Quando se chega às instalações da Pronicol, em Angra do Heroísmo, o primeiro impacto é de espanto: acreditamos, preconceituosamente, que por estarmos numa ilha no meio do Atlântico não vamos encontrar complexos industriais de grande dimensão.
Depois de passar na segurança, levam-nos por um intrincado labirinto de corredores até ao gabinete certo: o de Fernando Teixeira, director de produção da empresa. De bata branca, atrás de uma secretária cheia de papéis, Fernando recebe-nos com a mesma tranquilidade com que nos guiará pelos mais de 20 anos de história da Pronicol, uma companhia detida a 49% pela Unicol – a união de cooperativas de lacticínios da Terceira – e a 51% pela Lactogal.
Em traços gerais, o esquema é simples: a Unicol faz a recolha do leite, factura à Pronicol e a Pronicol industrializa e vende ao outro accionista da empresa, que é a Lactogal, os produtos para o exterior, explica Fernando. Quanto aos que ficam na região, são comercializados pela própria Pronicol. “A Unicol recolhe cerca de 150 milhões de litros de leite por ano, que são na totalidade industrializados” pela Pronicol, começa por explicar.
“Isto corresponde a mais de 90% do leite da ilha. O resto são explorações praticamente familiares e sem expressão”, nota o responsável pela fábrica onde trabalham, actualmente, 200 pessoas. É dali que sai a manteiga Milhafre dos Açores ou os queijos Castelinhos e Ilha Branca. O leite UHT Estrela do Atlântico é uma novidade que se junta ao Milhafre e que foi apresentada recentemente em Portugal Continental. O queijo Milhafre dos Açores é outra das novidades da empresa.
O sector do leite tem estado sob holofotes nos últimos anos, com os produtores a protestar contra as consecutivas baixas de preço e a pedir o regresso das quotas de produção com que a União Europa acabou em Março de 2015.
Os preços do leite pago ao produtor caíram, em Portugal, 10% em dois anos. Actualmente situam-se nos 0,28 euros por litro – tanto no continente como nas ilhas. Fernando confirma que a Pronicol paga à Unicol entre 0,27 e 0,29 euros por litro. A questão é saber quanto desse dinheiro chega aos próprios produtores. Há apenas dois anos, cada litro de leite valia 0,32 euros, um valor ainda assim considerado insuficiente.
Razões que aumentam o espanto perante um balanço sólido numa empresa liderada por forças que, regra geral, estão em lados opostos da barricada. “A Lactogal tem, à semelhança da Unicol, milhões de cooperativas de produtores [no continente] que também têm os mesmos problemas dos daqui. Às vezes imagino que não seja fácil”, atira Fernando, evadindo-se à resposta sobre como esta gestão impacta nos trabalhos da empresa.
Já José Passinhas, administrador delegado da Lactogal, afirma que este modelo, que funciona há mais de 20 anos, “o de uma empresa industrial que assegura a compra da totalidade da produção da ilha que cresceu 70% nos últimos 10 anos – procura, e tem conseguido, assegurar a viabilidade da produção leiteira da ilha Terceira”.
Desta forma, garante, ajuda a reduzir os riscos do “mercado global de forte competitividade, ao mesmo tempo que procura equilibrar a exploração e a sustentabilidade económica da empresa”, diz à FORBES em resposta por escrito. Salienta ainda o facto de garantir que a totalidade da produção na ilha tem destino assegurado. E isto “num mercado que, ultimamente, não deixa de contrair-se”, sublinha antes de realçar que “o bom senso e a busca do equilíbrio no valor gerado nos diferentes elos da cadeia de valor têm sido os princípios dominantes da estratégia” seguida.
José garante ainda que “os resultados da empresa têm estado em linha com a potencialidade e as vicissitudes do mercado lácteo no seu conjunto, quer a nível global e europeu, quer a nível nacional e ibérico, onde o grupo tem afirmado uma posição de liderança”.
Em 2014 e 2015 a empresa apresentou prejuízos superiores a 1,5 milhões de euros, um resultado que o responsável justifica com “uma certa volatilidade que tem caracterizado o mercado nos anos pré e pós liberalização da produção na Europa”. Fernando Teixeira acrescenta que o facto de se ter produzido muito leite em pó, nesse período, também terá penalizado as contas. “É o produto mais dispendioso de produzir”.
Além das alterações que se têm sentido em termos de consumo, o contexto geopolítico e económico tem tido forte impacto na actividade, tanto de forma positiva quanto negativa, defende ainda José Passinhas.
