No meio de tantas incertezas típicas de uma eleição presidencial de transição, onde o actual Presidente da República de Moçambique, Filipe Jacinto Nyusi, está a terminar o seu segundo e último mandato consecutivo e por esta via, estar impedido de voltar a concorrer para o cargo, reina apenas uma certeza: Moçambique terá um novo Presidente.
O próximo Presidente de Moçambique está entre quatro nomes que vão constar no boletim de voto, são eles: Lutero Simango (MDM), Daniel Chapo (FRELIMO), Venâncio Mondlane (CAD) e Ossufo Momade (RENAMO).
Um facto interessante neste arrolamento dos candidatos a Presidente da República é que três deles (Ossufo Momade, Lutero Simango e Venâncio Mondlane) já foram deputados da Assembleia da República pelo partido RENAMO (maior partido da oposição) e dois (Lutero Simango e Venâncio Mondlane) já foram deputados pelo Movimento Democrático de Moçambique (MDM).
A movimentação de membros de um partido político para outro tem sido muito intensa em Moçambique, o que quer dizer que o surgimento ou crescimento de um partido da oposição não significa um crescimento da oposição no geral. São os mesmos apoiantes que migram de um partido para o outro. Em 2009 alguns membros da RENAMO que estavam insatisfeitos com algumas decisões do partido, saíram e criaram o MDM. Depois de alguns anos o MDM sofreu uma crise que dividiu o partido e alguns membros voltaram para a RENAMO. Agora em 2024, um grupo de membros saiu da RENAMO para apoiar Venancio Mondlane na Coligação Aliança Democrática (CAD).
Com partidos políticos da oposição a perderem membros e a se desgastarem em pleno ano eleitoral, a FRELIMO tem conseguido resistir, manter-se cada vez mais coesa, e conservar a sua base de apoio.
Olhando para o cenário que caracteriza o processo eleitoral e os partidos da oposição a lutarem entre si, parece que a maior disputa nas eleições presidenciais, parlamentares das assembleias provinciais é mais para o segundo e terceiro lugar, do que para o primeiro.
A ambição desmedida dos partidos e candidatos da oposição tem sido uma “bênção” para a FRELIMO pois, apesar do desgaste resultante dos 49 anos consecutivos de governação não tem encontrado uma forte oposição que consiga se organizar para servir de alternativa para governar o país. A única vez em que a FRELIMO se viu ameaçada pela oposição foi nas eleições de 1999 quando a RENAMO se juntou a alguns partidos e criou a Coligação RENAMO – União Eleitoral tendo conseguido 117 assentos dos 250 e o seu candidato presidencial, Afonso Dhlakama obteve 47,7 porcento de votos. Neste ano as eleições presidenciais e legislativas foram as mais renhidas de sempre.
Nesta altura a oposição estava concentrada e focada em retirar o poder da FRELIMO e cresceu exponencialmente. Mas a coligação não resistiu por muito tempo e daí em diante a RENAMO nunca mais conseguiu obter 90 assentos no parlamento.
A oposição nunca mais conseguiu se unir de forma genuína, pelo contrário foi se dividindo de eleição em eleição, com vários outros partidos e candidatos a emergirem da RENAMO. Para estes pequenos partidos, incluindo para o MDM, conseguir ocupar o lugar da RENAMO seria uma conquista histórica e um inquestionável sinal de aceitação pelo eleitorado. Por isso, o segundo lugar vem se tornando a posição mais “apetecível” para quem ainda não pode se esforçar para conseguir o primeiro.
Seria demasiadamente ilusório esperar que com as eleições gerais a FRELIMO possa vir a perder a sua hegemonia como o partido que governa e detém a maioria no parlamento e nas assembleias provinciais. Não há elementos objectivos que possam sustentar a tese de uma possível derrota da FRELIMO nos três níveis em que o poder estará em disputa no dia 9 de outubro. Por outro lado, a RENAMO, que tem a segunda maior base de apoio eleitoral, não está no seu melhor momento para disputar pelo primeiro lugar. Nos últimos meses foi bastante desgastada pela disputa interna pelo poder e pela saída de membros que foram apoiar Venâncio Mondlane e a CAD.
O MDM também está com níveis muito baixos de aceitação e não tem estado a conseguir se impor face à hegemonia da FRELIMO, a força da RENAMO e da CAD de Venâncio Mondlane se tornou o movimento do momento.
