Quando a Brisa escolheu a Heptasense para lhe montar uma solução de câmaras de vigilância inteligentes não esperava ver do outro lado dois jovens portugueses. Ricardo Santos, presidente-executivo da empresa não controla o sorriso quando conta a reacção de surpresa dos responsáveis da concessionária de auto-estradas quando descobriram que a empresa que escolheram era nacional: “Pensavam que éramos estrangeiros. Não acreditavam que em Portugal pudesse haver uma empresa a fazer o que fazemos. Seleccionaram-nos a pensar que éramos estrangeiros. Só depois perceberam que somos portugueses”, recorda o empreendedor.
O episódio ilustra a velocidade com que esta start-up (nascida em 2017) está a chegar a grandes empresas, convencendo-as a trabalharem consigo.
A ideia de aplicarem algoritmos a câmaras surgiu de uma constatação: a dificuldade de garantir que a videovigilância é eficaz e não fica dependente do escrutínio de um humano.
No coração do negócio da Heptasense está um algoritmo que permite que os sistemas de videovigilância prevejam a ocorrência de um furto numa loja, de um acidente de trabalho numa fábrica e de um ataque terrorista num aeroporto. O argumento até pode, de início, parecer de um filme de ficção: “Damos inteligência às câmaras de vigilância para detectar ou prevenir comportamentos suspeitos – como roubos ou uso de armas – ou situações anómalas, seja na estrada ou numa fábrica”, explica Ricardo.
Mauro Peixe, responsável pelo departamento tecnológico da Heptasense refere que a ideia de aplicarem algoritmos a câmaras surgiu de uma constatação: a dificuldade de garantir que a videovigilância é eficaz e não fica dependente do escrutínio de um humano. Até porque, diz a Accenture num relatório, alguém que tem mais de duas dezenas de ecrãs para monitorizar perde 95% dos incidentes 20 minutos após ter começado a trabalhar.
“Criámos um mecanismo automático que alerta os seguranças em tempo real para actuarem”, reforça Ricardo. O descortinar desta oportunidade na área da segurança foi decisivo para Ricardo, de 25 anos, e Mauro Peixe, de 27, criarem a Heptasense.
Prever o pior
Colegas no Instituto Superior Técnico do curso de Engenharia Electrotécnica e Computadores, Ricardo e Mauro conceberam um software assente numa arquitectura open source: “Em cima disso, desenvolvemos os nossos algoritmos”, refere Mauro que explica em que é que o algoritmo da Heptasense se distingue: “As várias empresas de inteligência artificial na área da segurança focam-se na detecção de objectos e no reconhecimento facial.
Mas em segurança muitas vezes os problemas estão na análise comportamental – não só na detecção do que está a acontecer, mas também na previsão de que algo possa vir a acontecer a partir do comportamento”. Isto significa que, quando uma câmara filma, extrai análises dos comportamentos para concluir se há risco de segurança. Ricardo dá exemplos: “No retalho, o que mais preocupa é o furto. O que a nossa tecnologia detecta não é se a pessoa está a furtar. O que detectamos são condutas que levam a um potencial furto: o esconder um objecto na roupa ou ficar muito tempo à frente do produto ou a olhar para os lados com frequência para perceber se alguém repara”.
A cadeia de lojas Media Markt, na Alemanha, é um dos clientes da Heptasense, ainda que se trate, para já, de um “piloto” numa loja.
Quando algo anómalo ocorre, o sistema alerta o segurança para que vire a sua atenção para a câmara que “viu” a situação: “Só estamos a fazer com que o segurança, em vez de olhar para vários ecrãs, se foque num”, diz Ricardo.
A cadeia de lojas Media Markt (na Alemanha) é um dos clientes da Heptasense, ainda que se trate, para já, de um “piloto” numa loja. Entre as potencialidades do algoritmo está a enorme capacidade de processamento de dados que, por exemplo, permite perceber quais os horários em que mais ocorrem furtos.
Numa óptica de business intelligence é possível extrair contagem de pessoas e tempo de permanência num local. Em aeroportos, a tecnologia da Heptasense é aplicável na busca de comportamentos suspeitos, como passar o check-in e voltar para trás, o reconhecimento de objectos proibidos ou o facto de alguém estar num local interdito.
No sector industrial, o algoritmo da Heptasense também está a gerar mudanças consideráveis no dia-a-dia de unidades fabris. “Aí, o que se procura é ver o fluxo de máquinas e pessoas, para perceber se há perigo de acidentes de trabalho”, explica Ricardo. O software da Heptasense, de resto, já pode ser encontrado em fábricas da Mercedes-Benz. “Quando falamos em prevenir um acidente de trabalho, podemos referir-nos ao facto de os trabalhadores não terem o capacete posto. No âmbito da segurança no trabalho, analisamos as posturas em trabalhos repetitivos e monitorizamos a deslocação de objectos perto das pessoas que possam colocar em risco a sua integridade”, aponta Mauro.
