Após terem feito um inventário florestal através de drones a um eucaliptal da Navigator Company, em Valongo, Óscar Moutinho e Ricardo Mendes, fundadores da Eye2Map, pensaram, tal como noutras ocasiões, que o seu serviço estava cumprido.
Porém, quando o estudo chegou às mãos dos especialistas do Raiz – Instituto de Investigação da Floresta e do Papel, um centro de pesquisa financiado pela Navigator Company, e cuja acção pretende optimizar as vantagens da fileira silvo-industrial, os dados da Eye2Map ganharam outra dimensão.
Os investigadores do Raiz, que tinham o mapeamento do eucaliptal pelo método tradicional no terreno, ao olharem para a foto aérea digital ficaram surpreendidos pois, afinal, a área de influência de cada eucalipto podia ser adensada.
Visto do céu e ao olhar para as copas, percebia-se que havia espaço para mais eucaliptos globulus, a principal fonte de matéria-prima da empresa produtora de pasta de papel, e isto sem que se tivesse de aumentar a área de exploração. Esta observação não tinha sido possível de avaliar no terreno.
O “segredo” está nas câmaras multiespectrais, cujos sensores captam imagens em diferentes frequências de onda.
Mas a Eye2Map não se limita a fazer fotos do terreno a partir do ar para contar árvores ou construir mapas digitais (aqui, os mapas em papel não entram).
Quando os drones se erguem nos céus podem carregar equipamento que lhes permite ver para além do olhar e alargar o leque de potencialidades da engenharia geográfica. O “segredo” está nas câmaras multiespectrais, cujos sensores captam imagens em diferentes frequências de onda.
As fotos registadas não se cingem ao espectro de luz visível (que o olho humano capta), processando outras imagens segundo o tipo de onda (curta, média e longa) e a restante banda electromagnética, como campos infravermelhos.
Através desta visão aérea de “super-homem”, a Eye2Map ajuda a identificar doenças e pragas em plantações e campos de cultivo e mapeia o estado vegetativo das vinhas, fornecendo elementos de apoio aos viticultores para uma mais eficaz análise do grau de maturação das uvas e posterior decisão acerca de uma colheita selectiva dos bagos.
Tudo através da análise multiespectral. “As plantas reflectem a maior parte da radiação do sol no comprimento de onda infravermelha. Consoante a radiação for maior ou menor, apuramos o estado de saúde da planta. Quanto maior a radiação, mais saudável a folha está”, explica Ricardo.
Contudo, em breve esta análise pode ir ainda mais longe. Com um acordo com a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, a Eye2Map prepara-se para testar o uso de uma câmara hiperespectral que capta ainda mais bandas do espectro de luz e que, entre outras coisas, poderá determinar, por exemplo, se uma planta tem necessidades nutriconais, como falta de azoto, por exemplo.
Nas alturas
Sediada em Leça da Palmeira, a Eye2Map começou a germinar em 2014, quando Óscar e Ricardo ainda eram estudantes de engenharia geográfica da Universidade do Porto. O objectivo era usar os drones como um meio mais expedito e económico de fazer fotografia aérea, alternativa aos aviões tradicionais.
A ideia é distinguida com um prémio regional no “European Satellite Navigation Competition” (ESNC), concurso que impulsiona propostas de negócio ligadas a dados espaciais.
A empresa acaba por nascer em 2016, empurrada por um programa de incubação da ESA (Agência Espacial Europeia), entidade da qual obteve 50 mil euros.
Além de desenvolver vários trabalhos para o sector agrícola, esta start-up nacional trabalha com empresas de engenharia civil, ateliers de arquitectura e municípios, estes últimos por intermédio de uma parceria com os especialistas em Sistemas de Informação Geográfica (SIG) da Infoportugal, cujas fotos aéreas e georreferenciação por avião são complementadas e validadas pelo trabalho mais pormenorizado dos drones.
Mas, em termos de carteira de encomendas, os clientes mais relevantes são de geologia.
