Em toda a sua história desde 1994, às eleições em Moçambique sempre foram marcadas por polémicas e contestações, o que levou o país a mergulhar em conflitos armados entre a RENAMO e Governo Moçambicano chefiado pela FRELIMO , ou seja, tínhamos praticamente dois actores politico-partidários no centro da disputa pelo poder e democratização das instituições no país. Com o fenômeno da globalização, especificamente através da internet, as problemáticas antigas nos contextos eleitorais de forma paulatina tornaram-se de conhecimento da população e as jogadas políticas aliadas a difusão dos direitos políticos dos cidadãos e dos partidos cada vez mais presentes na vida de cada moçambicano. Não obstante a isso, a abundância de riquezas no país e falta de capacidade de gerenciamento mas também de distribuição das mesmas, foram factores que criaram descontentamento no seio da população pois estes factores refletem no dia-a-dia de cada indivíduo.
As manifestações pós-eleitorais de 09 de Outubro de 2024, são a prova desse descontentamento generalizado da população. Como já referenciado, os pleitos eleitorais anteriores tínhamos apenas dois actores (partidos políticos) na busca pelo poder mas também pela democratização do Estado, no entanto hoje, temos mais de dois actores nessa disputa onde destaca-se o povo moçambicano que vai à rua e protesta contra a fraude eleitoral verificada nas eleições, tais como: enchimento e troca de urnas, adulteração de actas e editais, dentre outros fenômenos que atentam a lei eleitoral. No entanto, as mesmas manifestações são entendidas como um grito de socorro social, onde nelas encaixam-se diferentes grupos sociais com exigências diversas mas uma em comum que é a melhoria das condições de vida dos moçambicanos.
Mesmo com as devidas evidenciais de fraude eleitoral apresentadas em recursos por dos partidos políticos mas também pelas organizações da sociedade civil moçambicana que observaram as eleições, o Conselho Constitucional através do Acórdão n. °24/CC/2024 de 22 de Dezembro, validou os resultados eleitorais mas também contrariou toda a jurisprudência previamente produzida por este órgão, violando gravemente a Lei Orgânica do Conselho Constitucional (LOCC – Lei 2/2022 de 21 de Janeiro) e a Lei Eleitoral Moçambicana (Lei 8/2013 de 27 de Fevereiro alterada e republicada pela Lei n.° 15/2024 de 23 de Agosto). Por um lado, o órgão assumiu competências de recontagem que não lhe são atribuídas em flagrante violação do n.°3 do artigo 167 da lei eleitoral; por outro, ignorou as disposições dos artigos 121 a 123 da LOCC, que exigem a adopção de acórdãos de julgamento dos recursos contenciosos eleitorais no prazo de cinco dias, com notificação imediata a todas as partes.
Uma vez que o Conselho Constitucional é tida como última instância em contextos de género internamente, as Organizações da Cociedade Civil(OSCs) foram a busca de mecanismos externos que possam garantir primeiro a suspensão da tomada de posse do presidente escolhido através de uma providência cautelar e a responsabilização dos actores que ordenaram as 294 mortes, provocaram 600 baleados com munições reais, mais 3000 feridos e 4000 detidos ilegalmente em todo o país.
Uma vez que Moçambique ractificou o Tribunal dos Direitos Humanos e dos Povos a 27 de Julho de 2004, e aceita a nível da sua constituição as normas e procedimentos das instituições que regem o funcionamento do mesmo, as OSCs tinham duas possibilidades para poderem expor as violações decorrentes do processo, uma vez que nenhuma delas apresenta o estatuto de observador neste organismo que dá essa prerrogativa de apresentar as preocupações, sendo:
1-A partir de um Estado, em que aceitando as preocupações Sociedade Civil Moçambicana , o mesmo poderia interceder junto ao Tribunal Africano em jeito de solidariedade levando as inquietações em nome deste grupo.
2-Por intermédio de uma organização com estatuto de observador no Tribunal Africano, uma vez que em Moçambique nenhuma instituição tem esse privilégio.
Como argumento desta acção, as OSCs de Moçambique apegaram-se ao Artigo 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) que considera a participação democrática como um direito humano fundamental, Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governação (N°.1,4,7,9 e 1 do artigo 3, artigo 4 e os artigos 17 á 22), Princípios da SADC sobre eleições democráticas (4.1.1 e 4.1.7).
Diante dessa acção surge uma importante questão: será que o Tribunal Africano tem competência para suspender a tomada de posse? Será que vai-se a tempo da suspensão uma vez que a tomada de posse está tão próxima?
Primeiro, o Tribunal Africano recomenda as instâncias judiciais a suspensão do mandato do candidato escolhido pelo Conselho Constitucional, em que aprovada mesmo que tenha tomado posse a medida é válida. Posteriormente, procede-se com a verificações das acusações para tomada de uma posição definitiva por parte das organizações.
Está em curso o exercício de convencer a África do Sul, como país vizinho de Moçambique e tem sofrido com impactos económicos das manifestações, com a limitação constante na circulação fronteiriça em Libombo mas também com o fenômeno da imigração, em que a semelhança do Malawi faz soar os alarmes pelas razões securitarias que está situação pode criar nos países da região.
De igual modo, as OSCs solicitaram a União Europeia, Parlamento Europeu, Nações Unidas, Estados Unidos da América, Igrejas, dentre outras instituições, medidas mais enérgicas além do incentivo ao diálogo para a resolução da actual tensão em Moçambique, pois a maior parte deles são financiadores do processo da democratização no país mas também na defesa dos direitos humanos, em que mesmo verificando irregularidades constantes nas eleições em Moçambique não tomam medidas assertivas para eliminar este mal de uma vez por todas, o que tem solicitado várias críticas da comunidade. Mas daí surge a questão: qual seriam essas medidas energéticas? Sanções a indivíduos que violam os direitos humanos seria o primeiro passo.
Por fim, de certo mergulhamos num contexto de incerteza quanto ao futuro com o regresso do Venâncio Mondlane a Moçambique, em que pode ser observado como um factor para unificar os moçambicanos que com as “estórias” das vandalizações ficou dividido, o que pode reacender as manifestações pacíficas e de certo forçar ao governo em tomar um posicionamento de diálogo mais certeiro, com uma pressão acrescida por parte da comunidade internacional. Caso o diálogo não aconteça podemos estar perante a uma bomba relógio que pode trazer impactos económicos a médio e longo prazo ao país mas também a nível regional, principalmente no contexto econômico e securitaria.
Tudo isso para dizer que as eleições de 09 de Outubro de 2024, mudarão a história da democracia mas também da academia no país.
Wilker Dias,
Director Executivo da Plataforma DECIDE, uma Organização não Governamental em Moçambique que actua no ramo da Democracia, Direitos Humanos e Estudos. Mestre em Gestão de Paz e Conflitos e, MBA pela Universidade Alberto Chipande. Docente do Curso de Ciência Política e Relações Internacionais. Consultor e activista.