Neste sentido, garante, o regresso aos lucros é também um reflexo dessas mudanças de mercado. No ano passado a Pronicol garantiu um resultado positivo de quase um milhão de euros.
Amiga do ambiente
Depois de vestirmos as batas, toucas e protecção de calçado, Fernando leva-nos num passeio pela fábrica. Daqui saem, todos os anos, mais de três mil toneladas de manteiga, seja Milhafre dos Açores – a única produzida para o consumidor final – ou blocos de 25 kg para fins industriais. “É um valor relevante, sim”, diz Fernando, que revela que o mercado industrial representa cerca de 50% da facturação da Pronicol.
Esta percentagem poderá ter uma leve margem de erro provocada pela comercialização do soro em pó, adianta, uma vez que este é contabilizado nas quantidades de queijo produzido – uma vez que é o seu excedente – e portanto poderá depois ter um impacto residual no final das contas.
Pelos nossos olhos, e durante as mais de duas horas em que visitámos as instalações da Pronicol, não passou sequer uma gota de leite. O ambiente, totalmente estéril, é feito de cubas, tubos e demais estruturas de inox, completamente vedadas ao exterior. É possível ver o queijo a ser embalado e etiquetado, e somos surpreendidos por algum leite em pó, quando Fernando nos permite uma incursão ao andar mais alto da fábrica.
E lá no final da linha de produção vemos também as embalagens de leite, seladas e alinhadas, prontas a ir para as paletes. Mas é tudo. “Não, não vão ver leite. Podem ver aquela água castanha ali, que é da limpeza. Mas isto é assim, tudo muito controlado”, ri-se o responsável perante a nossa surpresa.
Que aumenta quando nos conta que, só em água, são gastos ali 1,5 milhões de litros por dia – mesmo que ela seja reutilizada – três vezes mais do que a quantidade de leite tratada diariamente. Há pouco tempo, a Pronicol investiu quase três milhões de euros na substituição dos queimadores das caldeiras de produção de vapor e termofluído por queimadores de biomassa (pellets), “por questões ambientais. Assim eliminamos as emissões de enxofre”, explica Fernando, orgulhoso, salientando que o investimento deverá estar totalmente recuperado nos próximos cinco anos, devido à redução significativa do consumo de energia e consequente poupança.
De vez em quando interrompemos o passeio na fábrica para entrar numa das várias salas de controlo. Aqui, computadores mostram em tempo real exactamente que recipientes estão a fazer o quê. A fábrica labora seis dias por semana, 24 horas por dia, sendo que pode mesmo trabalhar os sete dias se estiver a produzir soro em pó, esclarece Fernando.
Os responsáveis técnicos vão entrando e saindo, olhando para os monitores e registando a actividade das máquinas, que do outro lado do vidro escondem o leite que está a ser processado. Para além do ambiente altamente estéril, há algo que nos impacta também: o silêncio. Mesmo nas linhas onde há mais trabalho humano, o silêncio é predominante. Excepto, claro, na área onde é possível ver o leite Milhafre dos Açores “já com a tampinha” da abertura fácil, esclarece Fernando.
“Estamos ainda a afinar as máquinas para estes pacotes”, explica enquanto passamos por um grupo de técnicos numa acalorada discussão sobre as novas embalagens de leite. Tendo consciência das dificuldades que a insularidade lhes confere, Fernando não se mostra preocupado com a actividade. Afirma que o grande diferencial que podem dar ao consumidor é a qualidade – “todo o nosso leite vem de vacas que são alimentadas a pasto, o ano todo. Por isso é que há mais leite na Primavera e menos no Outono – e o selo “Produto dos Açores”.
É aí que estão a apostar. As pessoas têm mais curiosidade e estão mais atentas a produtos nacionais, acredita o especialista, a trabalhar há cerca de 30 anos no sector. Um pensamento que está alinhado com o de José Passinhas:
“A estratégia para os próximos anos consistirá em aprofundar um modelo de complementaridade industrial, com marcas e produtos mais bem apetrechados para responder a uma procura que se alterou e contraiu significativamente nos últimos anos”.
Certo é que a Pronicol também produz cada vez mais para marcas próprias, o que lhe permite alargar o leque de utilização do selo “Produto dos Açores”: uma aposta que se tem revelado certeira, e que tem permitido colocar os produtos do arquipélago num patamar mais premium. “É bom que continue assim”, sorri Fernando, antes de nos apertar a mão e desaparecer a caminho do seu silencioso gabinete. A visita acabou mas o dia ainda vai a meio.