Antecipar as necessidades dos clientes a cinco ou dez anos passou a ser uma preocupação constante. E ter 70% das vendas na Europa, que deverá crescer menos do que o resto do globo, traz riscos associados. Logo, crescer no mercado norte-americano é hoje uma prioridade para a Olbo & Mehler. “Mas queremos fazê-lo com os pés bem assentes no chão”, adianta Alberto Tavares, presidente da empresa.
A Olbo & Mehler está sediada em Vila Nova de Famalicão e é uma das maiores empresas de produção de têxteis técnicos para fins industriais. Detida a 100% pelo grupo alemão Kap, alterou o seu modelo organizacional para assegurar o futuro.
Segundo Alberto, o primeiro passo foi a abertura de um ponto de venda em Charlotte, na Carolina do Norte, porque a distância traz alguma complexidade logística. Nesse armazém, que abriram no primeiro mês deste ano, trabalham apenas três pessoas e duplicar as vendas até 2020 nos EUA é o grande objectivo.
Se em 2020 estiver a realizar vendas de 15 milhões de euros no mercado norte-americano, a Olbo & Mehler poderá “começar a olhar para a possibilidade de ter produção local”.
Nas contas da empresa, a América do Norte representa 15% das vendas totais (Canadá, EUA e México), rondando os 8 milhões de euros. Os clientes são sobretudo a indústria mineira, de dirigíveis (zepplins) e o sector agrícola.
Mas, no final deste ano, a empresa entrará também na indústria automóvel – além de ter identificado um conjunto de outras oportunidades na indústria aeroespacial, aeronáutica, alimentar e dos automóveis desportivos. “Estamos envolvidos em vários projectos. Por exemplo, estamos a estudar com um cliente a aplicação de basalto em carros de competição para funcionar como escudo térmico entre o asfalto e o piloto”, sustenta Alberto.
Se em 2020 estiver a realizar vendas de 15 milhões de euros no mercado norte-americano, a Olbo & Mehler poderá “começar a olhar para a possibilidade de ter produção local”.
Contudo, acrescenta o presidente executivo da empresa, “neste momento ainda é cedo. Falta uma carteira de clientes sólida nos EUA. Não queremos reduzir o peso da Europa. O que queremos é que o peso relativo dos EUA no nosso portfólio de clientes seja mais relevante”.
Valor da inovação
A Olbo & Mehler emprega 288 pessoas em Famalicão. Em 2016, a unidade portuguesa apurou um volume de negócios de 50 milhões de euros, que compara com os 37 milhões de euros do exercício de 2015.
Actualmente, tem em curso um investimento que ronda os 4 milhões de euros que Alberto justifica com “a necessidade de criar condições para a empresa viver mais 30 anos”.
De momento está a ser instalada uma nova unidade de tratamento químico dos tecidos, “porque estamos a ir para segmentos mais exigentes”, diz Alberto. Neste plano está igualmente contemplado um novo armazém logístico e, em Setembro, chegará uma máquina que permitirá à unidade portuguesa produzir um tecido especial para a indústria automóvel que era subcontratado na Europa Central. “Com isto, passaremos a controlar todo o processo de fabrico deste produto específico, o que nos abrirá portas no mercado norte-americano”, sublinha Alberto.
O produto mais complexo que a Olbo & Mehler tem hoje em Famalicão destina-se à indústria farmacêutica, podendo a sua produção demorar dois a três meses.
Trata-se de um tecido que é utilizado no processo produtivo das tampas de silicone dos frascos de insulina – que não pode ser contaminado e que tem que ser aprovado pelo regulador norte-americano Food and Drug Administration (FDA).
O tecido com basalto é outro produto de valor acrescentado produzido na unidade fabril de Famalicão. O fio é extraído a partir da rocha vulcânica, funcionando depois o tecido como um excelente escudo térmico. Resiste até 700 graus centígrados sem danificar a estrutura de tecido e é utilizado no fabrico de telas para a indústria mineira. “Somos a única empresa no mundo a fabricá-lo porque está patenteado”, regozija-se Alberto.
