Numa primeira impressão, a Impossible, instalada na Rua Garrett, em pleno coração do Chiado, em Lisboa, aparenta ter pouco de diferente face às muitas start-ups que recentemente surgiram em Portugal para apanhar a “boa onda” que o país atravessa na área do empreendedorismo tecnológico. Mas não é bem assim. Apesar do ambiente e do hardware serem semelhantes, a Impossible nem é uma start-up, nem desenvolve um produto ou um serviço em particular.
Embora pouco conhecida, a empresa foi fundada em 2010 por Kwame Ferreira – Kwamecorp, na altura – e além de Lisboa já tem presença física em Londres, Sidney, São Francisco e, em breve, estará também em Nova Iorque. “Começámos com as relações fortes que tínhamos em Silicon Valley e uma estratégia orgânica de crescimento, mas agora que vamos para Nova Iorque decidimos criar uma marca e comunicá-la”, explica o fundador.
No ano passado, a Kwamecorp passou a Impossible, mas os valores mantiveram-se. “Primeiro estamos nós, o nosso estilo de vida e a nossa felicidade. É a realidade em que acreditamos. Depois vem o trabalho, que eu defino como ‘participar em conversas que originem produtos e serviços interessantes’”, diz. Por vago que pareça, a verdade é que no portefólio de clientes da empresa marcam presença gigantes como a farmacêutica Roche, a Samsung, a Google e a Adidas, start-ups cujas ideias ajudam a incubar e validar, e ainda vários projectos próprios, onde aplicam os recursos libertos. Embora diferentes, todos assentam numa filosofia que vai além de fazer crescer os resultados operacionais. Mais do que homens de negócios, Kwame e Kim são empreendedores com uma corrente de pensamento muito própria. “Não queremos mudar o mundo, queremos sim encontrar um equilíbrio entre o ser humano e o desenvolvimento tecnológico”, afirma Kwame.
“A inovação é o ponto central da prosperidade económica”, Michael Porter, autor de diversos livros sobre estratégias de competitividade.
Da imaginação ao pragmatismo
Nascido em Angola por acaso, quando os pais – ela portuguesa e ele brasileiro –, por lá andavam a filmar um documentário sobre a cultura das tribos do sul do país, Kwame foi criado no interior algarvio onde desenvolveu o imaginário que o levaria à Escola de Belas-Artes, em Lisboa. “Entrei em cinema, mas acabei em Belas-Artes, curso que já na altura se baseava muito no digital”. Confessa que sempre teve um gosto especial por influenciar e manipular as massas, “pelo que era Artes ou Engenharia Genética”, afirma.
Findo o curso, Kwame passou por vários locais-chave do conhecimento tecnológico, mas foi em Londres, depois de conhecer a actual companheira, a modelo e actriz Lily Cole, que iniciou o percurso profissional. Esteve para ser professor de Ciência Política em Cambridge, mas a sedução pelo digital falou mais alto. Em 2001, conhece Kim Hansen e juntos criam o “band stocks”, um projecto que consistia numa Bolsa em que os internautas investiam em bandas emergentes, mas a “ideia” não ganhou tracção e ambos seguiram caminhos distintos até 2010.
Com a experiência adquirida, Kwame decide voltar ao digital, mas de uma forma mais pragmática, e forma uma equipa de designers e engenheiros orientados para executar. Kim, hoje responsável pelo departamento tecnológico da Impossible, foi um deles. “Ideias toda a gente tem, mas o que tem valor é a execução”, explica, sublinhando que adoptou uma receita que se resume a “desenhar um pouco, prototipar rápido e validar”. Na prática, a Impossible adoptou o método conhecido como VOID – Value Oriented Inovattion Design, já usado por muitas empresas ligadas à inovação, e depois complementa-o com uma técnica chamada Galvanic Skin Response, que mede as reacções emocionais e racionais dos utilizadores ao produto ou serviço, permitindo uma avaliação quantitativa e a validação com o menor risco possível de insucesso.
A óptica dos fundadores da Impossible, assente na transparência e na responsabilidade social, valeu-lhes em 2016 a certificação de “B Corp” – corporação benéfica -, uma denominação conferida pela organização norte-americana sem fins lucrativos B Lab que premeia as companhias que usam o poder dos seus negócios para resolver problemas sociais e ambientais. Para Kwame e Kim, foi um prémio e um alento para o trabalho que têm vindo a desenvolver e que vai ao encontro de mais uma tendência que o futuro reserva. “Daqui a alguns anos, a reputação será mais valiosa do que o dinheiro”, afirma Kim. No final de 2016 existiam cerca de 2 mil empresas “benéficas” no mundo originárias de 50 países e de 130 diferentes indústrias, entre elas algumas muito conhecidas, como a Ben & Jerry’s, Patagonia e a Natura. No entanto, em Portugal, existem apenas cinco empresas com aquele que é considerado o mais elevado galardão dos negócios socialmente responsáveis. São elas a Abreu Advogados, a Coloradd, a Sector 3, a Biorumo e a Logfarme.
