Energia, distribuição, banca, saúde, agricultura, media, indústria vidreira… tudo mexeu um pouco. O ano de 2017 foi intenso no que toca à redefinição do tecido empresarial nacional. Dados da Bloomberg mostram que foram realizadas 77 operações de fusões e aquisições de empresas que movimentaram mais de 7 mil milhões de euros, valor que tem apenas em conta os negócios com valores oficiais e que implica mais do dobro do registado em 2016, quando atingiu os 3 mil milhões de euros.
A importância sistémica do sector financeiro e os enormes custos que já trouxe para os contribuintes assegura o predomínio deste nas agendas ao longo dos anos, tanto à conta de dossiês finalmente encerrados ou abertos, como pelas recomposições accionistas ou bases que procuram lançar para um futuro pouco animador. O ano arrancou precisamente por aqui. O negócio não entra nas contas globais, já que não pressupôs qualquer alteração accionista, mas foi o dossiê que marcou o tom para 2017. Logo no início de Janeiro, a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) foi desbloqueada [ver caixa] e o maior banco do sistema português viu os rácios reforçados para níveis (mais) adequados. E este avanço abriu a porta a novo reforço de capital do Banco Comercial Português (BCP).
Mesmo com o domínio da banca no espaço mediático, certo é que o sector da energia foi dos que mais reposicionamentos registou, destacando-se a EDP, que deixou o seu nome associado ao negócio mais elevado do ano, quando em Abril assinou a venda da Naturgas, subsidiária de distribuição de gás no país vizinho, por 2,6 mil milhões de euros. “A EDP soube aproveitar a janela de mercado, que dado o enquadramento regulatório e taxas de juro favoráveis, permitiu a alienação do negócio da distribuição de gás com múltiplos muito atractivos”, avançou António Mexia, presidente-executivo do grupo EdP – Energias de Portugal, à FORBES. Mas este não foi o único negócio de monta da eléctrica. Três dos seis maiores negócios do ano envolvem a empresa da China Three Gorges, principal accionista da eléctrica. Mas já lá vamos.
Revolução na banca
No sector financeiro, o caminho trilhado em 2017 foi claro: reforçar solidez, convencer investidores e fortalecer as bases para que possa avançar a solução que muitos bancos desejam, o veículo para absorver o malparado, que deve ver a luz em 2018. Não por coincidência, os três bancos mais interessados na solução tiveram as suas estruturas accionistas alteradas ou reforçadas em 2017. Além da CGD, falamos de BCP e Novo Banco. “O aumento de capital do BCP e a capitalização da CGD foram dois momentos que tiveram um impacto muito significativo para a estabilização do sector bancário e para a melhoria da visão que os investidores estrangeiros tinham da banca portuguesa”, destacou Rui Bárbara, gestor de activos do Banco Carregosa. O departamento de research da corretora XTB, por seu turno, aponta para o Novo Banco. “A autorização de Bruxelas para a venda do NB veio encerrar um tema pesado no sistema financeiro português e pode agora ajudar na redução da dívida bruta do Estado.”
No caso do Millennium, o aumento de capital avançou também em Janeiro e veio confirmar a perda de peso da Sonangol, com os chineses da Fosun a destacarem-se como maiores accionistas, depois de responderem a mais um pedido de dinheiro fresco do BCP – vantagens de quem chega mais tarde. A petrolífera angolana, que antes foi acompanhando os pedidos do BCP, acabou desta vez por não o fazer, permitindo a consolidação da Fosun.
Se em Junho de 2016 a Sonangol era a maior accionista do BCP, com 17,84% do capital, volvido um ano a situação é bem diferente: a Fosun controla 25,16% e a petrolífera tem 15,24%.
O ano que agora termina foi também determinante para que o Montepio Geral avançasse para alguma clarificação. Depois de um relatório do Banco de Portugal ter levantado preocupações face à solidez do grupo, a hora chegou para redefinir a posição da instituição, a começar pela abertura do capital. Neste sentido, a Mutualista lançou uma OPA sobre os 26,5% que não controlava no banco Montepio, numa oferta que implicou a saída de Bolsa, mas também o início da transformação do banco em sociedade anónima. A ideia passa por mais tarde reabrir o capital a parceiros da economia social. Mas este é um passo que já fica para 2018, sendo difícil antecipar outros que possam vir a ocorrer na banca, além da continuação das dietas.