O histórico dos resultados eleitorais são outro indicador que aponta para a manutenção do xadrez político. Os resultados das eleições de 2019 foram bastante expressivos a favor da FRELIMO e com a oposição (RENAMO e MDM) em tendência decrescente. De lá para cá estes dois partidos não fizeram nada de extraordinário capaz de tornar o gráfico crescente a seu favor, pelo contrário, viveram mais crises internas com Venâncio Mondlane como o pivô que lhes retirou mais membros.
A FRELIMO poderá não conseguir chegar aos 70 porcento nas legislativas, como foi em 2019, por não ter capitalizado a crise na oposição e pelo desgaste natural pelos 49 anos de governação. Moçambique ainda enfrenta grandes desafios ligados à governação e parte significativa do eleitorado não está satisfeita com a governação da FRELIMO e busca por quem pode trazer respostas rápidas ou dar sinal de que as coisas podem melhorar.
No entanto, no que se refere ao candidato para a Presidência da República, Daniel Chapo poderá ter um desempenho melhor que o partido FRELIMO. É um candidato jovem (47 anos), que faz a transição geracional na liderança do país. Tem uma boa experiência de governação, um percurso bastante abrangente (jornalista, advogado, administrador distrital, governador provincial). É uma pessoa afável e acessível, que sabe ser e estar, é “amigo” de todos. É um bom comunicador e sabe se relacionar com as massas e com a elite política, económica e diplomática. Tem estado a ser muito bem recebido pela crítica. Na verdade, Chapo foi o melhor que a FRELIMO podia ter num contexto em que a sua popularidade não está ao melhor nível.
A única variável nova nestas eleições é a candidatura do Venâncio Mondlane (50 anos). Com um percurso político muito instável, em pouco tempo passou por MDM, RENAMO e actualmente é apoiado pela CAD. Um jovem inconformado e pouco paciente nas dinâmicas dos partidos. A sua saída do MDM e mais recentemente da RENAMO deixou más recordações. Gerou crises internas difíceis de reparar. Arrastou consigo membros e no caso da RENAMO chegou a levar o partido para o tribunal gerando um desconforto sem precedentes. Tem muito apoio de jovens, usa bem as plataformas digitais, sabe se comunicar com eleitorado mostrando o seu inconformismo e impaciência e explora muito bem as fragilidades da governação da FRELIMO.
Venâncio Mondlane concorreu nas eleições autárquicas de 2023 para o Município de Maputo e teve um bom resultado, no entanto não o suficiente para ser declarado vencedor. Muitos acreditam que ele ganhou as eleições, mas os dados oficiais apontaram outro vencedor. Daí para projectar uma victória nas eleições ao cargo de Presidente da República o caminho a percorrer é bem mais longo. Mesmo candidatos mais populares, com uma base de apoio maior, tendo toda a estrutura de apoio partidário e experiência de participação política como Afonso Dhlakama (da RENAMO) e Daviz Simango (do MDM) não conseguiram vencer os candidatos da FRELIMO. Ainda assim, nada retira o mérito de ser um candidato forte, mas que antes de vencer o candidato da FRELIMO deve vencer o do MDM e da RENAMO que nas eleições presidenciais passadas ocuparam o terceiro e segundo lugar.
Em Moçambique o xadrez político não muda muito em termos dos partidos políticos que conseguem se eleger. A variação tem sido em termos de números de votos. O eleitorado essencialmente está dividido entre a FRELIMO, partido dominante, seguido da RENAMO. O MDM é a terceira maior força por ter conseguido quebrar a bipolaridade FRELIMO/ RENAMO mas não tem conseguido crescer e corre sérios riscos de não conseguir estar representado no parlamento. A CAD é o movimento do momento, mas devido a irregularidades na sua inscrição a Comissão Nacional de Eleições (CNE) anulou a sua inscrição. Se for confirmada a anulação pelo Conselho Constitucional (CC), será uma grande baixa para o apoio à candidatura de Venâncio Mondlane à Presidente da República.
Em relação às outras formações políticas, neste momento, não têm muitas possibilidades de conseguirem se fazer representar nos espaços políticos formais, a não ser que algo extraordinário venha a acontecer em favor. Regra geral o espaço político é dominado pelas três formações políticas que nos últimos 15 anos tem conseguido se fazer representar no parlamento.
