A 18 de Março de 2013, o Governo norte-americano lançou uma bomba sobre a Coinbase, uma start-up criada por dois indivíduos que conquistaram 30 mil utilizadores para o seu serviço de carteira electrónica alojado na nuvem por comprar, armazenar e pagar em bitcoins.
Nesse dia, a Financial Crimes Enforcement Network (FinCEN), uma agência reguladora financeira norte-americana, divulgou um conjunto de “orientações interpretativas”, onde refere que todos aqueles que administram ou realizam operações em moedas virtuais, como a bitcoin, devem ser considerados “transmissores de dinheiro” e, como tal, estão sujeitos ao licenciamento estatal, ao registo federal e às regras do Bank Secrecy Act (lei relativa ao sigilo bancário), que visa ajudar as autoridades federais a identificar casos de branqueamento de capitais, fraude fiscal e outros crimes.
Fred Ehrsam, presidente da Coinbase, convocou de imediato o advogado da empresa, que lhe disse: “São apenas orientações, mas como a empresa é pequena vai ser uma dor de cabeça cumprir todas as regras. Ou melhor, vai consumir-vos muito tempo e dinheiro”, recorda Fred. “Sugeriu-me que arranjasse um excelente argumento para justificar que uma empresa como a nossa não carecia desse registo e, assim, ganharmos algum tempo”, diz.
Nessa mesma noite, porém, Ehrsam e Brian Armstrong, presidente executivo da Coinbase, discutiram os prós e contras desta solução e chegaram à conclusão de que seria um erro contornarem a questão do registo, pois teria um impacto negativo na marca. Embora a bitcoin seja adorada pelos génios das tecnologias com uma visão mais libertária, a verdade é que a reputação da moeda virtual sofreu um duro golpe depois de ter sido alvo de ataques de hackers e de esquemas Ponzi, e de ser usada no principal mercado negro de drogas on-line, o Silk Road.
Acima de tudo, a Coinbase queria ser vista como a forma mais fácil, segura e legítima de um vasto leque da população usar uma criptomoeda. Assim, nessa mesma semana, a dupla de empreendedores despediu o advogado e contratou um novo. Até aí, tinham operado com financiamento obtido junto de business angels de cerca de 560 mil euros, mas agora queriam aumentar o capital através de uma ronda de financiamento.
Confiança dos investidores e dos utilizadores
A decisão de registar a marca acrescentou uns quantos milhões à factura da Coinbase, mas também a tornou mais apetecível. Dos fundos de capital de risco mais conhecidos, apenas o partner do Union Square Ventures (USV), Fred Wilson, mostrou publicamente interesse na bitcoin. No pitch ao USV, Wilson fez um verdadeiro interrogatório a Ehrsam e Armstrong sobre a sua abordagem à regulação. O facto de quererem cumprir as regras ajudou-os a convencer o investidor.
Em Maio de 2013, o USV realizou diversas rondas de financiamento para a Coinbase no valor de 1,5 milhões de euros. Em Novembro, a empresa fechou um seguro contra furtos e ataques informáticos (mediado pela Aon). Em Dezembro, a Andreessen Horowitz organizou uma ronda de financiamento para a Coinbase no valor de cerca de 23 milhões de euros, que acabou por ser o maior investimento de capital de risco numa empresa de bitcoin até àquela data.
Hoje em dia, Armstrong, 33 anos, e Ehrsam, 28 anos, empregam 117 colaboradores e são elementos-chave do establishment da moeda digital. A carteira electrónica da Coinbase é usada por 4,8 milhões de clientes em 33 países para comprar, guardar e fazer pagamentos em bitcoin e numa nova criptomoeda, a ether.
Os clientes ligam as suas carteiras a uma conta bancária e pagam uma comissão à Coinbase –cerca de 1,38 euros no caso dos titulares de uma conta nos EUA – para converter moedas virtuais em moedas físicas e vice-versa. Mas o negócio da empresa de Armstrong e Ehrsam não se fica por aqui. Através da criação da Global Digital Asset Exchange (GDAX), a Coinbase passou a permitir que os residentes de vários Estados norte-americanos, do Canadá, Reino Unido, Zona Euro, Singapura e Austrália transaccionem moedas directamente, quer de forma manual, clicando nos botões ‘comprar’ e ‘vender’, quer através de bots (i.e., um software de inteligência artificial concebido para automatizar tarefas repetitivas e que seguem um padrão) para realizar operações algorítmicas.
Segundo dados da empresa, a Coinbase armazena nos seus computadores cerca de 6% das bitcoins existentes em todo o mundo, aproximadamente 650 milhões de euros, e oferece aos seus clientes duas opções: podem ter acesso exclusivo às chaves de encriptação para gerirem o seu dinheiro ou podem partilhar as chaves com a Coinbase, o que funciona como salvaguarda no caso de perderem as chaves – uma abordagem que irrita de sobremaneira os libertários.
Os investidores desembolsaram cerca de 109 milhões de euros para a construção da infra-estrutura e sistemas de controlo da Coinbase. Em Janeiro de 2015, a Draper Fisher Jurvetson promoveu uma ronda de financiamento de 70 milhões de euros, onde participaram investidores como a Bolsa de Nova Iorque, a seguradora USAA e o grupo bancário espanhol BBVA, entre outros.
A ronda mais recente, no valor de quase 10 milhões de euros, teve lugar em Julho e não só valorizou a empresa em 466 milhões de euros como atraiu dinheiro do maior banco japonês, o Tokyo-Mitsubishi UFJ. Um dado particularmente interessante, tendo em conta que a empresa planeia expandir-se para o Japão no próximo ano.
