Há três anos que vigora em Angola a lei n.º 13/21 de 10 de Maio que aprova o Regime Jurídico da Recuperação de Empresas e da Insolvência, doravante chamado por nós por REJUREI. A entrada em vigor da referida lei, revogou os artigos do Código de Processo Civil que estabeleciam o regime jurídico da falência e criou as condições necessárias para que as empresas que se encontrem em situação económica difícil e sem viabilidade de recuperação possam ser expurgadas do tráfego comercial e assim declarada a sua “morte”. Neste artigo apresentaremos algumas notas breves sobre os contornos desde regime que tem tido pratica tímida na jurisdição angolana.
Na altura, o relatório de Fundamentação da Proposta de Lei sobre REJUREI realçava o facto de Angola ser dos poucos países que não possuía um regime legal autónomo sobre o processo de Insolvência, através do qual se declarasse por sentença judicial o estado de situação económica difícil ou falta de liquidez de uma empresa. Foi, no entanto, na altura, um regime introduzido com bastante influência das recomendações do Doing Business devido a contínua necessidade que o país tinha e tem de se melhorar o ambiente de negócio.
Entretanto, não é recente o debate sobre a chamada “crise empresarial” que afecta as empresas, sejam de que estrutura for. Em regra, as Empresas são constituídas (nascem) para permanecerem no tempo (desenvolverem) com a finalidade de gerar lucro para quem a constituiu através do exercício das actividade do seu objecto social, mas se admite desde então, a possibilidade da existência de causas que a conduzem a morte (insolvência).
O Processo de insolvência considerado por nós de forma metafórica, “processo de declaração da morte das empresas”, tem como finalidade a satisfação dos interesses dos credores que se encontram perante a impossibilidade do devedor empresarial (ou singular) de cumprir com as suas obrigações vencidas, por falta de meios.
Essa impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas legitima que o próprio devedor, o seu cônjuge, ou equiparado sobrevivo (aqui se incluem os unidos de facto reconhecidos) os seus herdeiros ou cabeça-de-casal, o sócio ou acionista do devedor, o Ministério Público cuja tutela seja da sua competência, qualquer pessoa que for legalmente responsável pelas dívidas do devedor e o credor, possam requerer ao Tribunal a declaração de morte da Empresa e ver os seus interesses satisfeitos.
O artigo 126.º do REJUREI apresenta as causas da declaração de Insolvência da empresa e aqui destacamos algumas; a) faltar ao cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o mesmo satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; b) suspender de forma generalizada o pagamento das suas obrigações vencidas; c) Estar, nos últimos seis meses, em situação de incumprimento generalizado de obrigações tributárias, contribuições e quotizações para segurança social, de créditos emergentes de contratos e de rendas de qualquer tipo de locação; ou até mesmo d) Dissipar, Abandonar, Constituir créditos fictícios, liquidar precipitadamente os seus activos ou lançar mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos.
Perante a invocação dessas causas, é competente para decretar a insolvência a Sala do Comércio e Propriedade Industrial e Intelectual do Tribunal de Comarca da sede do domicílio do devedor. É ainda competente a Sala do Cível e Administrativo do Tribunal do domicílio do devedor, nas Comarcas onde não existam salas do Comércio e da Propriedade Industrial e Intelectual.
Neste processo de declaração da morte da empresa, importa analisar o tipo de morte a que a empresa deparou-se. Abre-se em sede do processo, um incidente de qualificação de insolvência previsto no artigo 104.º do REJUREI.
Estaremos diante de uma morte natural? A considerada insolvência fortuita, que ocorre casualmente, por circunstâncias mais ou menos imprevisíveis fora do controle do devedor? Ou então, estaremos perante uma morte suicida? A chamada insolvência culposa? Quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência de uma acção dolosa, ou com culpa grave, do devedor ou dos seus administradores de direito ou de facto, nos dois anos anteriores ao início do processo de Insolvência!
Esse incidente de qualificação vai nos permitir saber como podemos qualificar a morte da empresa e posteriormente identificar se existem autores a serem responsabilizados.
Presume-se iludivelmente culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores sejam eles de direito ou de facto tenham destruído, danificado, inutilizado, ocultado ou feito desaparecer no todo ou em parte considerável o patrimônio do devedor, tenha criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou até mesmo reduzidos lucros, e entre outras situações previstas no artigo 105.º do REJUREI, entre elas, não escapa da nossa análise a alínea i) do supracitado artigo que prescreve como culposa a insolvência do devedor quando os seus administradores de tenham “Incumprido o dever de requerer a Declaração de Insolvência”, e aqui, interrogações levantam-se.
Quando exactamente devem os administradores ou gestores requerer a declaração de insolvência?
Desde já, apreciação que retiramos é de que o legislador do REJUREI não definiu um “prazo-cronômetro” para que uma vez verificada a insuficiência da empresa em dar cumprimento as suas obrigações vencidas o administrador ou gestor possa apresentar de imediato a empresa a Insolvência.
O CIRE, Código de Insolvência e Recuperação Extrajudicial Português, que nos parece ser a fonte de inspiração do REJUREI, por exemplo, no que o dever de apresentação à insolvência diz respeito, o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro de 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência ou da data em que devesse conhecê-la. Porque não foi essa também a opção do REJUREI?
Como supramencionamos, a qualificação da insolvência como culposa vai permitir responsabilizar os seus autores. Assim, na sentença que declare a insolvência como culposa, deve o juiz dentre outros aspectos:
- Identificar todas as pessoas, nomeadamente, administradores de direito ou de facto, ou contabilistas e auditores, afetadas, pela qualificação, fixando, se for o caso, o respectivo grau de culpa;
- Declarar essas pessoas inibidas para o exercício profissional do comércio de forma directa ou indirecta, em nome próprio ou alheio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil durante um período de dois a cinco anos;
- Decretar a inibição das pessoas afectadas, para administrarem patrimónios de terceiros, por um período de dois a cinco anos;
- E por fim e mais grave ainda, condenar as pessoas afectas a indemnizarem os credores da insolvência no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respectivos patrimónios sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afectados.
Finalmente, cabe ainda, embora retardemos para uma abordagem mais exaustiva, referenciar as responsabilizações penais a que derivam do próprio Regime. O Novo Código Penal Angolano ressuscitou de forma inconcebível o instituto da falência prevendo nos artigos 431.º e 432.º o crime de “Falência Dolosa e Negligente” (interpreta-se de forma actual, insolvência dolosa ou negliênte) culminando no primeiro caso com a pena de prisão de 1 a 3 anos ou multa de 120 a 360 dias e no segundo com a pena de prisão de 2 anos ou multa de até 240 dias. Nem mesmo as recentes alterações ao Código Penal Angolano lembrou-se de conformar o texto penal a nova configuração do regime de morte das empresas (insolvência) no Direito angolano pelo que esperemos que não seja um regime também, por si, morto.