Hesitamos entre subir a escadaria imensa que dá entrada à bonita Basílica do Palácio ou entrarmos pela porta do museu – onde nos esperam. Há um encanto qualquer naqueles degraus que há 300 anos começaram a ser ali colocados, e que contam histórias a cada passo.
Construído durante o reinado de D. João V, o Convento de Mafra, como é conhecido, reuniu num edifício único três funções distintas: convento, basílica e palácio. Hoje, prepara-se para receber os primeiros eventos que celebrarão o seu tricentenário, com uma programação exemplar e que passará por muitos dos espaços desde monumento, classificado como nacional em 1910.
Até 2018 haverá recriações históricas, concertos a seis órgãos, conferências, visitas temáticas e representações teatrais para todas as idades, gostos e agendas. E claro, parte da verba destinada às comemorações vai ser usada para recuperar os famosos carrilhões de Mafra – uns dos maiores carrilhões históricos do mundo.
É que “conhecer e qualificar são as palavras-chave neste programa de comemorações”. Portanto, à festa vai aliar-se também a conservação, para que haja mais aniversários para comemorar, explica Mário Pereira, director do Palácio Nacional de Mafra à FORBES. “O palácio é um edifício polissémico: temos aqui uma série de valências intrínsecas ao próprio monumento e não o podíamos celebrar se não passássemos pela biblioteca, pela arquitectura, pela música, pela enfermaria. Temos uma série de singularidades que nos fazem não descurar nenhuma delas”, nota o responsável.
Enquanto percorremos a programação para o final de 2016 e para o ano de 2017 – na verdade, o tricentenário do palácio é somente a 17 de Novembro do ano que vem – destacamos imediatamente numa das actividades mensais que nos deixam os olhos a brilhar: ‘Representação teatral do Memorial do Convento seguida de uma Sopa da Pedra no Refeitório dos Frades’.
“A sopa da pedra acaba por ser um sucedâneo de uma actividade que o palácio tem e que desenvolve há muitos anos com o serviço educativo, que é a teatralização do ‘Memorial do Convento’”, explica Mário Pereira.
“No ano passado tivemos mais de 20 mil alunos que vieram assistir à representação”. Além disso, “uma das referências importantes de José Saramago no ‘Memorial do Convento’ é o transporte da grande pedra. Portanto, temos aqui duas analogias, duas razões que nos levam a propor a sopa de pedra. E depois é um espaço lindíssimo que geralmente as pessoas não visitam”, remata.
O refeitório dos frades, uma das salas mais magnificentes do palácio, pertence à Escola das Armas, que está sob a alçada do Exército português e, por isso, raramente acessível ao público. Poder jantar nas mesmas 36 mesas onde há séculos os 300 monges franciscanos que viviam no convento faziam as suas refeições é, mais do que um privilégio, uma verdadeira viagem no tempo e na História portuguesa.
Redescobrir o Palácio
Questionado sobre como se gere um monumento nacional que está, na verdade, sob a alçada de três diferentes entidades – o Ministério da Cultura, o Exército e a Paróquia de Santo André de Mafra – Mário Pereira sorri e diz que é “muito fácil”, porque a relação entre todos tem sido “óptima ao longo dos anos”. E porque estão todas, de igual modo, empenhadas nas celebrações. A abertura dos espaços que pertencem ao Exército é disso espelho.
A Paróquia, por seu lado, vai ter oportunidade de viver algumas das mais bonitas celebrações, uma vez que 2017 é ano de “vestir a Basílica” – que é como quem diz, os reposteiros e demais têxteis com séculos de História impregnados vão voltar a decorar a Igreja do Palácio em alguns dias a definir.
O “17 de Novembro de 2017 será certamente um deles”. Mas, mesmo ‘despida’, a Basílica vai valer a visita todos os meses: é que a partir de Abril e até ao final de 2017, vai haver concertos a seis órgãos no primeiro domingo de cada mês.
No entanto, não precisará de esperar até lá para começar a aplaudir aquela que é, ainda hoje, uma das mais admiradas obras de arquitectura barroca. No dia 10 de Dezembro vai ser apresentado uma edição especial do “Memorial do Convento”, com ilustrações originais de João Abel Manta.
E nos dias 17 e 18 de Dezembro a Basílica vai encher-se de música com um concerto a seis órgãos e o Coro da Academia de Música de Santa Cecília.
O ciclo de conferências, “onde esperamos que se digam coisas novas sobre os estudos do Palácio” começará em Março do próximo ano, tal como a temporada de exposições que prometem “algumas surpresas”, confessa Mário Pereira. Junho fará, por seu lado, todo o Palácio recuar 300 anos com uma recriação de “Um dia na construção”.
“Haverá pedreiros, vendedores de água, vendedoras de comida. Tentaremos mostrar tudo o que era o ambiente à volta da construção deste lugar”, diz ainda Mário Pereira antes de nos levar numa visita pelas passagens mais secretas do Palácio, como que querendo aguçar-nos a curiosidade.
Apesar de haver muitos espaços que vão abrir ao público por ocasião do aniversário, outros serão sempre de acesso restrito, tal como eram há tantos séculos. E é aí, nesse imaginário, que parte da magia da visita a este monumento acontece.