Um mercado longe da maturação
Actualmente, a Coinbase faz parte do establishment e cumpre as regras de sigilo bancário numa indústria alimentada por aqueles que valorizam a bitcoin como uma forma de proteger a sua privacidade ou de mostrar que discordam das regras do governo. Se a empresa detectar transacções suspeitas numa dada carteira, pode exigir explicações ao utilizador ou mesmo suspender ou fechar a respectiva conta.
Não admira, por isso, que numerosos utilizadores do Reddit (uma plataforma que cataloga informação/links) tenham acusado a Coinbase de funcionar como o “Big Brother”, de “espiar para o Governo dos EUA” e de usar tácticas ao estilo da “Gestapo”. Um utilizador descontente da Coinbase chegou a colocar um post onde dizia: “Incrível! Parece que todos se esqueceram por que razão tanta gente começou a usar a bitcoin. Se quisesse ser interrogado sobre todas as transacções que faço, teria pedido uma auditoria à autoridade tributária”.
Armstrong e Ehrsam sempre acharam que a bitcoin podia ser a base de um sistema aberto e disruptivo para a indústria financeira, não para os governos, pois permite fazer pagamentos rápidos, baratos e internacionais. A sua visão da criptomoeda tem vindo a evoluir, mas não ao ritmo a que esperavam. Seja como for, já se expandiu além dos pagamentos. É o caso das plataformas de crowdfunding de pessoas a pessoas (P2P) que armazenam ficheiros ou divulgam previsões de eventos, como os resultados da World Series.
Desde que juntaram forças já assistiram aos mais diversos dramas em torno da criptomoeda (cujo ritmo de adopção tem sido inferior ao que esperavam), como a épica bolha especulativa que centuplicou o preço da bitcoin, que passou de cerca de 10 dólares (9 euros) para mais de 1100 dólares (cerca de 1000 euros) em 2013, antes de cair para menos de 200 dólares (cerca de 186 euros) em Janeiro de 2015.
Recentemente era negociada a 740 dólares (cerca de 690 euros), o que fez com que o valor de mercado das bitcoins rondasse cerca de 11 mil milhões de euros. A isto somou-se uma série de ataques informáticos, em particular à Bolsa de bitcoin Mt. Gox, com sede em Tóquio, que acabou por encerrar em 2014 após perder mais de 420 milhões de euros em fundos dos seus clientes.
Com efeito, depois da escalada no preço da bitcoin, a Coinbase apercebeu-se de que um número crescente de utilizadores da sua carteira não estava a comprar mesas e cadeiras de jardim, mas sim a guardar bitcoins como investimento especulativo. Esta lógica de acumulação obrigou a Coinbase a comprar mais bitcoins nas bolsas, o que deixou Armstrong particularmente nervoso. “As bolsas existentes eram questionáveis a diversos níveis: segurança, qualidade da equipa, solvência… tínhamos muitas dúvidas”.
Em Janeiro de 2015, a Coinbase lançou a sua própria bolsa – a GDAX –, que cobra aos traders uma comissão que pode ir até aos 0,25% por transacção. No primeiro ano de vida realizou operações superiores a 930 mil euros e, dado que em Agosto deste ano desapareceram cerca de 67 milhões de euros em bitcoins da Bolsa de moedas digitais Bitfinex, em Hong Kong, a plataforma de Armstrong não podia estar melhor posicionada.
Mais moedas alternativas
A dupla que lidera a Coinbase acredita que, apesar do sucesso inicial da GDAX, o futuro não está apenas na adopção em massa da bitcoin. O desenvolvimento mais recente e interessante no universo das criptomoedas será, talvez, o aparecimento de blockchains tecnologicamente mais avançadas, que podem ser usadas num maior número de operações do que simples compras ou transferências de dinheiro.
Até agora, a mais promissora dá pelo nome de Ethereum, uma plataforma descentralizada que incorpora “contratos inteligentes”. Quando uma pessoa realiza uma transacção está, implicitamente, a aceitar que os termos contratuais incorporados no software sejam visíveis publicamente. Isto significa que os programadores podem criar mercados de registos de dívidas ou promessas e movimentar fundos de acordo com instruções específicas, e por vezes complexas, inseridas no software/plataforma (como um contrato de futuros, por exemplo). A solução passa por eliminar os intermediários e respectivas comissões, assim como o risco da contraparte.
Em Maio, quando a Coinbase deu luz verde às transacções em ether (a moeda da plataforma Ethereum) na GDAX, Ehrsam publicou um post no seu blogue sobre o potencial da mesma:
“A Ethereum revolucionou a linguagem de programação da bitcoin ao transformar uma banal calculadora num computador altamente sofisticado – para usar uma imagem simples”.
A blockchain da Ethereum fomentou o desenvolvimento de “app-coins” ou “tokens” que permitem financiar novos negócios através de crowdfunding, bem como operar redes P2P. O mercado de previsões e apostas Augur é um bom exemplo. Em 2015 vendeu cerca de 4,9 milhões de euros de tokens Reputação com base na plataforma Ethereum, que permite aos titulares partilhar entre si as comissões geradas pelo site.
Em Novembro, a autoridade tributária norte-americana pediu a um juiz federal para aprovar uma extensa citação de réu desconhecido, na qual exige à Coinbase que revele a identidade de todos os seus clientes com ligações aos EUA, activos no período 2013-2015, e respectivo histórico de transacções.
Juan Suarez, advogado da Coinbase, declarou que embora a empresa “esteja empenhada em cooperar com as autoridades e em cumprir a lei no geral”, entende que “deve resistir àquilo que considera ser uma ampla fishing expedition” – procedimento legal que permite o acesso indiscriminado a toda e qualquer informação, com o objectivo de tentar encontrar documentos comprometedores. Aconteça o que acontecer, fique atento aos próximos desenvolvimentos.