Se em terra a Eye2Map está a dar cartas, o próximo desafio é conquistar os mares.
Neste domínio, tanto pedreiras como empresas de prospecção de minério têm estado na linha da frente dos mapeamentos por drone, solicitando modelos digitais de terreno e escavações, com representação das curvas de nível – após a tragédia de Borba, em Novembro último, mais pedreiras têm demonstrado interesse em ter cartas digitais das suas explorações para avaliar a estabilidade dos terrenos, dado que a foto aérea de elevada resolução em 3D possibilita ver curvas de nível, detectar fissuras e infiltrações de água.
Com o modelo construído, os geólogos identificam as zonas mais críticas. Com o mapeamento aéreo por drone faz-se a extrapolação de volumes, tendo sido um dos levantamentos mais interessantes nesse âmbito com uma medição do volume de uma escombreira de 40 hectares na Panasqueira.
Tratou-se de um projecto feito com um centro universitário que visava desmontar essa montanha de escombros e voltar a processar a matéria ali depositada para se aproveitar minério que, na década de 1950, tinha ficado inutilizado, mas que a tecnologia actual já consegue dar rentabilidade.
No âmbito da geologia, a Eye2Map conta iniciar este ano um projecto para examinar uma escombreira de carvão que está em combustão interna, em São Pedro da Cova, Gondomar, recorrendo a uma máquina fotográfica térmica, equipamento que custa 5 mil euros e que pode ainda ser usado na monitorização de parques solares para se perceber se e quais as células fotovoltaicas operacionais e danificadas. Se em terra a Eye2Map está a dar cartas, o próximo desafio é conquistar os mares.
Nos próximos três anos, a empresa irá mapear macroalgas na zona costeira norte, com vista a uma valorização económica das algas para a indústria farmacêutica e outras.
Nos voos na zona de Vila Chã, Vila do Conde, os drones irão adquirir imagens por infravermelhos, na maré baixa, detectando concentrações de algas. O projecto-piloto, com o CIIMAR – Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Porto), está pensado para ser alargado a Viana do Castelo.
Controlo total
A aquisição das imagens pelos drones da Eye2Map é realizada ao longo de fiadas de linhas, em movimentos vaivém (os voos mais baixos são a 70 metros de altitude).
Os mapas digitais são feitos a partir de centenas de fotos sobrepostas que se juntam como um puzzle, extraindo-se pela técnica da fotogrametria todo o tipo de métricas: para um modelo digital de um terreno de 30 a 50 hectares, são necessárias 100 a 200 fotos.
O detalhe dos mapas apresentados é grande, com um pixel a representar 10 centímetros no terreno. Quanto maior a resolução pretendida, maior o número de os voos realizados e mais baixos.
Sobre futuros investidores, os sócios da Eye2Map mostram reservas. Não querem perder o controlo da empresa.
As coordenadas GPS dos mapas têm margens de erro mínimas, na ordem dos 5 centímetros. Apesar destas aeronaves pilotadas remotamente da Eye2Map tirarem apenas fotos (ficando o tratamento fotogramétrico por software para o escritório), há drones que têm esse processamento informático incorporado.
Ricardo e Óscar optam, contudo, por separar as tarefas para um melhor controlo do processo e qualidade final. A Eye2Map opta também por construir os seus próprios modelos de drone, não apenas por uma razão económica (um drone de asa fixa comercial para topografia custa de 20 mil a 30 mil euros e esta start-up consegue criar os seus por 2 mil euros), mas também por uma maior flexibilidade de uso: “Os drones comerciais só estão virados para um serviço, enquanto nós conseguimos que um mesmo drone receba vários tipos de câmaras, adaptando-se a diferentes finalidades,”, afirma Óscar.
Sobre futuros investidores, os sócios da Eye2Map mostram reservas. Não querem perder o controlo da empresa. De imediato, os investimentos a realizar, incluindo a compra de mais equipamento, serão feitos mediante a capacidade da empresa.
É que embora trabalhe a olhar para o céu, a Eye2Map quer continuar a voar com os pés assentes na terra.