Um grupo de economistas e analistas do mercado bancário nacional está a levantar sérias dúvidas sobre a efectividade do novo regime cambial de taxas de câmbio flutuantes implementado pelo Banco Nacional de Angola (BNA). Em bloco, o grupo de especialista duvida que as taxas de câmbio diárias publicadas pelo banco central resultem de flutuações do mercado, desconfiando de prováveis intervenções do regulador, uma vez que estas chegam a manter-se, por mais de duas semanas, inalteradas.
A posição surge pelo facto de, ao longo de quase todo o mês de Julho e nos meses anteriores, as taxas de câmbio das principais moedas, nomeadamente o dólar e euro, não terem registado alterações substanciais. Ou seja, por mais de uma semana, um dólar podia ter o mesmo valor, assim como a moeda da União Europeia.
Por exemplo, na semana de sete a 14 de Julho, um dólar valia 643,57 kwanzas, com variações ligeiras até ao final do mês. Aliás, entre 1 e 30 de Julho, a moeda nacional só registava ganhos, tendo fechado o mês com recuperação de ligeiros 1% face ao dólar e perto de 1%, precisamente 0,75%, face à moeda europeia (ver gráfico).
Isto dava, na opinião de analistas consultados pela FORBES, “a falsa ideia de estabilidade no mercado cambial”, quando, na prática, “temos um BNA a fazer intervenções no mercado, à semelhança do que já se assistia antes da tão propalada estratégia de flexibilização do mercado”.
Com isto, os especialistas não têm dúvida que as recentes taxas surjam das intervenções que o regulador esteja a fazer no mercado, contrariamente à estratégia anunciada, que projectava um mercado autossustentado, com taxas de câmbio resultantes das flutuações da praça.
À FORBES, o analista financeiro Mateus Makiadi assegura que o banco central sempre esteve no mercado. Ou seja, através das suas políticas, sempre interferiu no curso da taxa de câmbio. “O BNA sempre interveio nas taxas de câmbio. O que tínhamos antes era flutuação em banda, uma banda de 2%. Depois, retirou-se a banda de 2% e passou-se a dizer que a taxa de câmbio seria efectivamente livre e que teríamos um regime de câmbio flexível. Mas não [está a ocorrer]. O BNA ainda controla [a taxa de câmbio]. Por exemplo, o câmbio que temos hoje seria muito maior se o banco central não tivesse nenhuma intervenção”, defende Makiadi.
O também economista levantou outras hipóteses que podem justificar esta tendência prolongada de câmbio quase fixo para as duas moedas de referência. Segundo Mateus Makiadi, o facto de não estar a ocorrer grandes operações de compra e venda de moeda e o facto de, por exemplo, também não estar acontecer leilões explica parte deste quadro.
“Neste exacto momento que a taxa de câmbio não está a variar a causa pode ser que não tenha ocorrido leilões. Ou pode ser que também não tem ocorrido transacções significativas no mercado secundário, nomeadamente entre bancos comerciais e seus clientes”, considera.
Outro economista que também considera que o banco central pode estar ainda a intervir no mercado é Wilson Chimoco. Em recentes declarações à FORBES, o também analista defende que esta tendência de não variação na taxa de câmbio é reflexo de constrangimentos que a Covid-19 e a política monetária restritiva estão a impor ao mercado cambial, tendo descartado a hipótese de se estar diante de uma estabilidade resultante da efectividade da política cambial.
Para Chimoco, a actual política cambial seguida pelo banco central “ainda se apresenta ambígua”, num contexto em que, segundo o próprio, “o BNA diz que se está em regime de câmbios flutuantes, mas assistem-se períodos de mais de três semanas sem variações nas taxas de câmbio e se fixam limites máximos na colocação de taxas de câmbio nos leilões de divisas”.
Wilson Chimoco defende que, para inversão do actual cenário, o que se tem a fazer, mais uma vez, é melhorar as condições de produção e oferta de bens e serviços internos e reduzir as necessidades de financiamento do tesouro em moeda estrangeira.
Por sua vez, fonte do banco central defende que a estabilidade cambial resulta do facto de a economia estar a importar menos do que antes, e, também, por “já se ter um mercado estável”. A mesma fonte, que falou em off à FORBES, apontou ainda a crise financeira, que retirou poder de compra às famílias e empresas, como um dos factores que estejam na base da recuperação e na ligeira estabilidade da moeda nacional.
“Estamos diante de um período de crise. Hoje, as pessoas não estão a circular como faziam anteriormente, não há compra de divisas como se fazia antes. Tudo isso influencia na estabilidade dos preços”, diz.
Recorde-se que, recentemente, a CEO da KPMG, Inês Filipe, admitiu à FORBES que a estabilidade que se tem assistido no mercado cambial nos últimos tempos pode vir a reduzir lucros no balanço financeiro da totalidade dos 25 bancos comerciais angolanos.