No campo financeiro, destaque ainda para o negócio de 750 milhões de euros que colocaram a CaixaBank no total controlo do BPI e para a continuada estratégia de alienação de activos não estratégicos por parte do Novo Banco, como a entrega do Novo Banco Asia ao Well Link Group, acordada em 2016 mas fechada em 2017, por 146 milhões de euros. Também as posições na Empark, gestora de parques de estacionamento, e os activos da Ascendi, a segunda maior rede de auto-estradas em Portugal, seguiram o mesmo caminho. Tudo “passos importantes no processo de desinvestimento de activos não estratégicos do NB”, conforme referiu a instituição sobre as vendas. Mas não se creia que a palavra “desinvestimento” é comum apenas a empresas em dificuldades.
Muito pelo contrário. A gigante EDP prova isso mesmo. E gigante é mesmo a palavra certa: veio deste o grupo o maior negócio do ano, ainda que fora do país.
Fonte energética
Apesar do domínio mediático dos bancos, coube à companhia liderada por António Mexia o maior negócio do ano. Em Abril celebrou a venda da Naturgas Distribución, em Espanha, por 2,6 mil milhões de euros, à Nature Investments, consórcio da Covalis Capital e White Summit Capital. Além da dimensão do negócio, que permitiu aliviar a dívida da companhia portuguesa, a decisão de venda da Naturgas não implicou o abandono do mercado espanhol, já que a empresa manteve as actividades de comercialização de gás.
Mas se não implicou o abandono do país vizinho, deu sinal de abandono da distribuição de gás, até porque o terceiro negócio nesta lista passou pelo mesmo sector e pelo mesmo vendedor – mas agora tudo em casa, leia-se, Portugal.
A REN – Redes Energéticas Nacionais investiu 532 milhões para comprar a distribuição de gás da EDP em Portugal – por distribuição entende-se a infra-estrutura, as tubagens, não a oferta ao cliente final.
E a eléctrica não parou por aqui, já que a EDP Renováveis também esteve na berlinda ao longo do ano: primeiro vendeu ao seu accionista principal, a China Three Gorges, uma fatia de 49% de um conjunto de activos ligados à energia eólica em Portugal, por 248 milhões de euros – negócio já previsto aquando da privatização – e depois foi alvo de uma oferta pública de aquisição de acções (OPA) por parte da empresa-mãe. O encaixe com o desinvestimento na distribuição de gás em Portugal e Espanha deu alento à EDP para lançar uma oferta sobre os 22,74% de capital disperso em Bolsa da subsidiária de energias limpas. Mas o objectivo da operação não foi atingido: António Mexia pretendia 90% ou mais da EDP Renováveis para a retirar de Bolsa, mas só chegou aos 82,6%. O preço oferecido pode ter sido baixo, mas não será apenas isso: as renováveis estão cada vez mais próximas da maturação. À FORBES, Mexia lembrou que as vendas no mercado do gás, assim como a “OPA à EDP Renováveis” foram negócios “totalmente alinhados com as prioridades estratégicas do grupo para 2020”. E acrescentou: “A combinação destas operações reforça a estratégia numa aposta clara no negócio das renováveis e de diversificação geográfica, mantendo a trajectória de redução do endividamento do grupo.”
O reforço da gigante do PSI 20 nas renováveis, dizem já os analistas, surge à conta do ponto de inflexão que estas fontes estão a atingir. “Depois de um investimento inicial muito grande, a EDP Renováveis estava a chegar ao ponto de inflexão em que já não há investimentos a fazer e começa a receber dinheiro. Ao mesmo tempo, a cotação tinha descido e estava barata.
Em vez de deixar o dinheiro na mesa, decidiu vender alguns activos e comprar a Renováveis”, comentou Rui Bárbara sobre a actuação da EDP este ano. E se desinvestiu no gás, a REN investiu: além dos 532 milhões aplicados na operação de gás da companhia em Portugal, a empresa cujo maior accionista é também chinês avançou sobre 42,5% da Electrogas em mãos da ENEL Chile por 170 milhões de euros, operação fechada já este ano e inicialmente anunciada em Dezembro de 2016. A Electrogas detém um gasoduto na zona central do Chile com 166 quilómetros de comprimento.
Às compras no Continente
Mesmo que por vezes pareça, o sector da energia não é um exclusivo da EDP ou da REN. E se estas companhias aparentam estar a optar por maior foco, ora nas renováveis ora no gás, a Sonae fez de 2017 um ano de investimento em ramificações. O grupo da família Azevedo foi dos que se destacou entre os mais activos em 2017, mas aqui não falamos de grandes verbas, antes de opções cirúrgicas. A começar então pela energia renovável.