O produto mais complexo que a Olbo & Mehler tem hoje em Famalicão destina-se à indústria farmacêutica, podendo a sua produção demorar dois a três meses.
Outro artigo que se destaca num portfólio com centenas de produtos é o tecido em aramida, com grande resistência ao impacto, e que se destina ao fabrico de coletes à prova de bala para a polícia alemã.
A produtividade é um elemento crucial na gestão diária da fábrica. Gerir bem o tempo e os recursos humanos revela-se essencial para garantir uma “linha de montagem” bem oleada e sem fugas, dado que a produção dos artigos demora algum tempo – as telas de transporte para a indústria mineira, que são o produto com menor tempo de produção, levam cerca de quatro a serem finalizadas.
Durante algum tempo, até 2014, o processo produtivo apresentava vários problemas, com destaque para os altos níveis de desperdício, a reduzida optimização das equipas de trabalho, a ausência de uniformização de tarefas e os elevados tempos de entrega.
Face a este quadro, que se agravava a cada ano, a administração decidiu mergulhar a fundo numa reestruturação profunda da empresa.
Em nome do crescimento sustentado, em meados de 2015, a Olbo & Mehler fez uma revisão do seu modelo organizacional com base na filosofia Kaizen (nascida no Japão a partir da década de 1950, tendo sido implementada pelas empresas japonesas para recuperarem do pós-guerra).
E saiu-se tão bem que o Instituto Kaizen galardoou-a com o prémio Kaizen Lean Award 2017 na categoria “Overall Efficiency Increase”.
Revolução produtiva
No dia-a-dia da unidade fabril da Olbo & Mehler, a filosofia Kaizen – do japonês, melhoria ou mudança para melhor -, obrigou ao mapeamento de todas as actividades para depois se implementar alterações com vista à optimização dos espaços de trabalho.
Ao fim de 18 meses, a empresa registou um aumento da produtividade em 14%, reduziu em 16% o desperdício e diminuiu em 49% o inventário da matéria-prima – de 6 milhões de euros para 3 milhões de euros. Em termos financeiros, Alberto revela que estes números permitiram à empresa, entre outras coisas, reduzir os custos num valor equivalente à massa salarial de um mês e meio, tornando assim a companhia comercialmente mais agressiva do ponto de vista da procura de novas oportunidades de negócio.
Pequenas mudanças como simplificar a abertura da tampa de uma máquina na unidade de tratamento químico do tecido ou, na secção dos torcedores de fio, a colocação de uma equipa responsável por um conjunto de máquinas (e não apenas uma pessoa, como acontecia antes) permitiu fazer intervenções em simultâneo, que se traduziu em ganhos de eficiência e reduções de tempo.
Alberto Tavares coloca a ambição de elevar os níveis de produtividade para 20% no curto prazo.
Alberto destaca também algumas alterações no espaço de armazenagem, que fez com que o stock intermédio de fio já torcido antes de entrar na tecelagem passasse a ter uma organização do material e, com isso, os funcionários deixassem de perder tempo. “Hoje em dia, temos o mapeamento do espaço. A melhoria contínua é o somatório de pequenas coisas que depois, no global, têm um impacto muito grande”, diz.
Os efeitos causados na laboração diária da unidade fabril foram notórios e quase imediatos. E não apenas da perspectiva de controlo de custos. “Quando terminámos o projecto Kaizen, em Janeiro último, as nossas vendas cresceram 6% no primeiro trimestre do ano face a igual período de 2016, o que significa que não teria aumentado as vendas se não tivesse tido aquele ganho de produtividade”.
E o melhor não é isso. É que todas estas medidas, já amplamente implantadas nos vários departamentos, deverão produzir efeitos crescentes à medida que o tempo passa. É por isso que Alberto coloca a ambição de elevar os níveis de produtividade para 20% no curto prazo.