O cheiro a pão quente não é constante, mas o de croissants açucarados e dos pães-de-Deus não deixa de se fazer sentir ao longo do dia. As cores – o laranja e o preto – sempre presentes, a coerência, a repetição, dão-nos, como habitualmente, aquela sensação de confiança que tanto admiramos quando procuramos algo que nos conforte: se for para café, não é preciso senha; se quisermos consumir na loja são as senhas de cima; se quisermos levar para casa, são as de baixo.
Seja qual for a loja da Padaria Portuguesa em que se entre, a disposição dos alimentos e do estacionário, bem como o funcionamento, não nos costumam falhar. E mais importante: podemos levar o dinheiro contado que os preços são sempre iguais. É assim, aliás, desde que em 2010 a Padaria Portuguesa abriu a sua primeira loja, na Avenida João XXI, em Lisboa.
A caminho do 42.º espaço, o negócio expandiu-se exponencialmente nos últimos seis anos, com números que não deixam ninguém indiferente: 20 milhões de euros de facturação e mais de 1 milhão de lucros. “O nosso negócio é quase como uma commodity, porque está muito enraizado nos hábitos dos portugueses”, diz em jeito de justificação Nuno Carvalho, sócio-gerente e o idealista das lojas Padaria Portuguesa.
Em conversa com a FORBES nos escritórios da empresa, Nuno não embeleza os desafios, mas nota que este é um negócio com várias vantagens. “Todos os dias os portugueses vão a estas lojas de esquina das vilas e cidades do país, que têm uma máquina de café e à volta, pelo menos pastéis de nata. Depois podem é variar no resto. Mas, essencialmente, é um negócio muito enraizado na cultura dos portugueses, que serve transversalmente um público que são pessoas ricas e pobres, gordas e magras, novas e velhas”. Ou seja, a toda a gente.
Motivado por esta questão que lhe parecia óbvia e pelo facto de querer devolver à capital portuguesa um pouco daquilo que era a antiga vida de bairro, Nuno propôs-se, em 2009, a criar uma proposta de valor que, acredita, foi o seu maior trunfo. Sobretudo tendo em conta o período de crise que já se adivinhava no país. “Estávamos enquadrados no perfil económico do país, que estava numa fase de retracção do consumo e desenvolvemos uma proposta de valor adequada aos portugueses nesta realidade”. Algo que os obrigou a ser “muito focados e muito racionais nas decisões” tomadas, no investimento e na marcação de preços – que se tem mantido desde a sua fundação a níveis abaixo da média dos restantes estabelecimentos. “De alguma forma, até foi um atrevimento”, diz o gestor.
Com apenas cinco lojas, a Padaria Portuguesa “atingiu o break-even”. A partir daí, o negócio foi crescendo, ao ritmo de 20 lojas a cada três anos.
VALOR DA TRADIÇÃO
Para o empresário, “ter mais qualidade e não cobrar mais por isso” é um dos pilares fundamentais para o sucesso. E para o conseguir, Nuno revela que o segredo está não só numa gestão muito racional dos recursos, mas também através do controlo total da cadeia de produção: da compra das matérias-primas até à venda, tudo é feito em casa. A primeira fábrica, em Samora Correia, demorou pouco tempo até se tornar pequena para a procura que as lojas da Padaria Portuguesa – que não pararam de abrir – pediam. Actualmente, com uma fábrica em Loures, onde trabalham cerca de 100 pessoas, os processos industriais convivem lado-a-lado com a tradição de produtos feitos à mão. É o caso dos croissants, por exemplo, que são todos enrolados manualmente porque Nuno acredita que o produto final é melhor. Ao lado, tecnologia de ponta que permite tornar mais eficientes os processos – e consequentemente os investimentos.
Falar da Padaria Portuguesa e não falar do “Menu Pequeno-Almoço” é quase como falar de Roma sem mencionar o Papa. É, ainda hoje, o produto mais popular de qualquer loja, e para Nuno é também o que melhor reflecte o espírito da empresa. “Poder tomar um belíssimo pequeno-almoço – sumo de laranja natural, uma sanduíche que pode ser feita com queijo, fiambre ou mista e com uma variedade de pães ou um croissant, e um café – por 2,50 euros, concretiza bastante bem aquilo que é a nossa relação qualidade-preço”, remata. E apesar de admitir que houve alguns seguidores no mercado, salienta que nenhum o conseguiu da mesma forma que as suas lojas.
A este menu foram-se juntando muitos outros, com o passar dos anos. Contudo, o que começou por diferenciar a oferta das lojas que foram aparecendo no meio dos bairros mais tradicionais de Lisboa – Alvalade, Campo de Ourique, Benfica, Belém… – foi também a variedade de pão fresco, de bolos ou de compotas que, sendo de fabrico próprio, começaram a chamar a atenção. Isso, as embalagens atractivas, e claro, os preços baixos.
Nessa altura, as dificuldades por que já passavam algumas empresas nacionais deixaram vagos muitos espaços em Lisboa, gerando uma onda de preços bastante convidativos a quem quisesse ocupá-los. No mesmo sentido, funcionários qualificados estavam, de repente, disponíveis no mercado, com o sector da restauração a ter que reduzir algumas estruturas de custo. O investimento – 10 milhões de euros para os primeiros anos – foi todo feito com capitais próprios, numa altura em que os bancos não estavam propriamente a conceder crédito – pelo menos não sem garantias tangíveis, o que no negócio do retalho é praticamente impossível de apresentar. José Diogo Quintela, primo do gestor, agarrou a ideia e tornou-se sócio desde o primeiro momento (em conjunto detêm 75% da empresa, estando os restantes 25% distribuídos por outros sócios, todos da família).
Com apenas cinco lojas, a Padaria Portuguesa “atingiu o break-even”. A partir daí, o negócio foi crescendo, ao ritmo de 20 lojas a cada três anos. “Só para se ter uma ideia, o McDonald’s tem actualmente 41 lojas em Lisboa. Nós, a meio de Maio, teremos 42”, salienta com um sorriso o empresário. Com o negócio a florescer, a pergunta parece óbvia: para quando arriscar sair da grande Lisboa? A estratégia, para já, é trabalhar ainda melhor com os bairros lisboetas. Desenvolver uma relação de confiança com os clientes que permita que “a mãe deixe a chave de casa ao filho numa das lojas”, exemplifica Nuno. Mas a empresa vai mais longe, sobretudo no que toca a projectos de responsabilidade social. A Padaria Portuguesa faz parcerias com paróquias, com Juntas de Freguesia e com associações para distribuir todos os alimentos que não são vendidos a cada dia, garantindo que nada se desperdiça. Esse envolvimento local é também parte da chave para o reconhecimento do papel de cada loja no bairro em que se insere.
Mas a Padaria Portuguesa já não é só do centro de Lisboa. É também das áreas mais limítrofes, como Almada, Carnaxide ou Odivelas, já com um pé quase a saltar as fronteiras da grande Lisboa, quem sabe para uma presença nacional. Ainda é cedo para falar disso, diz Nuno, acrescentando que nos próximos três a cinco anos o foco será continuar a crescer na capital. O resto, o tempo o dirá. O que está fora de questão, pelo menos para já, é franchisar o conceito da Padaria Portuguesa. “O franchising é bom para quem precisa de investimento”, salienta o responsável. Não é o seu caso. Em 2016 conta investir cerca de 3 milhões de euros, e cada cêntimo provém dos resultados operacionais das quatros dezenas de espaços. Além disso, franchisar obriga a uma estrutura de controlo bastante mais apertada e exigente, que para já não faz sentido aos estrategas da Padaria Portuguesa.