“É um cargo honorário, mas, ainda assim, diria que é o meu preferido entre as várias actuações”, diz em início de conversa com a FORBES ÁFRICA LUSÓFONA, na cidade cabo-verdiana da Boa Vista. Susana Cristina Gramilho Clemente defende que, muito mais do que representar cidadãos, a missão consular hoje “é mais económica e diplomática”. Licenciada em Ciências da Educação e natural do Funchal, a recém-nomeada cônsul honorária de Cabo Verde na Região Autónoma da Madeira, não estando actualmente a exercer a actividade docente propriamente numa turma convencional, está directamente ligada a projectos de promoção do sucesso escolar. Na sua formação académica constam um MBA em gestão e uma pós-graduação mais direccionada para as novas tecnologias. Com a docência, Susy Gramilho, como é mais conhecida, exerce também alguma actividade no mercado imobiliário – como promotora de compra e venda –, e no ramo da moda, onde diz ter já feito alguns trabalhos como modelo fotográfica para publicidade. Está ainda ligada ao cinema, com duas pequenas participações em produções cinematográficas, concretamente numa metragem produzida pela Bollywood, que se chama Yudhra, em que teve uma representação secundária, e, mais recentemente, participou como figurante no “Os Abandonados”, uma metragem da RTP. Há cerca de um ano abraçou o desafio de ser a representante consular honorária do arquipélago na ilha portuguesa da Madeira, que lhe foi proposto pelo Governo de Cabo Verde.
Há quanto tempo exerce a função de cônsul honorária de Cabo Verde na ilha da Madeira?
A minha Carta Patente tem a data de Junho de 2022. Portanto, é muito recente. Entretanto, a entrega formal da Carta Patente aconteceu a 27 de Abril último, aqui na Boa Vista, à margem da Conferência Internacional de Parceiros. Aproveitando a ocasião da conferência, foi-me entregue pelo senhor ministro dos Negócios Estrangeiros, Cooperação e Integração Regional de Cabo Verde, Rui Alberto de Figueiredo Soares, formalizando assim o acto, pois efectivamente já o sou há quase um ano.
Quais são ou serão as suas principais linhas de actuação nestas vestes?
Os meus principais objectivos neste momento passam pela criação de uma linha aérea – claro que não passará única e exclusivamente por mim –, mas acho que seria muito importante para Cabo Verde, tanto a nível económico como a nível turístico. Vejo que há aqui uma série de vantagens em criar esta ponte directa entre a região da Madeira e o arquipélago de Cabo Verde.
Há já algum passo a ser dado neste sentido?
Já estive a conversar sobre o assunto com o senhor ministro cabo-verdiano do Turismo e isso foi falado inclusive pelas entidades locais, na conferência [de parceiros], o que só indica que estou no caminho certo. Como disse há pouco, não poderei fazer isso sozinha, mas conto com a colaboração de Cabo Verde e gostaria imenso de ser uma parte integrante deste ambicioso projecto.
“A ilha da Madeira tem um grande bolo de nómadas digitais, que veem em Cabo Verde um sítio onde poderiam, também, exercer as suas actividades”.
Mas acha que é possível estabelecer esta ligação directa?
Acredito que sim. Acredito que seja possível, não só por ser uma pretensão nossa, mas porque efectivamente existe muita contrapartida neste sentido, em que se destaca o incremento da actividade turística.
Mas, o quê que justifica uma ligação aérea directa entre a Madeira e Cabo Verde?
Primeiramente pelo conhecimento de causa que tenho da Madeira e do turismo potencial para Cabo Verde. Poderíamos eventualmente equacionar a nível de exportação para a Madeira de alguma matéria-prima. Isto ainda está a ser debatido, nomeadamente a nível do pescado, dos crustáceos. Estamos ainda a estudar esta possibilidade para ver se actualmente o mercado tem ou não capacidade. Por exemplo, a ilha da Madeira tem um grande bolo de nómadas digitais, que veem em Cabo Verde um sítio onde poderiam, também, exercer as suas actividades.
A falta de ligação directa é o que os impede de actuarem em Cabo Verde?
O que evocam é o preço das passagens, porque para chegarem a Cabo Verde têm de passar antes por Lisboa. Havendo uma ligação directa, ainda que fizessem uma curta escala nas Canárias – também estamos a ver esta possibilidade – seria com certeza bem mais vantajosa. Cabo Verde precisa de conexões, precisa de mais ligações aéreas, independentemente de ser a Madeira ou outro destino. Eu, obviamente, como representante de Cabo Verde na ilha da Madeira, vejo aí também muitas vantagens.
“Quero efectivamente contribuir para o desenvolvimento integral de Cabo Verde, dentro das minhas capacidades […]”.
Além disto, o quê mais pretende fazer por Cabo Verde?
