Sobem como foguetes, descem como plumas”. É assim que a gíria popular caracteriza a evolução do preço dos combustíveis, e com algum fundamento. No último ano, o preço do barril de brent (petróleo de referência para a Europa) desceu 34% e está actualmente a cotar no valor mais baixo desde 2004, mas o preço dos combustíveis ficou aquém da descida. Na última semana do ano de 2015 era possível poupar cerca de 5 euros ao encher de gasóleo um depósito com 50 litros face ao início do ano, mas o litro da gasolina encerrou o ano 0,006 euros mais caro face aos valores de 2004.
Parte desta disparidade de comportamentos é justificada pela fórmula de cálculo do preço dos combustíveis ter cada vez mais aditivos que, para o bem e para o mal, estimulam ou atenuam a relação de preços entre o valor da matéria-prima base e o preço praticado nos postos de abastecimento. O efeito cambial é um desses aditivos.
A FORÇA (ou falta dela) do euro
O petróleo e os derivados estão cotados em dólares e, tanto no passado recente com no longínquo, a relação entre o euro e a moeda norte-americana já foi melhor para os europeus.
Em 2015, a desvalorização do euro face ao dólar eliminou um quinto do efeito da queda do brent e, face a 2004, a perda é ainda maior: se há 12 anos um barril de brent negociado a 30 dólares custava 23 euros, hoje custa cerca de 27, mais 17%.
Ou seja, a fraqueza do euro tem amortecido a queda do preço do petróleo e o seu reflexo no preço dos combustíveis.
Também não há dúvida de que a relação entre o preço do brent e dos seus derivados é elevada. Entre 2004 e 2015, o coeficiente de correlação entre a cotação do brent em euros e o preço da gasolina e do gasóleo no mercado de produtos refinados de referência para a Europa (Roterdão), foi de 95,5% e 97,1%, respectivamente. Logo, é legítimo esperar que os preços de comercialização reflictam a descida do preço do brent. Mas há outros factores a ter em conta.
Para que se torne útil aos automóveis, o brent tem de ser refinado. Do ponto de vista económico, é percebível que a capacidade de refinação é limitada e sujeita à pressão da procura e da oferta. Um padeiro, por exemplo, até pode ter o armazém cheio de farinha barata e pão para comercializar, mas se as pessoas não tiverem dinheiro para o comprar ele terá que ajustar o preço até conseguir compradores.
Este fenómeno foi visível em 2009, quando a crise financeira começou a fazer efeito a nível mundial, levando à quebra na procura mundial de combustíveis e à consequente descida nas cotações dos refinados.
Nesse ano, apesar de o preço médio do brent em euros ter sido 5% inferior ao registado em 2015, a cotação média anual da gasolina e do gasóleo chegaram a ser inferiores às registadas no ano passado, em 14% e 13%, respectivamente, dando origem também a preços de comercialização inferiores aos praticados no final do ano passado.
O problema é que no presente passa-se o contrário.
Os níveis de consumo estão longe dos registados em 2004 e 2005, mas a procura tem vindo a aumentar, tanto nos mercados internacionais como no nacional. Segundo dados da Entidade Nacional para o Mercado dos Combustíveis (ENMC), o consumo de gasóleo e gasolina aumentou 3,9% e 1%, respectivamente, no ano terminado em Novembro, variações que antecipam o maior consumo anual dos últimos três anos e o consequente aumento da pressão sobre os preços.
A diferença de preços na Europa
Como o efeito cambial e a lei da procura e da oferta são comuns aos países europeus, seria de esperar que o preço dos combustíveis antes de impostos fosse igual nos vários países.
No entanto, segundo os últimos dados da Direcção Geral de Energia e Geologia (DGEG), Portugal registava em Novembro o quinto e o sexto preço médio mais elevado da União Europeia no gasóleo e gasolina, respectivamente. Mas, embora legítima, a comparação deve ser feita com algumas reservas dada a não uniformização da informação prestada pelos países, como salienta a Comissão Europeia.
Porém, para o presidente da Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro), uma das justificações que acentua a diferença é “o afastamento de Portugal do centro de referência das cotações (Antuérpia/Roterdão/Amesterdão), que torna o custo de transporte – frete – superior ao suportado pela maioria dos países europeus”.
Num negócio onde o volume é preponderante para a rentabilidade, António Comprido aponta também a densa rede de postos de abastecimento como um factor negativo para o preço, pois “a média de vendas é inferior, o que origina um maior peso dos custos fixos”, defende.
Em Portugal vende-se em média 1,8 milhões de litros por posto de abastecimento, um valor que compara com 2,2 milhões em Espanha e 3,9 milhões na Alemanha. Todavia, a diferença entre o preço praticado à saída das refinarias não se explica apenas pela localização periférica ou pela pequenez do mercado nacional.
