Aos 91 anos, tudo correu mal à Fábrica Cerâmica de Valadares. Depois de ser fundada a 25 de Abril de 1921, a histórica empresa de Vila Nova de Gaia esfumou-se a 24 de Setembro de 2012 numa sentença de insolvência proferida pelo Tribunal do Comércio daquela cidade. Na altura, o balanço da empresa apresentava um passivo de quase 100 milhões de euros e capitais próprios negativos em mais de 42 milhões de euros, que a colocavam numa situação de insolvência técnica.
O desânimo entre os trabalhadores era grande. Após vários meses de lay off e de salários em atraso, eram poucos os que acreditavam na viabilidade da empresa. Daniel Gonçalves, representante da Comissão de Trabalhadores, chegou mesmo a afirmar que a empresa “estava morta”. Daniel não estava enganado. A empresa acabou mesmo por fechar as portas após a decisão do tribunal, e com isso grande parte dos trabalhadores foram para o desemprego. Mas a história da Fábrica Cerâmica de Valadares não acabou por aqui. Depois de mais de dois anos parada, um grupo de antigos quadros e de novos investidores decidiram pegar na empresa, e dar uma segunda vida àquela que já foi a maior cerâmica portuguesa.
Constituída em Setembro de 2014 como ARCH Valadares e com um capital social de 50 mil euros, a cerâmica de Vila Nova de Gaia voltou a ver a luz do dia. E começou a laborar logo no mês seguinte com 20 ex-trabalhadores da Fábrica Cerâmica de Valadares. À frente deste “pelotão” estavam três engenheiros que conheciam como as suas mãos a fábrica: Henrique Barros, José Rocha Ferreira e Jorge Borges. Foi à volta deste núcleo duro que a nova empresa foi crescendo. “Os 20 foram escolhidos a dedo para funções críticas (19 homens e uma mulher). Foram eles que dinamizaram toda a actividade, garantindo aos que entraram a seguir uma casa já arrumada e em pleno funcionamento”, destaca Henrique à FORBES.
O director-geral e vice-presidente do conselho de administração da ARCH Valadares recorda que difícil foi segurar os antigos funcionários do lado de lá do muro da fábrica, porque todos queriam trabalhar na nova empresa, mesmo sem receberem um salário. “Facilmente teria 100 pessoas a trabalhar de graça só com a ideia de que a empresa iria avançar”, diz. Em apenas um ano, a emblemática empresa de louça sanitária renasceu das cinzas, nesta fase contando já com perto de 50 trabalhadores.
Actualmente, a ARCH emprega quase uma centena de pessoas e os novos donos comprometeram-se, ao fim de cinco anos, a completar até 135 postos de trabalhos, a maioria ex-trabalhadores.
Nos anos dourados da década de 1980, a Fábrica Cerâmica Valadares chegou a ter 1500 funcionários. Quando fechou, em 2012, deixou mais de 500 pessoas no desemprego. Henrique recorda que “saíram pessoas com 40 anos de casa que não conheceram a produção, só sabiam fazer uma coisa.”
Unidos para dar a volta
No processo de reanimação industrial e comercial da empresa, o papel de Rui Castro Lima foi fundamental. Foi ele quem desafiou Henrique Barros, José Rocha Ferreira (director de operações) e Jorge Borges (director de logística), aos quais se viria a juntar mais tarde José António Caraballo como director comercial, a relançar a marca, quase centenária. “A primeira reunião que tivemos com o administrador de insolvência acabou às 3 horas da manhã. Ele não fazia a mínima ideia o que era uma empresa deste tipo, mas quando falou connosco percebeu que havia um potencial muito grande (tínhamos um stock avaliado em 6 milhões de euros e uma área total de 170 mil metros quadrados) e ficou convencido de que não poderia agir como um gestor de insolvência corrente, porque ressarcir os credores era, em boa parte, ressarcir os trabalhadores”, conta Henrique.
A partir daqui foi criada uma equipa que, acompanhada pela consultora Ernest & Young, apresentou uma proposta a um conjunto de investidores. Havia apenas um pequeno (grande) problema: nesse ano, Portugal estava financeiramente debilitado e os investidores completamente retraídos.
No final de 2013, os ex-quadros refazem o projecto, que é também redimensionado e já não pressupõe a venda, mas o aluguer das instalações fabris. Os próprios passam também a ter um novo papel: o de organizar uma equipa de investidores. E isso mudou tudo. Além da vantagem de conhecerem bem a empresa, tinham outros argumentos de peso. Um era o perdão de 50% da dívida aos trabalhadores, que prescindiam assim de receber 5 milhões de euros dos seus créditos (ascendiam no total a 10,5 milhões de euros), e o interesse da banca (créditos de 74,2 milhões), nomeadamente do BCP, o maior credor, numa solução. O outro prendia-se com o arranque da laboração no espaço de dois a três meses, condição sine qua non para garantir uma posição comercial e conseguir, no contexto da actividade, vender um stock de louça sanitária avaliado em 6 milhões de euros.