Posso lhe dizer que estão já a decorrer contactos e protocolos, no âmbito de parcerias na área da saúde e da educação também. Mesmo na véspera da minha vinda cá para Cabo Verde falaram-me de um projecto de criação, com o apoio da União Europeia, de uma estação de tratamento de água, para o processo de dessalinização. Como sabe, um dos handicaps que impede o desenvolvimento de Cabo Verde é a escassez da água. Portanto, este é um projecto que para mim parece-me também muito importante, ao qual darei também todo o meu contributo.
Para a área específica da educação o que tem pensado?
A minha área de formação de base é a educação e estive também ligada a projectos de promoção do sucesso escolar. Já estive na coordenação de alguns projectos desta natureza na ilha da Madeira e aqui, em conversações com algumas pessoas, é também certamente algo que se poderá fazer em parceria com a nossa experiência. Na área da educação nós temos [na Madeira] alguns projectos que se calhar podem ser uma mais-valia aqui para Cabo Verde. Mas não e tudo. Há muito que pretendemos fazer em outras áreas.
Como por exemplo…
Outra das questões que também tenho em mãos está ligada ao tratamento dos resíduos sólidos. Tentaremos ir buscar um pouco o modelo do que está a ser feito Madeira. A ilha da Madeira neste aspecto, e sou suspeita em falar sobre isso, tem já um trabalho de muito boa qualidade neste sentido. É uma cidade que está muito afrente a nível do tratamento dos resíduos sólidos e foi-me pedido também pelo senhor ministro do Turismo essa abordagem. Portanto, assim de repente, essas serão as [minhas] principais linhas de actuação.
A diáspora cabo-verdiana tem sido muito referenciada como uma “pedra angular” para o desenvolvimento socioeconómico do país. Enquanto cônsul honorária, que papel pode desempenhar na mobilização dos cabo-verdianos radicados na Madeira para o contributo que se precisa?
De momento, e uma vez que eu estou a dar os primeiros passos nesta função, o que eu tenho dito e tenho promovido junto dos responsáveis governamentais é que estou disponível, com toda a minha motivação e interesse, para colaborar em tudo que seja uma mais-valia para Cabo Verde. Eu não pretendo ou não quero apenas ser uma representação consular. Isso já sou há um ano. Quero efectivamente contribuir para o desenvolvimento integral de Cabo Verde, dentro das minhas capacidades, mas tenho a certeza de que, se tiver o apoio do Governo de Cabo Verde, há muito que se consegue fazer e eu tenho toda essa motivação. Todo o meu coração é muito cabo-verdiano. Apesar de não ter raízes cabo-verdianas, eu tenho uma ligação muito forte com Cabo Verde e estou disposta e disponível para fazer tudo o que seja em prol do desenvolvimento integral do país.
“Estou a sentir-me muito feliz por ter este voto de confiança do Governo de Cabo Verde e espero ser motivo de orgulho”.
Tem ideia de quantos cabo-verdianos compõem a comunidade na Madeira?
Neste momento ainda não lhe sei dizer. Estou a aguardar a informação sobre as contas dos últimos resultados dos censos. É uma pergunta que várias pessoas me fazem. Contudo, eu acredito que hoje-em-dia uma representação consular vai muito para além da representação dos cidadãos de um país. É uma ligação muito mais económica e diplomática. Muito mais neste sentido do que propriamente mera representação dos cidadãos. Claro que [a representação dos cidadãos] também é uma das funções de uma representação consular, mas actualmente é muito para além disso.
Esta “ligação muito forte” que diz ter com Cabo Verde vem de onde?
Posso lhe dizer, e sem saber explicar muito bem, que desde muito nova tenho uma paixão especial por África. Mas, até alguns anos atrás, não conhecia África. Porém, pelas redes socias e o chamado “doutor google” eu andava sempre a viajar por África, até que há uns seis anos, tive a primeira oportunidade de fazer uma viagem a Cabo Verde. Foi o primeiro país africano que tive a oportunidade de conhecer. Já tive o prazer de estar em Zanzibar, na Tanzânia, em Marrocos, mas, efectivamente, Cabo Verde tem qualquer coisa de especial que não se explica. Eu acho que é por me sentir tão em casa, pelas pessoas, pelo acolhimento, pelo bem-estar, pelo sorriso, pela boa disposição, pela boa comida… até o simples artesanato, a mim fascina. Tenho um fascínio especial por Cabo Verde.
Que sensação teve a primeira vez que pisou em terras da morna e de Cesária Évora?
Depois de ter tido a oportunidade de cá vir, a paixão que já sentia triplicou e, agora, com a oportunidade desta representação consular, foi “ouro sobre azul”, foi juntar a minha paixão à minha vontade de estar sempre a procurar novos projectos e novos desafios profissionais. Estou a sentir-me muito feliz por ter este voto de confiança do Governo de Cabo Verde e espero ser motivo de orgulho.