Os sapatos não ficam geralmente na memória. Mas há excepções, como é o caso dos elegantes e imaculados Sam Smiths ou das botas bico de pato da Bean.
O mesmo sucede com os ténis de sola grossa para skaters da Vans: as sapatilhas que voltaram, ao contrário do que se previa, a ganhar relevância e importância – mais do que em qualquer outro período da sua história de quase meio século. Mas esta longevidade nem sempre foi um dado garantido. “Gosto de brincar e de dizer que tivemos um passado atribulado” afirma o presidente Kevin Bailey, com um par de ténis da Vans nas mãos: um exemplar icónico com xadrez preto e branco, redesenhado recentemente para proporcionar maior conforto e com quase metade do peso. Nos pés, um modelo semelhante em xadrez colorido.
A Vans é propriedade do gigante do vestuário VF Corp, uma empresa cotada em bolsa e que detém também marcas como a The North Face, a Wrangler e a Timberland. Quando a VF comprou a Vans por cerca de 271 milhões de euros em 2004, a empresa já estava cotada em bolsa.
Mas estava a desvanecer muito rapidamente. Entre 1993 e 2003 debatia-se para chegar aos lucros e a suas perdas chegaram a situar-se nos 24 milhões de euros por ano. Quanto às vendas, estagnaram nos 260 milhões. A empresa era um caso de estudo de extensões de marcas que não vingaram. Estava envolvida em tudo e mais alguma coisa, desde filmagens de documentários a parques de skate. Mas nada disso estava a ajudar a Cypress, empresa com sede na Califórnia, a vender mais sapatilhas. Os momentos de glória do passado, como aconteceu quando Spicoli usou um modelo axadrezado da marca no filme “Viver Depressa”, pareciam na altura tão remotos como as aulas de história do liceu.
A VF começou por analisar a situação, reforçou a sua presença comercial e os seus quadros. Bailey, de 54 anos, director de retalho da Vans entre 2002 e 2007, foi recontratado em 2009, após uma curta temporada na marca de jeans Lucky Brand. A sua intervenção pautou-se por uma aposta rápida e certeira em novos mercados (Costa Leste dos EUA e Ásia) e por um reforço da linha de produtos, redesenhando alguns modelos para ficarem mais leves, outros para serem mais quentes, a pensar nas estações frias e chuvosas da Costa Leste.
A Vans alargou também a sua marca— desta vez de forma inteligente — centrando-se igualmente no vestuário, alavancando as mais-valias da empresa-mãe.
Reestruturação vencedora
A VF calcula que a Vans, uma empresa com 49 anos de existência, venha a registar vendas na ordem dos 2,1 mil milhões de euros em 2015, face a 1,6 mil milhões de euros em 2014, o que fará desta a divisão da VF com maior crescimento. Se avaliássemos a Vans e se a comparássemos com a sua concorrente, a Skechers, a mesma valeria agora cerca de 2,1 mil milhões de euros, 7,5 vezes mais do que o que a VF pagou.
Antes da aquisição, a Vans era uma empresa bastante dispersa.
No final da década de 1990 e inícios do ano 2000, a empresa criou uma rede de 12 parques de skate nos EUA. Pagou 5 milhões de euros por uma participação maioritária de 70% no Warped Tour, um festival de música punk, financiou o documentário “Dogtwon” sobre a prática de skate e sobre os Z-Boys, e era proprietária da Vans Triple Crown Series, um grupo televisivo dedicado à transmissão de campeonatos de desportos radicais — skate, surf, snowboard, wakeboard, motocross e BMX. Em 2003, antes de ser vendida à VF, a Vans apresentava cerca de 18 milhões de euros de despesas relacionadas com o negócio de parques de skate, que, entretanto, abandonou. A Triple Crown Series foi desactivada lentamente e actualmente resume-se apenas ao surf. A Warped Tour é a única que continua activa.
Em vez de perder tempo e dinheiro com negócios marginais, a VF voltou a centrar-se no retalho, aumentando em 24% a sua rede de lojas nos EUA que passou a contar com 200 estabelecimentos em 2009. E começou por fazer melhor aquele que é o seu produto-chave: as sapatilhas.
Nos últimos cinco anos, a empresa lançou um fluxo constante de sapatos novos, modelos com design renovado que continuam a manter grande parte do apelo clássico da empresa. Estas novas linhas passaram a incluir sapatos mais leves e mais almofadados do que os Vans originais, mantendo, no entanto, o elemento distintivo: a sola grossa. Além disso, a equipa de design da Vans criou ainda outra linha com grande sucesso: sapatilhas a pensar nas estações do ano, feitas de um material que retém o calor e que aumenta a temperatura em 5 graus.
Novos caminhos
Porquê parar nos sapatos? Afinal de contas, era possível aplicar o espírito moderno da Vans ao vestuário e aos acessórios. Isto é o que se chama uma boa extensão da marca, alavancando a experiência e a rede de distribuição da empresa-mãe.
Para acompanhar as tendências, a Vans reduziu os prazos de produção em mais de metade – até então os prazos eram de 18 meses, como acontece geralmente no ciclo de desenvolvimento de calçado. O vestuário contribui agora para 368 milhões de euros das receitas da Vans, face a um valor quase nulo em 2003.
Uma linha alargada de produto era exactamente o que a Vans precisava para sair da Califórnia e para se expandir para o resto dos EUA. Após tentar (e falhar) estabelecer-se na Costa Leste através da Florida, tentou uma vez mais na Nova Iorque chique. Se a marca pegasse na cidade que nunca dorme e que dita as tendências, então podia levar esse sucesso a outras partes do país, pensou Bailey. Em 2011, a Vans abriu a sua primeira loja em Manhattan e expandiu-se depois para os subúrbios e para os Estados vizinhos. Actualmente tem 359 lojas nos EUA — muitas delas redesenhadas, com mais mesas expositoras, menos prateleiras de sapatos nas paredes e poucas promoções.
De seguida, Bailey centrou-se na Ásia, onde praticamente a marca não existia em 2003, região que contribui agora para 10% das vendas da Vans. A China representa uma oportunidade particularmente grande e, após estabelecer-se neste país como marca na dianteira da moda e com o seu cunho artístico, a Vans receberia a alcunha de: “Big Brother Vans.” Parece um pouco assustador aos ouvidos de um ocidental, mas Bailey é rápido a explicar que se trata de um big brother, diferente, alguém que “ajudar a identificar o que é cool,” afirma. “Alguém que nos diz o que é cool”.