A economia nacional ainda não recuperou da severa crise que a afectou no período do resgate financeiro, mas na demografia empresarial já há alguns sinais animadores. Em 2015 nasceram 37,7 mil empresas, o número mais elevado desde 2007.
Também encerraram algumas, mas por cada óbito registaram-se 2,4 nascimentos. São números entusiasmantes, mas o impressionante é a qualidade das novas companhias. A nova geração de jovens empresários está a puxar dos galões do conhecimento da era digital e a começar a dar cartas no mundo dos negócios.
As start-ups já não são apenas uma moda importada da Califórnia. São uma realidade que se está a impor e a mudar a economia portuguesa. “Tudo está a mudar”, explica João Vasconcelos, secretário de Estado da Indústria perante vários protagonistas do ecossistema empreendedor nacional reunidos na segunda edição do “Activar Portugal” – um evento realizado em Abril pela Microsoft, focado este ano na importância da internacionalização das start-ups portuguesas.
João Vasconcelos conhece bem o ambiente. Antes de aceitar o convite para dirigir os destinos da indústria nacional era líder da Startup Lisboa, uma das mais de quatro dezenas de incubadoras de empresas espalhadas pelo país, onde nascem diariamente cerca de 100 novas empresas, 2,5% das quais ligadas ao sector das tecnologias de informação e comunicação (TIC).
Nem todas descolam, mas são cada vez mais as que conseguem impor-se através da inovação num mercado dominado por grandes colossos mundiais.
“É a quarta revolução industrial”, diz o governante, defendendo que Portugal deve ambicionar ser um dos líderes da era da digitalização devido ao investimento em infraestruturas e educação realizados no passado
Pequeno, mas fértil ecossistema
O surgimento de incubadoras de empresas ligadas a universidades e empresas maduras um pouco por todo o país é o solo deste novo tecido empresarial que está a florescer em Portugal. Lisboa e Porto são as regiões mais férteis. Segundo o estudo elaborado pelo organismo europeu Startup Europe Partnership, 70% das 40 empresas com mais de um milhão de euros de investimento angariado (conhecidas como scale-ups) identificadas em Portugal estão sediadas nas duas maiores cidades do país.
São números pequenos quando comparados com os de outros parceiros europeus. Em França e na Alemanha, existem cinco vezes mais scale-ups e, no Reino Unido, onde a realidade mais se aproxima do ambiente californiano de Silicon Valley, o número é dez vezes superior.
Espanha e Itália têm realidades mais aproximadas da nacional. Nestes dois países do Mediterrâneo, o número de scale-ups é o dobro do português. Porém, “se se tiver em conta que são economias seis e nove vezes maiores que a portuguesa, os resultados alcançados nos últimos cinco anos são notáveis”, lê-se no estudo.
“Há uma grande apetência pelas tecnologias de informação em Portugal”, disse Pedro Rocha Vieira, da incubadora Beta-i.
É ainda um pequeno ecossistema quando comparado com os demais da Europa desenvolvida, mas o impacto na economia é já bem visível. Nos últimos cinco anos, as scale-ups nacionais a actuar na área das TIC angariaram 166 milhões de euros de capital, criaram cerca de 10 mil postos de trabalho e exportaram 67% dos serviços prestados, números que contrastam com uma evolução económica anémica em dificuldades para captar investimento e manter o ritmo de crescimento das exportações.
É verdade que ainda nenhuma start-up de origem nacional chegou ao objectivo máximo do empreendedorismo – a dispersão do capital em bolsa -, mas nos últimos cinco anos, nove foram adquiridas. Duas delas, a Digisfera, uma produtora de imagens panorâmicas e fotografia 360º, e a Best Tables, uma aplicação para fazer reservas em restaurantes, foram adquiridas por gigantes como a Google e a Trip Advisor, respectivamente.
Localização, praia, sol e um baixo custo de vida, quando comparado com a maioria das grandes cidades europeias, são alguns trunfos para a Lisboa, Porto e o país se afirmarem como um hub internacional de empreendedorismo. No recente estudo “Cidades e Regiões Europeias do Futuro 2016-17”, realizado pela FDI Intelligence Magazine, a capital portuguesa surge na quinta posição do ranking das melhores cidades do sul da Europa. “Há uma grande apetência pelas tecnologias de informação em Portugal”, disse Pedro Rocha Vieira, da incubadora Beta-i.
É difícil substituir Londres no papel que desempenha no sistema financeiro europeu e mundial ou acompanhar a capital da maior e mais pujante economia europeia, mas também não são esses os objectivos. “Não queremos ser a próxima São Francisco ou a próxima Berlim, queremos criar uma identidade própria”, diz João Vasconcelos. Mas não basta querer.
Inovação governamental
Tal como uma start-up, a inovação é a ferramenta que pode fazer a diferença no posicionamento do país como um pólo de atracção destas empresas. A criação de incentivos fiscais ao enraizamento de start-ups no território nacional é uma delas. Mas há mais. Numa conversa aberta entre os agentes do ecossistema nacional de start-ups no evento organizado pela Microsoft, o co-fundador da Uniplaces, sublinhou a rigidez do mercado de trabalho.
“Há algumas situações do nosso mercado de trabalho que fazem parte da nossa herança cultural, mas que têm que mudar”, explicou Miguel Santo Amaro, dando o exemplo da burocracia associada à contratação de um colaborador norte-americano ou indiano. “A obtenção de vistos de trabalho deve ser simplificada, de forma a flexibilizar os nossos processos de contratação”, defende.
O jovem empreendedor abordou ainda a dificuldade do uso de stock options como um instrumento de remuneração dos colaboradores, tal como acontece nos EUA. Na Suécia, Daniel Ek, co-fundador do Spotify, chamou recentemente à atenção para este problema também existente no país berço da aplicação de streaming de música.
E chegou mesmo a ameaçar sair do país, caso o governo não tomasse medidas para resolver este e outros problemas, como a escassez de habitações e engenheiros informáticos.
Ao nível do quadro regulamentar, o país pode também ter um papel vanguardista. Esta é pelo menos a ideia da Rui Bento, director-geral da Uber em Portugal. Citando o exemplo do advento dos automóveis sem condutor, o responsável frisou a importância do desenvolvimento de um quadro regulamentar que defina as regras dos novos negócios que estão a surgir. O uso dos dados dos consumidores e o próprio negócio da Uber são dois exemplos. “Fiquei muito contente em ouvir o secretário de Estado a falar em criar nova legislação e novas políticas”, disse.
O tempo dirá se os governantes estarão à altura do espírito empreendedor desta nova geração de jovens que está a mudar o tecido empresarial nacional. Para já, os ventos correm de feição. Nos próximos três anos, com a realização da Web Summit em Lisboa, a cidade, o país e as start-ups portuguesas terão uma oportunidade de ouro para assumir um lugar na liderança da quarta revolução industrial. Há que agarrá-la.