No mesmo mês em que anunciou a compra da Gasflow, sociedade que opera, mantém e explora uma central de valorização energética de biogás na Chamusca, sem divulgar valores, a Sonae Capital anunciou também a tomada de um parque fotovoltaico em Ferreira do Alentejo, ao comprar a Ventos da Serra por 29,1 milhões de euros. Esta aquisição “aumentou o portefólio de unidades de cogeração e produção de energia através de fontes renováveis”, detalhou a empresa, cuja carteira renovável em Portugal passou a 12 centrais de cogeração, 10 centrais fotovoltaicas e ainda um parque eólico.
Se as energias limpas estão cada vez mais maduras, e logo mais apetecíveis, também mais maduros estão os consumidores, que privilegiam não só a energia mas também a alimentação “limpa”.
E a Sonae também aqui reforçou o seu portefólio. O avanço do grupo sobre os supermercados biológicos Brio – com seis espaços comerciais em Lisboa – e a compra de 51% da dona da Go Natural – que detém mais de 20 restaurantes de alimentação saudável – representaram passos significativos da Sonae no campo da “Health & Wellness”. “A estratégia do grupo passa pela diversificação do seu portefólio, através da entrada em novas áreas, consolidação e expansão noutras e reforço da liderança em alguns sectores, como o da alimentação saudável, através da aquisição dos supermercados Brio, e de uma participação na empresa que detém a Go Natural”, comenta a corretora XTB a propósito dos caminhos seguidos pela Sonae.
O leque de negócios foi ainda mais abrangente, com novos avanços na área do imobiliário, como a participação de 15% no consórcio que comprou o centro comercial Area Sur, em Jerez de La Frontera, Cádiz, e também por áreas ainda em maturação, como o marketing assente em inteligência artificial, com um investimento de 5 milhões de euros da Ometria. O grupo não esqueceu ainda a sua marca de moda infantil, a Zippy, nem a unidade desportiva, a Sport Zone. No caso da Zippy, a abertura de duas lojas no Dubai foi um dos pontos fortes do ano, com a marca a contar agora com 35 lojas só no Médio Oriente – Arábia Saudita, Turquia, Líbano, Qatar e Emirados Árabes Unidos -, rede que poderá vir a servir de auto-estrada para o avanço da Salsa nestas geografias, marca que a Sonae comprou 50% em 2016.
No caso da Sport Zone, a situação era diferente e a solução foi igualmente diferente. O grupo optou por procurar forma de ganhar escala, associando-se por isso à JD Sports, dando origem à segunda maior empresa neste campo na Península Ibérica. O grupo português ficou com 30% da nova empresa, com a líder no retalho de artigos desportivos do Reino Unido a ficar com 50%. “A operação [da Sonae] que tem um carácter transformador é a fusão da Sport Zone com a JD Sports. A Sonae deixa de ser detentora de uma empresa que não tinha margem, por falta de escala, para ser accionista minoritária de um player forte na Península Ibérica que tem uma margem de 7%”, refere Rui Bárbara. “São operações que aproveitam oportunidades, mas não transformam o grupo. São operações de carácter incremental”, acrescenta o gestor de activos do Banco Carregosa sobre o panorama geral das compras da Sonae.
No olho do furacão
O alto perfil da Sonae em 2017, porém, não se cingiu aos seus negócios, com o grupo a não esconder o desconforto com as movimentações num ninho de vespas que conhece bem: a OPA da Altice, dona da Portugal Telecom (PT), sobre a Media Capital, dona da TVI, numa operação que envolverá cerca de 440 milhões de euros.
Com a “operação Marquês” a mostrar, cada vez mais, que o insucesso da oferta da Sonae pela PT em 2006 surgiu muito graças a jogadas de bastidores, executadas pelas mãos que depois quiseram que a PT comprasse a Media Capital, o grupo não escondeu o descontentamento por ver a mesma PT novamente a atacar a TVI. “Sinto o dever de dizer bem alto que estamos a assistir a uma tentativa de deixar passar uma operação que provocará um grave e perigoso enfraquecimento da resiliência e qualidade da nossa sociedade”, afirmou Paulo Azevedo, que foi logo processado pelos franceses. Mas a postura será esta: a PT até pode (finalmente) tomar a TVI, mas a Sonae promete não se calar. Ou não tivessem já provado o custo de uma sociedade enfraquecida.
