“Senhores passageiros, estamos prestes a aterrar no Aeroporto Internacional Cristiano Ronaldo”, ouvimos pelos altifalantes do Airbus da TAP, uma das 46 companhias que ali chegam, provenientes de 73 aeroportos de 17 países. Ainda o avião voa alto e já começamos a sentir sinais de uma Madeira diferente daquela que conhecêramos há 25 anos.
Apesar de “desterrada” às portas de África, a Madeira está a fazer pela vida. Entre as vitórias está a consolidação da zona franca, ou Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM). O Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR) já superou 500 embarcações, de que metade são porta-contentores. Também ali há ferries, navios de passageiros e petroleiros. O que não há é autorização legal para segurança privada em zonas de pirataria, crítica lançada à República. A indústria está na génese da zona franca, mas vale uns 2% dos registos de empresas, contra dois terços dos serviços internacionais – empresas de gestão de activos, telecomunicações, construção, cultura, sector alimentar, desporto e biotecnologia, entre outros.
A luta do arquipélago pela autonomia fortaleceu-se também na energia. Dos 30% de renováveis na electricidade produzida passar-se-á para 50% já em 2020, com o grande contributo dado pelo projecto hídrico de 70 milhões de euros em Paúl da Serra. As renováveis são asseguradas por hídricas, fotovoltaicas e eólicas, e até já se ensaiaram eólicas offshore na costa norte e em Porto da Cruz. No Porto Santo, pioneiro na região no que toca à dessalinização da água (também efectuada na Graciosa, nos Açores), serão eliminados os combustíveis fósseis, segundo o projecto “Smart Fossil Free Island”. Cada casa fará microgeração e se houver produção que exceda a capacidade de armazenamento do futuro parque de baterias, um cabo submarino (em estudo) levará a energia à Madeira. Num espaço de cinco a dez anos todos os veículos terão motor eléctrico. Em breve sairá o leilão internacional para substituir a frota de 3 mil veículos. Se faltar electricidade no Porto Santo, o cabo submarino irá “pescá-la” à Madeira.
A ilha de CR7
À porta das ‘Chegadas’ do aeroporto surge o controverso busto desvendado aquando da renomeação da infra-estrutura. Eduardo Jesus, secretário-regional da Economia, Turismo e Cultura, diz à FORBES que o aeroporto era o único elemento com a escala global de Cristiano, que com o Governo liderado por Miguel Albuquerque tem um “acordo de cavalheiros” para promoção da região nas redes sociais. E o turismo valerá em breve 30% das receitas da região.
A caminho do Funchal seguimos numa das várias vias rápidas, isentas de portagens, e que em conjunto com os vários túneis deste “queijo suíço” atlântico ajudam a circundar a ilha em apenas algumas horas. Um salto quântico de décadas de investimento em betão e que não exclui o elefante branco da Marina do Lugar de Baixo: 50 milhões de euros deitados ao mar revolto que impede a sua utilização. “Um erro de casting”, chama-lhe Eduardo. “Fiz 4839 inaugurações, houve um azar”, defendia-se Alberto João Jardim em 2014.
O Reino Unido só encontra rival na Alemanha na emissão de turistas, com “disputas” de quota à décima, em torno dos 20% de dormidas, cada.
Na cidade do Funchal ultimam-se os tapetes de flores naturais que ao longo de três semanas serão mantidos e renovados para conservar a cor e frescura da Festa da Flor. Evento com 30 anos, é um dos “conteúdos” que formam a agenda cultural e festiva da Madeira. Eduardo, que nos acompanhou num dos cinco dias de visita à ilha, em certa medida um “super-ministro” regional, salienta a taxa de ocupação média hoteleira de 71% no arquipélago, com alturas a raiar 100%, sobretudo no Réveillon, cuja festa durará de 8 de Dezembro a 6 de Janeiro.
É a Associação de Promoção da Madeira que concentra a participação pública da Região no turismo. O esforço público representa 67% do investimento e o resto vem do Turismo de Portugal e privados (quotas da associação e participações nos programas específicos). Destes veio a ideia de levar os turistas ao corso do Carnaval: quando chegam ao seu hotel têm um fato à medida e desfilam no “sambódromo” do Funchal.
Os perigos do Brexit
O Governo Regional está a procurar recuperar a visibilidade da Madeira nos EUA – quando existia o Festival Bach vinham dali centenas de melómanos –, bem como na China – a viagem da FORBES pela ilha foi acompanhada por uma dupla de jornalistas da Xinhua, a agência noticiosa nacional. Basta a conquista de uma pequena parcela dessas populações para criar volume que amorteça a perda de britânicos decorrente do Brexit, nota o secretário-regional.