As potencialidades são enormes, pois a plataforma da Heptasense é capaz de se adaptar a qualquer aplicação de qualquer ramo de actividade. “Só trabalhamos o software, tornando a plataforma fácil de integrar. As empresas têm a sua infra-estrutura de câmaras e nós só precisamos de um ponto de acesso. A partir daí, a plataforma trata do resto, de modo automático”, sublinha Mauro.
Controlo total
O mais recente projecto da Heptasense é feito em conjunto com a Brisa, no seu centro de operações, em Carcavelos. Neste caso, as câmaras detectam acidentes de viação, viaturas imobilizadas ou em contramão: “Vamos dizer ao técnico para olhar para uma câmara específica. Consegue-se maior rapidez no socorro”, destaca Ricardo.
Com excepção da empresa de Vasco de Mello, todos os clientes da start-up nacional são internacionais, entre Alemanha, Espanha e França – a conquista de clientes portugueses pode seguir-se, designadamente ao nível das grandes superfícies, entre outras “grandes empresas” que, no entanto, os dois accionistas da Heptasense se escusam a mencionar.
Numa altura em que a discussão da privacidade de dados está na ordem do dia, Mauro e Ricardo garantem que a sua plataforma garante toda a segurança na protecção de dados pessoais. “Actualmente, temos muitas pessoas a olhar para nós quando fazem videovigilância e isso sim é invasão de privacidade. Queremos criar um modo destas pessoas não necessitarem de estar a olhar para nós durante todo o dia e que sejam alertadas para o que é importante. Não fazemos reconhecimento facial, nem seguimos pessoas. Só detectamos situações potenciais de risco”, declara Mauro.
A Heptasense ainda não realizou rondas de investimento. Ricardo e Mauro arrancaram em bootstrapping, com capitais próprios após os estudos universitários, conseguindo logo como primeiro cliente a BMW (casa-mãe), num projecto algo diferente: o da análise do reconhecimento de gestos e comportamentos no interior do veículo para uma evolução (que poderemos ver dentro de uns quatro anos) da actual tecnologia de controlo de funções no automóvel através de movimentos com as mãos.
Numa altura em que a discussão da privacidade de dados está na ordem do dia, Mauro e Ricardo garantem que a sua plataforma garante toda a segurança na protecção de dados pessoais.
Sobre isso, Ricardo e Mauro não abrem o jogo, devido a um acordo de confidencialidade. Mas como é que uma empresa acabada de nascer consegue logo um cliente da magnitude de uma BMW? “Demonstrámos a nossa utilidade. Temos um parceiro europeu que ajudou à nossa promoção, através de um núcleo de inovação da universidade de Munique”, explicam.
Com o arranque do projecto para a marca bávara, a empresa aumentou a sua equipa [para seis pessoas] e arranjou um escritório na Startup Lisboa.
Em Maio de 2017, a Heptasense recebeu um apoio de 5 mil euros da Bet24, mantendo a estrutura do capital inalterada (repartido de igual modo por Ricardo e Mauro). “É possível alargarmos a empresa a outros parceiros, mas para nós é importante que o investidor queira fazer parte da empresa e não tenha apenas foco na rentabilidade”, diz Ricardo que admite ter novidades em 2019.
No primeiro ano de actividade, contabilizou uma facturação de seis dígitos e pode, em breve, vir a crescer até 15 pessoas, a lotação do seu escritório na Baixa Pombalina. É aí que a equipa dá assistência aos clientes, testa e integra novas funcionalidades. Para isso, conta com um estúdio, com uma tela de fundo verde, tipo cinema, para simular comportamentos que indiciem novos riscos e que a tecnologia das câmaras irá interpretar, mediante a sua conversão em algoritmos. “Estamos a construir novos layers em cima dos existentes para ajudarmos a resolver problemas”, diz Mauro.
O nome Heptasense acaba, aliás, por remeter para esse apoio adicional que a empresa pretende oferecer em tarefas de videovigilância que a sociedade já desempenha, complementando e tornando mais eficazes os cinco sentidos tradicionais (visão, olfacto, paladar, audição e tacto): “Não é um sexto sentido, pois esse está já reservado [para a perceção extrassensorial]”, mas será antes um sétimo sentido, afirma Mauro, algo espelhado no nome da empresa. Paulo Marmé