Trabalhar num ambiente industrial pode ser mais simples do que parece. Foi com este pensamento que os empreendedores Luís Murcho e Gonçalo Santos criaram uma plataforma de realidade aumentada que permite a um técnico apontar um smartphone para determinados equipamentos e aceder em tempo real a toda a informação de que necessitam: temperatura, humidade, pressão, painéis eléctricos ou de incêndio.
“Percebemos que as diferentes operações de manutenção são baseadas nas capacidades adquiridas pelos operadores. Mas mesmo que o trabalhador tenha um treino e conhecimento adequado, é sempre necessário recorrer a informação adicional como manuais, esquemas, desenhos técnicos, relatórios de manutenção e dados em tempo real”, diz à FORBES Luís Murcho, arquitecto formado na universidade de LUCA School of Arts, na Bélgica.
Essa informação está geralmente dispersa e muitas vezes é inexistente. Segundo os empreendedores, os custos de inactividade na indústria são enormes. Em unidades industriais como máquinas de gelado ou na indústria automóvel, que estão sempre a produzir, uma paragem de produção pode resultar em perdas que podem ir de mil a 40 mil euros por minuto.
A ideia da Glartek surgiu quando os dois empreendedores trabalhavam juntos numa empresa especializada em frio industrial. Durante esse tempo, verificaram que havia uma enorme escassez de informação durante certas intervenções.
Isto era resultante da falta de contacto entre os operadores de manutenção e os sistemas de monitorização. A resposta para o problema surgiu com a fusão das áreas em que os fundadores são especialistas: Luís é formado em Arquitectura e especializado em modelação 3D e Gonçalo é-o em Engenharia Electrotécnica com especialização em automação industrial.
Ou seja, usando a Realidade Aumentada, os técnicos conseguiam chegar a toda a informação necessária de forma imediata e intuitiva. “O sistema reconhece os equipamentos, através de um levantamento tridimensional do contexto em que se inserem”, afirma Gonçalo Santos.
Nascida em 2016, esta empresa portuguesa rapidamente deu nas vistas. Primeiro venceu o concurso Pixels Launchpad que decorreu durante o evento Pixels Camp, levando para casa o prémio de Global Winner no valor de 10 mil euros. No ano seguinte, em 2017, foi a única start-up portuguesa que conseguiu chegar às semi-finais do concurso Pitch, que elege a melhor da Web Summit.
A equipa ficou entre os 20 finalistas nesta competição e apresentou a sua solução numa breve apresentação de três minutos com perguntas, perante um júri composto por elementos de grandes empresas nacionais, como a Galp, Grupo Mello Saúde, Sonae e NOS.
Confiança dos investidores
No início de Março, a Glartek levantou 1,5 milhões de euros na sua primeira ronda de financiamento. Os portugueses da EDP Ventures, da H-Capital e da Novabase Capital e os italianos da H-Farm participaram nesta operação.
“Consideramos que a Glartek, dentro da área em que actua, a Realidade Aumentada, responde de forma distintiva às necessidades e oportunidades do mercado. Pela qualidade e know how da sua equipa, aliada ao potencial inovador da solução que a empresa desenvolveu para esta área, está claramente alinhada com a nossa estratégia de investimentos”, destaca Maria Gil, administradora da Novabase Capital.
Entre as várias potencialidades que o produto da Glartek oferece, destaca-se a já utilização na manutenção de equipamentos industriais numa das centrais da EdP – Energias de Portugal. O apoio remoto foi uma enorme vantagem para a eléctrica nacional que a fez acreditar no projecto. “Vemos fortes ganhos ao nível da eficácia e da segurança na realização de operações de manutenção na central, bem como ao nível da própria mobilização dos recursos que nelas intervêm”, explica Luís Manuel, administrador da EDP Ventures.
Mas a Glartek não quer ficar por aqui. Se no ano passado facturou 170 mil euros, agora ambiciona estar na linha da frente do desenvolvimento de soluções de realidade aumentada para o sector das utilities. O objectivo é juntar dois mundos que continuam separados: manutenção e sistemas de monitorização, ou seja, tudo o que são dados em tempo real. Com a conectividade a crescer a olhos vistos torna-se crucial ter as duas áreas fundidas. “Um mecânico não começa a actuar sem ter o diagnóstico do carro, tal como um médico pede exames antes de dar o diagnóstico. Nós também temos de alimentar a manutenção com informação que vem das máquinas”, acrescenta Luís Murcho.
Com escritórios em Lisboa e Leiria, é a partir destas cidades que pretendem expandir-se no mapa e ir ao encontro das expectativas dos seus investidores.
“Antecipamos que a Glartek possa capturar grande parte do valor que será criado na fileira da indústria 4.0, beneficiando do crescimento da procura por tecnologias que aumentem a eficiência e reduzam custos no âmbito dos processos de gestão de activos industriais”, vaticina Gonçalo Coutinho, director da H-Capital.
Portugal é um mercado bom para testar a plataforma da empresa de Luís e Gonçalo, mas os dois empreendedores querem ganhar escala em países como Alemanha, França e Reino Unido.
“Nós estamos cá para aconselhar e apoiar as equipas de gestão e reconhecemos que a sua capacidade de ouvir os seus stakeholders, investidores, clientes e trabalhadores é muito importante. Mas quem gere uma start-up, acima de tudo, tem de actuar, liderar e agir”, conclui Luís Manuel, administrador da EDP Ventures.
Depois do palco da Web Summit, a Glartek está agora pronta para dar o salto europeu. António Pedro Nunes