Só nos primeiros cinco meses de 2021, as start–ups em África angariaram um financiamento “recorde” de aproximadamente 1,19 mil milhões de dólares, em que os negócios de valor igual ou superior a 1 milhão de dólares representaram cerca de 95% do total (1,14 mil milhões).
Segundo dados de um relatório divulgado por Maxime Bayen, construtor de empreendimentos sénior para o Catalyst Fund da BFA Global, este número representa mais do que o dobro do valor captado durante o período homólogo do ano passado.
Entretanto, os relatórios sobre o financiamento às start–ups raramente fazem menção a Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe ou Guiné Equatorial, o que denota que os países africanos de língua portuguesa estão a receber pouquíssimos fundos para estás instituições.
Em conversa com a FORBES, Kenneth Berggreen Hogrefe, CEO e fundador da Tech Africa, diz que o facto não se deve à falta de qualidade das start-ups lusófonas até porque, afirma, países como Angola e Moçambique têm histórias de sucesso neste segmento.
“Por exemplo, a empresa de recrutamento angolana Jobartis alcançou os 500 mil utilizadores em Angola e expandiu-se para os Camarões, República Democrática do Congo e a Zâmbia. Outra prominente start-up angolana é a plataforma de entregas Tupuca, que, tal como a Jobartis, foi uma vencedora local do concurso Global Seedstars World e tem como objectivo a expansão regional”, indica Kenneth Hogrefe.
O jovem empresário, que lidera uma das primeiras start-ups angolanas a receber financiamento de capital de risco em 2015, afirma que os investidores internacionais têm mostrado um interesse limitado em start–ups sediadas em países da África lusófona por várias razões, entre elas o facto de “a maioria dos fundos de capital de risco e dos investidores privados falarem inglês, bem como a questão de os laços económicos e culturais com a referida região africana [lusófona] serem muito ténues”.
O contexto macroeconómico também tem sido, segundo Kenneth, um elemento “bastante” importante para a região, especialmente para Angola, pois o segundo maior produtor de petróleo do continente lida com uma recessão há já cinco anos. Durante este período, Angola tem vivido uma inflação elevada, depreciação da moeda e desafios cambiais.
“Existe um menor conhecimento do mercado lusófono e, por consequência, um menor interesse. Embora Angola seja um grande mercado no contexto africano, o conjunto dos países lusófonos é mais pequeno do que as comunidades de língua inglesa e francesa”, argumenta o empreendedor, que nesta Quarta-feira, 10, vai moderar um debate sobre o tema “Ecossistema Tecnológico de Angola: Utilizar o Investimento e a Inclusão para Impulsionar a Economia Digital”, no Africa Tech Festival 2021 – principal evento de tecnologia e telecomunicações no continente.
De acordo com relatório divulgado por Maxime Bayen, os “quatro grandes” de África – Nigéria, Quénia, África do Sul e Egipto – mantiveram, durante os primeiros cinco meses do ano em curso, o seu estatuto enquanto importantes destinos de investimento, sendo que o financiamento em start-ups nestes países representou 80% de todo o financiamento inicial neste período. A Nigéria e a África do Sul são responsáveis por 56% do financiamento nestes países.
Com a pandemia de coronavírus a afectar as actividades de investimento, a AfricArena, uma aceleradora tecnológica africana, anteviu, em Maio de 2020, que as start-ups no continente receberiam entre 1,2 e 1,8 mil milhões em financiamento de risco no ano de 2020. Entretanto, a Partech Africa e a Briter Bridges revelaram que as start-ups africanas terminaram o ano com 1,4 mil milhões e 1,3 mil milhões, respetivamente.
Por sua vez, os dados da Digest Africa, uma plataforma de notícias de investimento, parecem sustentar as conclusões de Bayen. Todos os meses, esta entidade publica um resumo dos negócios concluídos no mês anterior. Uma análise aos números encontrados nesses relatórios mostra que o financiamento total entre Janeiro e Maio de 2021 foi de 956,2 milhões de dólares, menos 233,8 milhões de dólares do que os 1,19 mil milhões de dólares apontados por Bayen.
Uma aferição mais atenta aos números da Digest Africa mostra que o financiamento das start-ups africanas cresceu constantemente entre Janeiro e Março, antes de cair em Abril. A recuperação começou em Maio, com investimentos a passarem de 78 milhões de dólares, em Abril, para 208,5 milhões de dólares em Maio.
Para a Digest Africa, os investimentos mais significativos foram aplicados na Expensya (20 milhões USD), Gro Intelligence (85 milhões USD), TymeBank (109 milhões USD) e Flutterwave (170 milhões USD).
Em comparação com os montantes angariados pelas start-ups africanas desde 2019, foram necessários quase 11 meses para que o financiamento em África atingisse a marca dos mil milhões em 2019, nove meses em 2020 e cinco em 2021.
A pandemia de Covd-19 e o consequente confinamento terão contribuído para uma quebra nas actividades de investimento, pois os interesses dos investidores diminuíram perante as incertezas, avançam especialistas. Mas, à medida que os confinamentos foram sendo aliviados globalmente, referem, a recuperação arrancou no segundo semestre do ano. Por isso, prevê-se que com o crescente número de vacinações em África e a maior estabilização das economias do continente, os investimentos nas start-ups africanas também podem aumentar.
Sobre o ecossistema de start-ups da região lusófona africana, o fundador da Tech Africa garante que tem progredido nos últimos anos e destaca que “Angola tem potencial para liderar a evolução digital e tornar-se o alicerce do ecossistema tecnológico da região”.
Questionado sobre as razões pelas quais acha que os investidores devem concentrar-se em Angola, em particular, Kenneth Hogrefe apontou a estabilidade macroeconómica, que como diz, está a ser recuperada e mantida através de um regime cambial mais flexível, uma política monetária restritiva e consolidação fiscal.
“O Governo tem feito várias reformas estruturantes, desde que tomou posse em 2017, incluindo uma nova lei sobre a Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, bem como a lei de privatização e a criação de um balcão único para os investidores melhorarem o clima empresarial”, enumerou.
A par disso, acrescentou, o ecossistema angolano para as start-ups também tem evoluído “significativamente”, nos últimos anos, sustentando a sua tese com o “crescente número de novas start-ups e expansões que alcançam os mercados internacionais, além do registo de um número maior de eventos, redes e programas criados por empresas privas, incubadoras e aceleradoras.
“No início deste ano, Angola chegou, pela primeira vez, ao Ranking Mundial de Ecossistemas de Inovação para Start-ups. Este ranking posiciona Angola em 115º lugar no mundo e em 2º lugar no ranking mundial de Start-ups na África Central”, recorda Kenneth.