O Reino Unido só encontra rival na Alemanha na emissão de turistas, e no horizonte teme-se a desvalorização da libra. Importa recordar que foram os britânicos que começaram a dotar a ilha de hotelaria conceituada há mais de um século. A região não tenciona baixar os braços relativamente a um mercado historicamente forte, mas há plano B, tal como a ligação aos EUA com a TAP e ao Canadá com a SATA.
Em paralelo, corre o Plano de Ordenamento Turístico (POT), documento orientador para o próximo decénio. Hoje, no lugar de mais betão, o Executivo incentiva a renovação, negando provimento a complexos com mais de 160 quartos. Na malha rural, a fasquia baixa para 120. Pode ser politicamente incómodo, mas é o mais adequado para a região, defende Eduardo. Já no alojamento local, o POT perspectiva uma revisão em caso de taxas de crescimento acima de 3% durante três anos consecutivos.
É preciso saber gerir a pressão sobre um território que é muito pequeno, avisa o governante, que tem vivido dias de confronto com o presidente da Câmara do Funchal a propósito do mastodonte Hotel Savoy, gerador de muita controvérsia política e entre especialistas.
Os empresários podem, portanto, esperar incentivos apenas para requalificação de hotéis, restaurantes e serviços complementares de turismo. Para atender à renovação surgiu o projecto “Turismo na Escola”, que alerta os alunos para a importância do turismo e tenta prevenir protestos como os que se verificam em Barcelona, face à horda de turistas que teima em aumentar.
No POT nota-se já a integração da Cultura como ponto a ter em atenção. Este é também o pelouro mais recente de Eduardo. “Não se trata de transformar a Madeira num destino prioritariamente de turismo cultural, mas sim de o transformar num destino com (mais) cultura”, lê-se no documento.
A título de exemplo, no Festival do Vinho do ano passado já se deu a “beber” aos turistas a informação sobre a selagem do Tratado de Independência dos EUA com uma garrafa de Vinho da Madeira, há 241 anos.
Cuba só a do Alentejo
Na Constituição da República, o artigo 81o impõe ao Estado a incumbência de “promover a correcção das desigualdades derivadas da insularidade nas regiões autónomas”. É o princípio da “continuidade territorial”, termo explicitado no Estatuto Político-Administrativo da região e que aponta a “necessidade de corrigir as desigualdades estruturais, originadas pelo afastamento e pela insularidade”.
Essa continuidade territorial não está, aponta o governante, a ser assegurada. Entre 2008 e 2012 houve uma operação por ferry de Portimão ao Funchal, mas era deficitária. O armador, Naviera Armas, perdia três milhões de euros por ano, o que levou ao fim da ligação. Já com este Governo Regional, outros seis armadores foram consultados e apontaram mesma falta de autonomia financeira. Sem respostas de Lisboa, o Executivo regional teve de esperar pela autorização da Comissão Europeia em Junho para avançar ele próprio com a indemnização compensatória. Até a linha aérea entre Funchal e Porto Santo, que levou ao pagamento de 5,3 milhões de euros do Estado à Aero Vip nos últimos três anos, foi afectada pelos atrasos que Eduardo imputa a Lisboa.
O turismo do continente ajudará a reduzir gradualmente estes prejuízos operacionais, considera Eduardo. Até porque a promoção da Madeira no território continental foi reforçada, já distante das outrora vulgares tiradas de “cubanos” lançadas pelos locais aos continentais. Ressentimento com historial, como quando Franco tornou as Canárias um porto livre aberto ao mundo e Oliveira Salazar colocou os madeirenses a pagar investimentos da República “como castigo por alguma revolta que se fazia”, explica o secretário-regional, frisando:
“O país resulta maior por ter as regiões e as regiões resultam melhor com o país”.
Em contraciclo
Em 2015, quando todos os mercados emissores de turistas estavam em alta, o português recuava 1%. O Executivo promoveu então actividades como as descidas do Chiado num carro de cesto. Na última Bolsa de Turismo de Lisboa (BTL), em Março, a Madeira foi a região convidada, depois de ter o melhor stand da edição de 2016, e “acostou” no continente numa parede com 3 000 plantas naturais mantidas diariamente. Podia-se ainda “descer” do Monte ao Funchal num carro de cesto e dar um mergulho no mar da Madeira em realidade virtual.
Hoje, o continente é o terceiro emissor de turistas para a região autónoma, que, com os Açores, valem 80% da Zona Económica Exclusiva portuguesa.
