O antigo primeiro-ministro de Portugal (2002 a 2004) e 11º presidente da Comissão Europeia (2004 a 2014), José Manuel Durão Barroso, considerou a questão da segurança alimentar como “uma das mais exigentes e grave ameaça a estabilidade global” na actualidade.
Durão Barroso, que abordava neste Sábado, 09, na província angolana de Benguela, o tema “Segurança Alimentar”, durante a conferência internacional sobre o sector primário, promovida pelo grupo Carrinho, lembrou que segurança alimentar e agricultura sustentável estão “intimamente ligados aos que chamávamos antes Objectivos do Milénio e agora Objectivos de Desenvolvimento Sustentável”, consagrados pela comunidade internacional nas Nações Unidas.
Mas a verdade, referiu, é que hoje em dia este objectivo da segurança alimentar está de alguma forma em risco. “Já estava antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, pois a pandemia da Covid-19 veio agravar uma situação em que já se faziam sentir estrangulamentos, das chamadas cadeias de provisionamento para abastecimento, e hoje estamos com uma situação que é grave do ponto de vista dos riscos em matéria de segurança alimentar”, indicou.
De acordo com o José Durão Barroso, que é actualmente presidente não-executivo do Banco Goldman Sachs International, a pandemia da Covid-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia, firmaram a chamada “crise alimentar”, a pior nos anos mais recentes, ameaçando milhares de pessoas em todo o mundo. “Apesar de algumas tendências mais positivas, recentemente, a verdade é que a inflação nos produtos alimentares continua consistentemente elevada e depende muito de um contexto muito volátil do ponto de vista ambiental e geopolítico”, frisou.
Em linha com o que pensa a activista pelos direitos humanos, Graça Machel, que um dia antes abordou na mesma conferência o tema “Impacto Social do Fomento Agrícola e a Liderança da Mulher Africana Empreendedora”, Barroso reforça que, de facto, a segurança alimentar está ligada a um direito fundamental para o ser humano que é o direito a alimentação.
“Ouvi aquilo o que disse ontem a Dra. Graça Machel e só posso sublinhar a minha concordância com ela, quando apresenta a segurança alimentar como uma questão fundamental dos direitos humanos. Sem direito a alimentação, não a desenvolvimento económico, nem social, nem cultural. Estamos a falar de um direito humano essencial. Alias, o segundo Objectivo do Desenvolvimento Sustentável. O primeiro como sabem é pôr fim à pobreza, o segundo é pôr fim à fome, mas o título completo é, e passo a citar, ‘pôr fim à fome, garantir a segurança alimentar e melhor nutrição e promover a agricultura sustentável’”, enfatizou o líder português.
Fazendo um enquadramento, Durão Barroso destacou que a nível da União Europeia foram desenvolvidas e implementadas políticas, “comprometendo recursos consideráveis”, para fazer face aos efeitos imediatos da crise, mas defendeu que a solução não deve ser por meio de medidas pontuais, mas sim através de sistemas agro-alimentares sustentáveis. “Pode-se fazer alguma coisa, através de ajuda humanitária pontual, mas só o estabelecimento e a promoção de sistemas sustentáveis no campo da agro-indústria poderão representar uma solução”, sustentou.
Para o antigo presidente da Comissão Europeia, as disrupções causadas pela pandemia da Covid-19 e a crise que se lhe seguiu imediatamente causada pela guerra na Ucrânia, criaram estrangulamentos no sistema de distribuição mundial do comércio e da agricultura e levou também, juntamente com o “aumento exponencial” dos custos da energia, a situações sem precedentes. Somando-se as pressões inflacionistas nos consumidores e nos produtores agrícolas, acrescentou, o custo de energia afectou muito os preços e a disponibilidade de fertilizantes, um impute crítico para a agricultura.
“Quando os preços globais da comida aumentaram, aumentou também o número de pessoas que fazem frente à fome, calculando-se este número em 828 milhões de pessoas em risco de fome, em 2021. Ora, são 150 milhões mais do que havia antes da pandemia. Cerca de 2.300 milhões de pessoas, ou seja, cerca de 30% da população mundial estava, em 2021, em situação de insegurança alimentar severa ou moderada”, indicou, socorrendo-se de dados das Nações Unidas.
O homem que já foi chefe do Governo em Portugal classifica o problema da segurança alimentar como “sistémico” e que não pode ser isolado. “Quando aumenta o preço dos alimentos, quando aumenta a inflação, isso leva a políticas monetárias como aquelas que temos vindo a assistir, em que o Banco Central Europeu, a Reserva norte-americana, o banco central inglês e outros, que têm obviamente um efeito até certa forma recessivo, porque o aumento da taxa de juro dificulta o investimento. É nesta situação que nos encontramos hoje e isso tem a ver ainda com replicas da pandemia, mas também tem a ver com a situação geopolítica, nomeadamente a situação na Ucrânia”, apontou para justificar a sua tese.
A conferência, que decorreu entre os dias 08 e 09 de Setembro, no âmbito da comemoração dos 30 anos de existência do grupo Carrinho, abordou também temas como “Agricultura e Auto-suficiência alimentar”, “Financiamento ao Sector Produtivo”, “A Industrialização e a Integração do Sector Primário”, “Investigação e Inovação no Sector Agrícola, o impulso para a Auto-suficiência” e “Financiamento Externo ao Sector Empresarial Privado”.
Além de Graça Machel e José Durão Barroso, entre os oradores e moderadores [nacionais e estrangeiros] do evento, que teve como mote principal a apresentação do Estudo sobre a Auto-suficiência Alimentar e a Visão 2030 do grupo empresarial angolano para o país, estiveram economistas, académicos, líderes empresarias e associativos.