Custo extra
A adição de biodiesel no gasóleo começou em 2006 e tornou-se obrigatória três anos depois. Porém, esta obrigatoriedade trouxe com ela elevados custos para os consumidores portugueses. Primeiro, porque os biocombustíveis têm um preço pouco relacionado com o do brent e mais elevado do que o dos refinados.
Em meados de Janeiro, a cotação da gasolina e do gasóleo em Roterdão era menos de metade da cotação do biodiesel. Mas há ainda outra agravante. Com a obrigatoriedade de incorporação, veio o ISP, critérios de produção sustentáveis e também a imposição de aquisição a produtores nacionais a um preço acordado entre estes e os comercializadores dos combustíveis fósseis – que deu origem a preços mais elevados do que os praticados no mercado internacional.
Por exemplo, segundo dados da ENMC, entre Março e Novembro de 2015, os preços mensais praticados em Portugal foram, em média, 9% mais elevados e chegaram a atingir uma diferença de 17% (Março). Jaime Braga, presidente da Associação Portuguesa de Produtores de Biodiesel (APPB) diz que “a diferença se deve aos custos de transporte e ao cumprimento das normas de sustentabilidade impostas por lei”, e defende que o biocombustível cotado em Roterdão não cumpre essas normas, que exigem investimentos e encarecem o produto.
Nas contas da APPB, “a incorporação do biodiesel vem acrescentar entre 1,5 e 2,5 cêntimos ao preço dos combustíveis”, mas nas contas da DGEG, em 2015, os custos ascenderam a 4,9 e 1,9 cêntimos no litro de gasóleo e gasolina, respectivamente. Para o Tribunal de Contas, não há dúvidas de que a incorporação dos biocombustíveis está a ter uma relação custo/benefício pejorativa para os consumidores.
No relatório de “Auditoria à produção e incorporação de biocombustíveis”, publicado em Novembro de 2014, o organismo afirma que, devido ao menor teor energético dos biocombustíveis face ao dos combustíveis de origem fóssil que substituem, os utilizadores são obrigados a ter maiores consumos. Além disso, salienta que o facto de a carga fiscal incidir sobre o volume, isso gera mais encargos para os consumidores.
O Tribunal de Contas revela mesmo que, entre 2006 e 2013, a incorporação de biocombustíveis no gasóleo fez os consumidores pagar mais 234 milhões de euros de ISP (imposto sobre produtos petrolíferos) e de contribuição para o serviço rodoviário do que pagariam pelo combustível fóssil sem incorporação.
“Uma situação que se apresenta contrária à natureza de imposto ambiental do imposto sobre produtos petrolíferos, uma vez que os consumidores, sujeitos passivos do mesmo, são mais penalizados pela medida de mitigação do que enquanto agentes de poluição”, lê-se no documento.
Mão pesada do Estado
As gasolineiras são geralmente o alvo da ironia popular, mas é a fiscalidade que impede que o preço de comercialização dos combustíveis volte aos valores de 2004. De acordo com cálculos da FORBES, com a carga fiscal desse ano e assumindo a cotação actual dos refinados e os custos de armazenagem, transporte e margem de comercialização das gasolineiras, um litro de gasolina e de gasóleo custariam no final do ano passado, 1,13 euros e 0,83 euros, respectivamente.
A diferença de quase 0,2 euros está no valor do ISP (ao qual se juntou a contribuição para a prevenção rodoviária e a taxa de carbono) que, de desde então, aumentou 34%; e ao IVA, que incide sobre o preço já com os impostos anteriores, que passou de 19% para 23%. No final de 2015, 57,7% do preço de um litro de gasóleo correspondia a impostos, enquanto na gasolina ascendia a 65,9%.
Como o valor do ISP é fixo (incide sobre o volume consumido) impede diminuições mais abruptas, mas o IVA, que é uma taxa incidente sobre o preço dos refinados e o ISP, acentua as subidas.
É esta característica que ajuda a explicar os “foguetes” e as “plumas”.
Perante a actual carga fiscal (que irá registar um aumento de 5,5 cêntimos na gasolina e 4,5 cêntimos no gasóleo em 2016), o preço do brent teria que diminuir para menos de 15 euros, para que o preço da gasolina atingisse o preço de 1 euro por litro, o que implica uma descida aproximada de 50% do preço do petróleo, face às cotações de meados de Janeiro.
Porém, isto não significa que as gasolineiras não ganhem quando o preço da matéria-prima diminui. Segundo dados da ENMC, o diferencial entre o preço de referência para a venda dos combustíveis (que é calculado pela ENMC e tem em conta os impostos e os custos de logística) e o preço médio de comercialização dos combustíveis pelas gasolineiras, desde a data em que entidade começou a recolher dados (Janeiro de 2014), cifrou-se entre os 0,12 e os 0,17 euros.
Mas como também diz o povo, “negócio é negócio”. Resta aos consumidores aproveitar a tendência de descida do preço do brent, os descontos das gasolineiras e os combustíveis simples, porque os preços continuarão a ser aditivados.