A população quer manifestos realísticos e um bom governo…
A par do processo eleitoral que representa a disputa de poder entre diferentes formações políticas e seus candidatos, o sentimento que existe entre os moçambicanos é que no final seja encontrado um vencedor que venha governar bem e que cumpra com as promessas eleitorais.
O país ainda tem desafios políticos, económicos e sociais estruturantes e típicos de uma democracia em construção e esperam por respostas. Os jovens clamam por oportunidades de emprego, muitas famílias vivem no limiar da pobreza e outras estão preocupadas com a escalada do custo de vida. O poder de compra tem estado a reduzir e o salário não tem sido o suficiente para garantir a cesta básica e o transporte. A qualidade da educação e dos serviços públicos de saúde tende a declinar. Os funcionários públicos estão insatisfeitos e a todo o momento há ameaça de greve, numa altura em que a sociedade clama por uma administração pública forte, célere, transparente e isenta de corrupção.
Mais ainda, a criminalidade e a falta de segurança, a agricultura que não produz o suficiente, uma indústria quase inexistente que não responde aos desafios do país, e falta de transporte são outros desafios prementes que requerem respostas urgentes. A questão da integridade territorial está ameaçada a partir do Norte onde o terrorismo está presente, cresce o tráfico e consumo de drogas, deficientes vias de acesso que afecta a ligação das regiões do país, gestão transparente das receitas, os efeitos das mudanças climáticas são outros desafios que requerem resposta.
A própria organização dos processos político-eleitorais continuam a ser um desafio que requer tomada de medidas políticas apropriadas para que os resultados eleitorais sejam o reflexo real da vontade expressa pelos eleitores. Os resultados dos processos eleitorais nunca foram consensuais em Moçambique em resultado da falta de lisura.
Perante este “poço” de problemas é muito fácil emergirem movimentos populistas e demagógicos que prometem fazer tudo em pouco tempo. Mas depois de 30 anos a ouvir promessas, o eleitorado tende a estar mais atento e exigente em relação aos políticos e a qualidade das promessas. O eleitor está ciente dos problemas que pretende ver resolvido e sabe que para alguns deles é preciso tempo e dinheiro, mas para outros apenas boa vontade pode ser uma base para mudar as coisas e trazer resultados.
É preciso tornar o país atraente para restaurar a confiança dos investidores. Mocambique tem potencial para se fazer negócio e promover empregos, mas também tem uma fama que não atrai investimentos. É preciso fazer reformas para que seja destino de investimentos para agricultura, turismo, indústria e transporte. É preciso levar benefícios económicos para zonas distantes dos grandes centros urbanos.
O voto é um compromisso entre o candidato e a sociedade em função das expectativas que são geradas pelos manifestos. Em princípio o candidato mais votado, o vencedor tem obrigação de depois de eleito assegurar a implementação do manifesto “comprado” pela comunidade. Infelizmente, a tendência dos políticos depois de eleitos tem sido de se distanciar dos eleitores e se esquecerem do compromisso estabelecido através do voto.
Este é o momento em que os políticos também precisam pensar na população e fazer algo por eles, pois, mais do que nunca Moçambique precisa de um governo bom e que ama o povo. Um governo que pode renovar a esperança de um futuro que pode ser melhor, num mundo que vive em crescente crise e os recursos são cada vez mais escassos para atender as famílias que idealizam por respostas e pelo bem-estar. O risco que corre uma democracia jovem que não emite sinais para a população é de ficar desacreditada.
Os políticos têm uma responsabilidade no fortalecimento das Instituições e na promoção da boa governação. No ambiente político caracterizado pela falta de confiança, é preciso que o governo a ser eleito invista para inverter a forma como o cidadão olha para a Administração Pública. É preciso ajudar a resgatar a confiança e o respeito do cidadão em relação às Instituições.
Ao eleitor cabe a responsabilidade de votar num candidato lúcido e que tenha a noção dos desafios do país. É preciso votar em alguém que ama o povo e esteja disposto a fazer mudanças. Alguém que tenha os pés assentes na terra e que seja aberto ao diálogo e a críticas, a ouvir e a buscar soluções junto com o povo, a promover a justiça social e o bem-estar.