás da Feedzai são um “excelente exemplo” na disponibilidade para partilhar conhecimento com os empreendedores mais jovens, para os quais servem como “motivação”.
Nunca fechar os olhos
Os EUA são um mercado chave para a Feedzai. Desde logo pela sua dimensão, mas sobretudo pela importância que os consumidores norte-americanos dão à protecção de dados pessoais e das suas empresas.
Segundo uma sondagem citada pela CNBC, 18% dos cidadãos preferem partir um osso a serem alvo de roubo de dados.
Nuno admite o risco reputacional que uma falha de segurança poderá trazer à sua companhia, salientando que, “no mundo da cybersecurity não é a questão de vir a acontecer, é quando irá acontecer. E, por isso, temos de estar preparados”. Foi o que sucedeu há um ano, quando a equipa da Feedzai detectou o roubo de 4000 cartões bancários.
“O perfil de fraude mudou. Passou de copiar ou duplicar a informação do cartão para entrar no banco e roubar as bases de dados com números de cartões, os códigos de verificação do cartão, as passwords. Tudo e mais alguma coisa”, diz.
A somar a tudo isso, há ainda a acrescentar o desafio de os padrões de comportamento serem muitos e mais variados.
“No mundo físico, se estou aqui não posso estar a comprar nos EUA. No mundo on-line posso estar a comprar numa loja ali no [centro comercial] Vasco da Gama e ao mesmo tempo num site americano e noutro chinês. Para detecção de anomalias ou fraude, este comportamento é muito mais difícil”, ressalva.
Mas a Feedzai, que se deparou, de início, com tecnologias “relativamente estáticas”, encontrou uma resposta: “quando alguém faz swipe num cartão ou check-out num site, naquele tempo em que diz autorizado ou não, estamos a analisar e a perceber se a transacção é verdadeira ou se está a cometer uma fraude”.
Desde que o utilizador clica “next” até à confirmação, “processa-se 200 mil ou 300 mil eventos”, algo que “nenhum analista num banco consegue fazer”, nota o engenheiro informático.
A rapidez de resposta da empresa chega a ser testada por clientes quando provocam incidentes para avaliar o tempo de resposta da Feedzai. Esta tem, por contrato, 100 milissegundos para processar cada transacção, e a solução tem de chegar em duas horas.
Foi esta responsabilidade que obrigou a Feedzai a criar dois turnos, um em Lisboa e outro em Nova Iorque, e a recorrer a um técnico do JP Morgan para montar os míticos telefones azul e vermelho para lidar com emergências, porque o processo não pode falhar.
“Não encontrámos, à data, nenhuma tecnologia melhor para o que se propunham fazer”, refere Sérvulo Rodrigues à FORBES.
Novos voos no horizonte
O foco actual de Nuno está em sustentar a empresa do ponto de vista de processos e suporte a clientes. “Neste momento, processo mais de 2 mil milhões de dólares [cerca de 1,8 mil milhões de euros] por dia em pagamentos. Se o sistema ‘borrega’ e começa a bloquear tudo, tenho os clientes à perna. Não posso fazer isso.
Não sou uma ‘aplicaçãozinha’ que tira fotografias e coloca um filtro”, diz. É nesse sentido que grande parte do investimento que a empresa conta realizar nos próximos anos será aplicado neste sistema.
Aliás, Nuno adianta à FORBES que, para 2017, conta angariar entre 35 milhões a 45 milhões de euros numa nova ronda de investimento para esse fim, mas também para investir no sector da gestão de participações nas seguradoras – no qual a Feedzai já tem um cliente canadiano a quem licenciou o software.
“É um mercado para o qual tenho de começar a olhar em 2017, 2018. Se quiser apostar nesse mercado terei de levantar capital para montar uma equipa”, adianta Nuno, que afasta toda e qualquer comparação da sua empresa com as figuras mitológicas que rondam o universo das start-ups.
Apesar de a Feedzai ser apontada como próximo unicórnio português – uma empresa com uma avaliação superior a 1000 milhões de dólares (cerca de 900 milhões de euros) – Nuno desconstrói parte da mística de pertencer a esse clube, dizendo que tudo isso é relativamente fazível do ponto de vista da engenharia financeira.
“Imagina que eu avalio a tua empresa em 1000 milhões de dólares, mas tiro 10 vezes o meu dinheiro antes de alguém tirar um tostão. Parte da potencial mestria da ilusão fica nos acordos parassociais e de investimento, mas o que é tipicamente tornado público é a avaliação”. Muitos dos ditos unicórnios são “inflação de egos”, aponta.
Mais do que falar em potencial de crescimento estratosférico, como muitos empreendedores de start-ups fazem, Nuno prefere falar da Feedzai com os pés bem assentes no chão.
Em 2014, a empresa facturou mais de 3,2 milhões de euros, apresentou lucros de 768 mil euros e uma autonomia financeira de 70%.
Todos estes números fogem largamente ao quadro apresentado pela maioria das start-ups do mercado, que denotam uma enorme dificuldade em saírem do vermelho.
Nuno justifica a saúde financeira da Feedzai com o perfil da própria empresa e com o licenciamento do software com contratos extensos – até cinco anos –, e o pagamento à cabeça: “trabalhamos essencialmente com o sector financeiro, entidades reguladas, clientes fidedignos, que pagam. Tenho contratos com clientes por 2,5 milhões ou 3 milhões de dólares. Estamos nos sistemas críticos dos bancos, isto não é uma ‘appzinha’”, diz.
Para a independência contribui a crescente base de clientes.
O mais recente, a Paypal. “Tecnicamente, o cliente mais sofisticado que existe neste mercado”, salienta Nuno.
O trunfo da Feedzai para ganhar a Paypal como cliente foi a componente de realtime na análise de dados, essencial para a entrada da Paypal em novas geografias onde não há proliferação de dados.
“O truque nesse cenário é conseguir-se rapidamente processar e detectar padrões que possam ser indicadores de fraude. Connosco, conseguem entrar nos mercados e muito rapidamente perceber se o comportamento que está a acontecer é ou não normal”.
Mesmo sendo minoritário no capital da empresa – com Pedro e Paulo acumula pouco mais de 35%, cabendo cerca de 15% aos colaboradores –, Nuno continua a falar da Feedzai como pertencendo ao trio de amigos:
“Não temos a maioria do capital, mas temos maioria de controlo. Foi a nossa decisão. Queremos ser donos dos nossos destinos”.
Visão romântica que não está isenta de uma vontade superior dos investidores, que podem vetar algumas decisões estratégicas e até vender a empresa.
Contudo, salienta Nuno, há “protecções de que não nos podem obrigar. A não ser que seja até fim de 2019, ou por múltiplos [de investimento] completamente absurdos face à realidade da empresa hoje.
São essas medidas de controlo que é preciso ter”, diz, assegurando que na gestão e aplicação, a “decisão é puramente nossa” – na administração, em que estão Nuno e Pedro, dois investidores e um independente escolhido pelos co-fundadores, o presidente executivo é também chairman, com voto de qualidade.