Evidentemente a questão da dívida pública representa um dos aspectos mais importantes na economia de um país. Certamente é imprescindível saber que o ponto de partida do processo de reestruturação de dívida pública está assente em saber: Como pagar?
Nos últimos anos, resultante fundamentalmente da conjuntura económica do país, verificou-se um crescimento significativo a nível do processo de endividamento público em relação ao PIB, em conformidade com a recente consulta do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2022, a Dívida Pública Angolana na componente Stock da Dívida/PIB, foi de 66,1%, enquanto em 2023 verificou-se um aumento, terminando o ano com 84% do PIB, o que levou por sua vez ao nascimento de duas correntes de pensamentos antagónicas entre a realidade e a utopia quanto ao processo de restruturação da dívida pública angolana.
A palavra utopia, aparece pela primeira vez na obra homónima de Thomas More e etimologicamente significa um lugar que não existe ou algo fora da realidade. A grande questão é porquê que a dívida pública angolana frequentemente em termos de pensamento se encontra em um horizonte entre a utopia e a realidade?
Para o celebre economista francês, Olivier Blanchard, a dívida pública é um stock resultante do que o Governo deve em consequência de déficits passados. Isto é, existe uma correlação positiva entre o déficit fiscal e a dívida pública, na medida em que sendo verificado um déficit, tendencialmente a dívida pública aumenta e um superavit, a dívida pública diminui.
Nos últimos anos, temos acompanhado um comportamento do processo de endividamento público e que impera bastante atenção de todos angolanos, face ao impacto para as próximas gerações.
Em conformidade com o Decreto Presidencial nº164/18 de 12 de Julho, que estabelece a componente regulatória sobre a emissão, contratação, negociação e gestão da Dívida Pública do Estado Angolano na componente de Dívida Pública Directa e Dívida Pública Indirecta, segmentada em dívida interna e externa.
Quando observamos a componente da dívida pública externa, a mesma se encontra dividida em comercial, bilateral e multilateral e é nesta dimensão que, de acordo com o Relatório da Balança de Pagamentos e Posição do Investimento Internacional – 2023, Publicado pelo Banco Nacional de Angola (BNA) a Dívida Externa do país registou uma redução de 4,7% em 2023 face ao período homólogo, permanecendo a China (36,1%) o Reino Unido (27,2%) e algumas organizações multilaterais (10,7%), como principais credores da dívida pública externa do país.
Relativamente a dívida pública interna, compreende a dívida titulada (Bilhetes e Obrigações do Tesouro), contratos de mútuos e os atrasados de exercícios orçamentais anteriores. É sobre o olhar atento das particularidades da composição da Dívida Pública que em 2023 Angola fechou o ano com uma dívida pública de 84% do PIB.
De acordo com o Plano Anual de Endividamento – 2024 até o final de Dezembro, a previsão do Governo é ter um rácio de Stock de Dívida Pública/PIB de 73%, isto é, uma redução de 11% do peso da dívida pública comparativamente ao período homólogo.
Observando o nível de endividamento, a questão que fica é como os angolanos podem saber se de facto a reestruturação da Dívida Pública está acontecer ou é uma utopia? Como podemos saber o que reserva para o futuro dos nossos descendentes?
O primeiro aspecto a ser levado em consideração é que o processo de endividamento é um elemento comum em todos os países, sendo o mais relevante a componente da sustentabilidade da dívida, isto é: Como pagar?
Por regra geral, o país endivida-se, sendo por exemplo só em 2023 o Japão (217,3%), o Estados Unidos (123%) e Portugal (99,1%), ou seja, a grande questão da dívida pública se encontra intrinsecamente associada ao cumprimento dos limites estabelecidos e a existência de mecanismos que visam garantir a respectiva restruturação da dívida pública de modo a garantir a sua sustentabilidade.
No caso da estrutura da dívida pública angolana, a Lei nº 1/14 de 06 de Fevereiro – Regime Jurídico Sobre a Emissão e Gestão da Dívida Pública, considerava como uma das premissas fundamentais nos termos do Artigo 3º O limite máximo de endividamento, isto é “ A dívida Pública, interna e externa, de curto, médio e longo prazo, não deve exceder 60% do Produto Interno Bruto”. Porém com a publicação do Decreto Presidencial nº164/18 de 12 de Julho que revogando a Lei supracitada, deixou de existir o limite de 60% do PIB para efeitos de endividamento, passando a mesma a servir apenas como referência.
Nesta senda, a questão utópica, muitas vezes associada a dívida pública, se encontra essencialmente associada ao limitado nível de conhecimento do funcionamento da dívida publica, sendo imprescindível maior divulgação sobre o que está a ser feito e como efectivamente os angolanos podem acompanhar o comportamento da dívida pública.
Ora, o primeiro aspecto a ser destacado é que actualmente, de forma transparente e pública, toda informação sobre o serviço da dívida pública se encontra disponível no site institucional da Unidade de Gestão da Dívida Pública. O segundo aspecto as ser considerado que nos possibilita considerar que de facto a dívida pública angolana continua sustentável e o processo de reestruturação que constitui uma realidade, circunscrevendo-se nos seguintes aspectos:
- Alargamento da Curva de Endividamento: No sentido de ser garantido uma execução equilibrada do Orçamento Geral do Estado (OGE), face ao peso da Dívida Pública, visando a consolidação do mercado doméstico, foi efectuado a criação de emissões de referência (benchmark bonds) com maturidades de 2 e 10 anos e o grande objectivo continua alinhado à criação de mecanismos de modo a evitar a concentração do serviço de dívida no curto e médio prazo;
- Fungibilidade dos Títulos do Tesouro: No âmbito do processo de gestão da dívida pública, é recomendável que não existam muitos títulos, mas sim benchmark bonds de modo que seja garantido uma reestruturação mais eficiente. É nesta dimensão que, de acordo com a Estratégia de Endividamento de Médio Prazo (2022 – 2024), apontam uma tendência de redução da emissão de novos títulos e deste modo foram passos sólidos a nível da fungibilidade de 1 442 títulos em Dezembro de 2021 para 1 029 em Julho de 2023.
- Gestão activa de passivos: componente interna, tem sido verificado o nível de resgates antecipados, bem como a operações de swap , isto é, através da troca de títulos em moeda nacional (OT NR e OT TXC) e externa (OT ME), que por sua vez, tem permitido extensão das maturidades e a redução do risco cambial.
- Promoção do Financiamento Sustentável: Foi aprovado um Quadro Operacional para O Financiamento Sustentável em Fevereiro de 2023 e o principal objectivo consiste em criar directrizes para o cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável ( ODS) e garantir um equilíbrio efectivo das finanças públicas.
Se considerarmos que o mercado de capitais em Angola se encontra na fase de ouro, efectivamente foi através da consolidação entre o mercado primário e secundário de dívida pública que alguns passos foram alcançados. Logo apesar dos desafios existentes, de acordo com a objectividade científica, não podemos considerar o processo de reestruturação da Dívida Pública Angolana como utópico face aos resultados da realidade da dívida publica do país. Se é boa ou não, o foco é que continua sustentável e o principal objectivo continua associado em colmatar as necessidades de financiamento, mantendo o equilíbrio entre a redução do custo de endividamento e a manutenção do risco em níveis sustentáveis.