“Não queremos mudar o mundo, queremos sim encontrar um equilíbrio entre o ser humano e o desenvolvimento tecnológico”, refere Kwame Ferreira.
Dar poder às pessoas
Na filosofia da Impossible, a inovação tecnológica só faz sentido se contribuir para a melhorar o futuro da humanidade e não para a tornar ainda mais dependente, como acontece agora, com o uso dos telemóveis, por exemplo. Tal filosofia está presente em vários projectos que a empresa tem em mãos. Com a Google, por exemplo, a Impossible está a trabalhar na resolução do problema dos mapas indoor através do projecto “Tango”. “Vamos conseguir abrir um novo mundo de possibilidades ao nível da realidade virtual e da inteligência artificial”, explica Kwame.
Noutra área, a da saúde, estão a desenvolver uma solução com a farmacêutica Roche que permite a partilha e a análise rápida de dados com vista a diagnosticar cancros e a identificar o melhor tratamento. A concretizar-se, tal inovação não só vai ajudar hospitais e países com menores recursos como contribuir para a diminuição dos erros de diagnóstico, responsáveis por imensas mortes prematuras. Já com a Adidas, têm em curso o projecto “speed factories” que consiste na construção de pequenas unidades de produção nas grandes cidades alemãs onde se fabricam diversos produtos da marca através da impressão a três dimensões. A primeira já existe em Berlim. “Para nós, a inovação tem que pôr a tecnologia ao serviço das pessoas”, exclama Kwame.
Na mente dos fundadores da Impossible não existe o objectivo de chegar a unicórnio – empresas avaliadas em mais de 1000 milhões de euros – e também não se acredita na economia partilhada como ela é apregoada, por exemplo, pela Uber. “Alguém tem dúvidas de que a Uber abdicará dos condutores assim que os carros autónomos se tornarem uma realidade?”, questiona Kim.
Na Impossible, defende-se a tese da economia da dádiva – gift economy –, que sustenta a Wikipedia, do uso e da propagação do conhecimento ao invés do fomento de grandes colossos económicos. “Se formos por este caminho vamos criar um futuro com pouco vencedores e milhões de perdedores”, exclama Kim, salientando de que não é fácil aplicar esta doutrina num mundo dominado pela “economia de mercado”.
Mas Kim sabe que algo tem de mudar, porque nas próximas duas décadas 40% dos negócios que existem hoje desaparecerão e criação milhões de desempregados. Ele não sabe se vão ser criados novos empregos, ou se as pessoas vão viver do Rendimento Básico Incondicional, mas tem uma certeza: “se ajudarmos na criação de um negócio local sustentável que gera salário para meia dúzia de pessoas e que as faz felizes, devemos celebrar”, afirma. É isso que os dois empreendedores têm procurado fazer com as start-ups que têm em incubação: em vez de as vender a outros investidores para fazer dinheiro, dão-lhes asas para voar sozinhas. É isso também que têm feito com os projectos próprios que têm em curso, como é o caso dos óculos em arame do Zimbabué, da “Josiah” – uma coluna de bluetooth em cerâmica britânica, ou do projecto Impossible People, uma rede de voluntariado ao serviço do mundo.
Adeptos da infra-estrutura Blockchain, que suporta a moeda virtual Bitcoin, Kim e Kwame não crêem que o futuro seja o que nos mostra a Uber ou a Tesla de Elon Musk. Defendem um futuro mais descentralizado, sem megalópolis, e onde a transparência impere. Os líderes da Impossible têm consciência que não dispõem de todas as respostas, mas estão convictos de que a pergunta a fazer não é como será o futuro, mas sim: como desejamos que este seja. A resposta depende das pessoas. “Estamos a fazer o melhor que conseguimos para um futuro melhor e temos a certeza que há muitos mais como nós por esse mundo fora”, remata Kim.
“Estamos a fazer o melhor que conseguimos para um futuro melhor. Temos a certeza de que há muitos mais como nós por esse mundo fora”, diz Kim Hansen.