Para esbater a sazonalidade, a Madeira está também a apostar nos mercados nórdicos, de onde Tailândia e Turquia desviaram visitantes. Mas estes já estão a regressar, atraídos pelo clima ameno e pela natureza, “ouro verde” que também puxa pelos franceses, habituées na exploração pedestre dos trilhos e levadas. No Porto Santo, são os dinamarqueses que ajudam a vencer a sazonalidade, com voos semanais directos de Billund e Copenhaga. Rotas que já captam os suecos. São mais 9 mil turistas na época baixa, a adicionar aos italianos que usam outra operação aérea, num micro-território com 5 mil habitantes.
Fácil atrair cérebros
Se nas ligações físicas há condicionalismos nas ligações aéreas e marítimas, no mundo virtual há tráfego em alta velocidade. Disso é exemplo o Brava Valley, centro de inovação fomentado pela empresa ACIN. Em 2008, com nove anos como empresa de venda de material informático, virou-se para o software, em que se destacam hoje a ferramenta de gestão de parques de estacionamento usada no continente e em Espanha, e a de prescrições médicas para consultórios e hospitais. A barreira da insularidade foi quebrada com a cloud (nuvem). A empresa gere tudo a partir do edifício de 5 mil m2 na Ribeira Brava e mantém a informação no seu data center. A facturação anual disparou para sete milhões de euros. Luís de Sousa, fundador e administrador da empresa, assegura que “é fácil atrair cérebros” para a Madeira. Os seus 60 engenheiros provêm na maioria do arquipélago, mas também do continente, de Marrocos e África do Sul. Clima e comida de excelência, hospitalidade, qualidade das infra-estruturas rodoviárias, excelentes comunicações e custo de vida contido são valores da Madeira.
No Brava Valley, alinhada com a intenção do Governo Regional de atrair projectos e empresas de base tecnológica, está também a Startup Madeira. A incubadora, com espaço também no Campus Universitário da Penteada – “a universidade está a colocar no mercado muita gente com formação e apetência na área da engenharia informática”, destaca Eduardo –, tem escritórios físicos e virtuais e dá orientação em propriedade industrial, desenvolvimento da ideia de negócio e apoio ao financiamento, explica Patrícia Caires, presidente executiva (CEO) da instituição até há um ano designada Centro de Empresas e Inovação da Madeira. Outro centro, o Internacional de Negócios da Madeira (CINM), também conhecido por zona franca, é, precisamente, um dos pontos apontados por Patrícia como atractivos para o investimento.
A região tem potencial para se tornar um grande cluster tecnológico, designadamente em data center, defende o administrador da ACIN, empresa criadora das raízes para o protótipo de Silicon Valley insular, a uns 20 km do Funchal. Numa missão organizada pelo Governo Regional, a empresa fechou um contrato de 25 milhões de dólares na África do Sul, realça Eduardo. Destaca ainda o jogo da Playstation com 18 milhões de utilizadores e a câmara para exames médicos made in Madeira.
Da costa às Selvagens
Mas falar de investimento na Madeira e não referir o mar é impossível. As temperaturas amenas do Atlântico na Madeira ao longo do ano permitem a consolidação de uma das actividades em evolução, a aquacultura. A dourada consumida no continente já é na maioria produzida na Madeira, diz-nos Eduardo Jesus, e em breve, com os novos investimentos da Jerónimo Martins e de uma empresa internacional, a exportação será impulsionada. Na Calheta, o centro de investigação que opera desde a década de 1980 está já a trabalhar em mais duas espécies piscícolas. O objectivo é passar das actuais 2000 para 5000 toneladas de peixe em 2020.
Distantes, “perdidas” no Atlântico,a umas léguas das Canárias e longe da Madeira, encontramos ainda as Selvagens que apenas em 1971 se tornaram espaço público português. Território cuja população se conta pelos dedos de uma mão, ganhou mais visibilidade aquando da pernoita do ex-Presidente da República Cavaco Silva, que, tal como também já fez o actual, Marcelo Rebelo de Sousa, foi ali exercer a soberania da República. Uma aposta da actual governação regional, diz Eduardo, e que passa pelo fomento do turismo de exploração científica, aproveitando o trabalho, reconhecido internacionalmente, iniciado pelo já falecido ornitólogo Alexander Zino, ainda o território era privado. É o meio para legitimar o turismo científico, diz Eduardo, o qual assentará sobre a fauna e flora autóctone, mas também espécies migratórias, e que vale, internacionalmente, como actividade económica. Em breve haverá um heliporto para juntar ao abrigo existente, aos meios da Marinha Portuguesa e às cagarras.
No Brava Valley gerem-se parques de estacionamento em Espanha e já se criou um jogo da Playstation com milhões de utilizadores.