Apesar dos “evidentes riscos” da OPA da Altice sobre a Media Capital identificados pelos serviços da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, ao rotularem a operação de “gravemente lesiva do pluralismo e do direito à informação”, este regulador acabou por não se opor ao negócio. A Altice pôs na mesa perto de 450 milhões para tomar a Media Capital e o negócio está nas mãos da Autoridade da Concorrência. Um dossiê remetido para 2018.
O avanço da Altice sobre a dona da TVI, é, no entanto, sinal de que o sector dos media continua activo, ainda que por razões negativas – as margens continuam inexistentes ou para lá caminham e pouco ou nada sobra para cortar. E se no caso da TVI há que esperar pelo calendário da Concorrência, já na dona de outra televisão privada, a Impresa, a opção passou por impor um calendário para a venda de até 13 revistas do grupo. “A Impresa tem atravessado um período de reestruturação, tentando reposicionar-se estrategicamente, de modo a diminuir os prejuízos”, começa por apontar o departamento de research da XTB à FORBES. “Até agora tem havido apenas algumas manifestações de interesse sem propostas concretas [à data do fecho desta edição, estava em análise um negócio com Luís Delgado que envolve várias das publicações] sendo que deverá ficar para 2018 a venda de parte dos activos da detentora da SIC e do Expresso”, aponta. “O possível enfraquecimento da Impresa pela venda de activos dará, porém, mais independência e sustentabilidade” ao grupo, sublinha. Certo é que as donas das principais estações televisivas privadas em Portugal entrarão no próximo ano na iminência de sofrer profundas transformações.
Longe dos holofotes
Além da maioria dos negócios em causa terem emanado de um sector ou grupo específico, muitos outros movimentaram avultadas somas ou representaram alterações no tecido português ou ibérico. A compra pela Bridgepoint de activos agrícolas da Sapec em Portugal e Espanha entra no primeiro destes campos, envolvendo perto de 460 milhões de euros. O negócio foi acordado ainda em 2016, mas as autorizações regulatórias só chegaram este ano.
Nas contas deste ano, marca também destaque o encaixe de cerca de 660 milhões de euros feito pela Brisa, em Março, com a venda da concessão rodoviária Northwest Parkway (NWP), nos EUA, que tinha desde 2007. A venda foi feita a um consórcio de investimento em infra-estruturas composto pelo Northleaf Capital Partners, a DIF Infrastructure e o HICL Infrastructure. Com este negócio, a empresa de Vasco de Mello não diz fecha por inteiro as portas ao mercado norte-americano. Conta actualmente ainda com dois contratos de fornecimento de soluções de pagamento automático de portagens nos EUA, e já mostrou interesse em continuar a apostar por terras do Tio Sam.
Também de monta, e visando um dos negócios mais exportáveis da economia portuguesa, foi o avanço da espanhola Vidrala sobre a Santos Barosa, fabricante e comerciante de produtos de vidro, produzindo até 400 mil toneladas por ano. Com a empresa portuguesa integrada na Vidrala, este grupo eleva a sua quota na Ibéria até aos 35%, ainda atrás da Verallia, detentora de 41% do mercado. Com igual dinamismo durante o ano esteve a área farmacêutica, com a Generis a ser “devolvida” ao sector, depois de anos nas mãos de um fundo.
A Magnum aceitou os 135 milhões de euros oferecidos pela indiana Aurobindo Pharma, que desta forma atingiu a liderança no mercado dos genéricos em Portugal.
Numa altura em que a pressão no mercado imobiliário está em alta, o betão foi também um sector com grandes movimentações. Por exemplo, a Norfin pagou 128 milhões pelo portefólio de 86 imóveis postos à venda pela Tranquilidade, a grande maioria dos quais em Lisboa e Porto; a gestora de activos Signal pagou 65,5 milhões de euros pelo edifício Entreposto, junto ao Parque das Nações, em Lisboa; e a espanhola Merlin adquiriu o Central Office, na mesma zona, por 29 milhões de euros.
O volume de negócios contabilizados este ano no seio do tecido empresarial nacional revela que a economia portuguesa está a mexer e continua apetecível, inclusive para investidores internacionais. Contudo, esta vitalidade necessita de mostrar que se trata de um movimento estrutural e não meramente conjuntural.