O cheiro enganosamente adocicado de gasolina usada e mal refinada permanece na memória de Ryan Popple desde os dias em que comandava um pelotão do exército americano, cuja missão era proteger as colunas de camiões que transportavam combustíveis e abastecimentos para as tropas norte-americanas durante a Guerra do Iraque. Vendo a quantidade de combustível necessário para “alimentar” o poderoso exército do Tio Sam e o que era preciso fazer para consegui-lo, pensou: algo aqui não está bem!
A instabilidade no Médio Oriente, que presenciou, remeteu-o para os inúmeros desafios da dependência de combustíveis fósseis, algo que nunca mais lhe sairia da cabeça – tal como o cheiro de combustível usado – anos depois de sair do Iraque. E alimentaria a procura de alternativas ao petróleo.
Depois de tirar um MBA, e de passar pela Chevron, por uma start-up na área do biocombustível e, mais tarde, pela equipa financeira da Tesla Motors, Popple, que tem agora 39 anos, entrou como sócio em 2010 para o grupo de tecnologias limpas Kleiner Perkins Caufield & Byers, empresa que investiria um ano mais tarde na Proterra. Popple viu na start-up de autocarros eléctricos uma pequena empresa com potencial para fazer algo grande: electrificar toda a frota de autocarros dos EUA.
Nos dois anos que se seguiram ao investimento da Kleiner, a empresa teve dois presidentes executivos, mas nenhum deles parece ter conseguido aumentar a produção. Assim, em 2014, Popple abandonou o seu emprego na Kleiner e tomou pessoalmente as rédeas da Proterra.
Um mercado por explorar
Há 71 mil autocarros urbanos de passageiros a circular nos EUA, a sua maioria movidos a gasóleo ou a gás natural comprimido, segundo a American Public Transportation Association. Só uma pequena percentagem é movida a baterias – menos de 1% em Janeiro de 2014 -, enquanto que os autocarros híbridos e a gás natural representam 35%.
O Departamento de Transportes calcula que existam apenas 300 autocarros com emissões zero nos EUA, mas à medida que aumentam os incentivos, o número pode chegar aos 6900 em 2022, segundo cálculos da consultora Frost & Sullivan.
O preço de um autocarro 100% eléctrico ronda os 186 mil euros – bem acima de um modelo a gasóleo ou a gás natural –, mas os custos operacionais fazem destes uma opção bastante apelativa. Os custos com combustível e manutenção situam-se, em média, nos 8400 euros por ano para um autocarro a gasóleo, face a 1650 euros para um autocarro eléctrico.
As agências norte-americanas de transportes urbanos compram todos os anos mais de 5 mil novos autocarros no valor de 2,1 mil milhões de euros. E apesar de a maioria ser ainda a gasóleo, as coisas estão a mudar.
Em 2006, a Califórnia aprovou uma lei que obriga a uma redução das emissões de carbono em todos os sectores, fazendo disparar assim a procura de energia limpa e veículos sem emissões. Este Estado passou a ser o primeiro mercado natural para a Proterra, que entregou a produção inicial de autocarros à Foothill Transit em 2010. Mas, desde então, vendeu apenas 88 autocarros eléctricos nos EUA, 25 deles em 2016.
O grande desafio da Proterra consiste em aumentar a capacidade de fabrico de autocarros. Com Nova Iorque, Los Angeles, Chicago e Filadélfia (para já não falar de Duluth e Louisville, no Kentucky) a recorrerem ao mercado para a compra de autocarros eléctricos, a procura é assim maior do que a oferta.
Além disso, a equipa de Popple tem também pela frente o desafio de equilibrar as contas da empresa, pois como os pagamentos só são feitos após a entrega, as receitas têm-se revelado irregulares. Até 18 de Novembro de 2016, a Proterra terá gerado cerca de 18 milhões de euros de vendas – mas a empresa não confirma se é lucrativa ou se tem fluxos de tesouraria positivos nesta altura.
À procura de financiamento
O caminho não será fácil para Popple se quiser que a Proterra conquiste uma fatia substancial das vendas de autocarros urbanos de transporte. A New Flyer de Winnipeg, no Canadá, lidera a indústria com 45% das vendas de veículos pesados de transporte de passageiros canadianos.
Em segundo lugar está a Gillig, que tem uma quota de mercado de 33%. Popple acha que o objectivo da Proterra de construir autocarros eléctricos para este sector tem uma grande vantagem. A New Flyer e a Gillig são especializadas na construção de carroçarias metálicas.
A secção do motor, quer seja a gasóleo ou a gás natural, híbrido-eléctrico, a gasolina ou eléctrico, é fornecida por terceiros. Os autocarros de 12 metros da Proterra são moldados em fibra de vidro e fibra de carbono leves. Ao fabricar apenas autocarros eléctricos, a Proterra optimiza o design e o motor para conseguir um melhor desempenho. Tal como a Tesla, a Proterra fabrica as suas próprias baterias: placas lisas e rectangulares revestidas a alumínio colocadas sob o chão dos veículos para maximizar espaço no interior.
Para melhorar o processo de recarregamento das baterias, Popple recrutou recentemente dois antigos executivos da Tesla: o engenheiro de baterias Dustin Grace e o guru da produção Josh Ensign.
Ensign ficou encarregado de duplicar a produção durante este ano na fábrica da Proterra em Greenville, na Carolina do Sul, para dois autocarros por semana e de se centrar na abertura de uma segunda fábrica que começará a funcionar no próximo ano em Los Angeles ao mesmo ritmo.
Dada a necessidade de capital para construir novas fábricas, é possível que assistamos a uma operação pública de venda nos próximos dois anos. Mas, para já, a incidência de Popple vai para a produção de mais autocarros nas suas fábricas, penetrando num mercado que não é conhecido pela sua tecnologia de ponta.
“Se regressássemos no tempo,” diz Popple, “e disséssemos ao jovem Ryan Popple, ‘Vais acabar por ser o presidente executivo de uma empresa de viaturas que pode ser a primeira a eliminar completamente a procura de petróleo,’ ele diria, ‘Parece-me muito bem. Onde é que assino?’