Em 2014, dois anos depois de fechar, um grupo de antigos quadros e de novos investidores decidiram pegar na marca Valadares e dar uma segunda vida àquela que já foi a maior cerâmica portuguesa.
Os “quatro magníficos” foram capazes de atrair para o projecto dez investidores privados, com mais ou menos ligação ao sector, incluindo alguns credores que estavam interessados num projecto industrial com uma marca emblemática por trás. “Nenhum dos investidores tem maioria absoluta e a maioria do capital, e cerca de 85% é português. O remanescente é espanhol”, revela Henrique, que através da empresa de engenharia e tecnologia Percelcius (onde detém 50% do capital), controla 5% do capital da ARCH Valadares.
A confiança dos investidores permitiu estabelecer um período de não recolha de dividendos para que a empresa pudesse garantir a sua independência. “Estamos a trabalhar até hoje sem recorrer à banca. Estamos a trabalhar com os meios que os investidores puseram à nossa disposição e com os meios que temos (actividade comercial e de prestação de serviços)”, regozija-se Henrique.
Os investidores comprometeram-se com 1,2 milhões de euros ao longo de cinco anos, podendo ir até aos 1,5 milhões se necessário. No final desse período, espera-se que a empresa tenha a capacidade de criar um total de 135 postos de trabalhos, a maioria ex-trabalhadores da Fábrica Cerâmica de Valadares.
Quanto à venda do stock existente, prevalece a obrigação de entregar 30% do valor gerado à massa falida. O acordo com os credores passa ainda pelo aluguer de parte das instalações industriais por um período de cinco anos e a opção de compra da marca pelo valor de 500 mil euros. Relativamente aos trabalhadores está previsto o pagamento de 50% dos créditos numa única prestação, após a venda do estabelecimento industrial e comercial, cujo valor base estabelecido pela consultora Ernst & Young é de 5,2 milhões de euros.
Para que a nova empresa pudesse estar a laborar foi assumido um contrato de aluguer e de salvaguarda das instalações e do stock, sendo as contrapartidas para os credores da Cerâmica Valadares. Quanto à marca Valadares, mediante o pagamento de royalties, está a ser adquirida à medida que o processo decorre, estando previsto ficar na posse da ARCH no final de 2017.
Em 2015, o primeiro exercício completo da ARCH Valadares, a empresa fechou o ano com prejuízos de 73 mil euros, mas com um volume de negócios de 1,9 milhões de euros. A produção vendida foi da ordem das 90 mil peças e foram criados 80 postos de trabalho. O facto de a empresa ter sempre fornecido algum material, ainda mesmo no âmbito da massa insolvente, fez com que nunca perdesse o contacto com os clientes e se mantivesse actualizada em termos de tendências de mercado. “Isto foi essencial para o projecto”, sublinha Henrique. Para este ano, a facturação prevista é de 5,5 milhões de euros.
A estratégia da ARCH tem passado por menos quantidade e maior valor do produto. Para o terceiro ano de actividade, as vendas estimadas situam-se entre os 8 milhões e os 10 milhões de euros, que serão suportadas pelo mercado internacional. Em 2018, com 250 mil peças sanitárias como meta de produção, a facturação ultrapassará os 10 milhões de euros. No final do 5.º ano de laboração, a facturação deverá chegar aos 15 milhões de euros.
Actualmente, a prioridade é retomar a actividade na Península Ibérica, com Espanha a absorver cerca de 40% do que é destinado à exportação. Depois, a estratégia comercial incluirá o resto da Europa, Médio Oriente, Ásia e América do Sul. O director-geral da ARCH adianta que o mercado internacional deverá representar 80% das vendas em 2017. Para 2018 e 2019, o objectivo é construir uma nova unidade industrial, tendo em consideração o aumento da capacidade produtiva. “A localização ainda não está definida, mas interessa ter a marca instalada em Valadares.
Se possível em Vila Nova de Gaia. O plano industrial obriga a construir uma unidade de raiz, permitindo que o processo tenha na flexibilidade e na criação de valor as principais vertentes. Não está de fora a possibilidade de ser aqui, onde estamos actualmente (a ocupar apenas 40 mil metros quadrados numa área total de 170 mil metros quadrados), caso hajam condições contratuais de aquisição que não demorem o arranque do processo”, revela Henrique.
De volta ao mercado
Até à data, os donos da ARCH investiram 900 mil euros. A receita obtida tem sido reinvestida no processo normal de actividade da empresa. É certo que será utilizada a capitalização integral que está prevista (1,2 milhões de euros), “porque há agora um crescimento significativo ao nível da exportação, mas não será pedido aos investidores um esforço adicional”, garante o director-geral.