A vida profissional de Francisco Lacerda – o cliente número um do Banco CTT, logo seguido do presidente executivo do banco, Luís Pereira Coutinho, um amigo de outras guerras – tem sido a aproveitar e saber viver com o sentido do vento, o que faz jus a uma das suas actividades lúdicas, a vela. Quando entrou nos Correios, depois de uma saída da Cimpor na sequência de mudanças accionistas, o desafio dos CTT era pouco óbvio e, na verdade, não teria à data assim tantos concorrentes ao seu nível.
Numa empresa pública que tem nas cartas – ainda – o seu principal negócio, os CTT não eram o desafio mais interessante.
Lacerda e Sérgio Monteiro, o secretário de Estado que apostou no gestor e na privatização dos CTT, mudaram a história. Lacerda reconhece, em privado e em público, o papel do governante, que suportou todas as mudanças, desde logo o da privatização da empresa. Foi, aliás, para fazer esse processo que convidou o gestor. E não só. Também no próprio modelo, de dispersão de capital, uma opção que não era sequer a primeira, mas que era a defendida por Lacerda. Ficou uma operação de dispersão de capital em bolsa que mereceu elogios internacionais. Hoje, não faltarão candidatos a suceder a Lacerda nos CTT, uma empresa que passou de pública a privada, controlada por um ministro a detida por muitos investidores institucionais internacionais, focados nos resultados e não nos interesses partidários. A criação do Banco CTT foi “apenas” mais um passo.
União de vontades
Quando Nasser se tornou no primeiro cliente a abrir conta no balcão dos Restauradores do Banco CTT estava longe de imaginar que o impulso encerrava um ciclo de mais de 15 anos, com avanços, recuos e processos em tribunal à mistura. Pela primeira vez em oito anos, Portugal recebeu um banco novo. Os primeiros 52 balcões do Banco CTT, abriram em simultâneo, a 18 de Março, depois de vários meses em soft opening – a 27 de Novembro abriu um balcão na sede dos CTT só para trabalhadores, e foram precisos mais quatro meses para que tudo estivesse em condições para alargar o banco ao público – uma ínfima parte do tempo que os Correios esperaram para ter um banco. E tudo isso sucede numa altura em que o sector bancário é olhado com cada vez mais desconfiança. Quanto a isso, Lacerda responde que “o Banco CTT é um projecto de longo prazo”, sem deixar de salientar que “a desconfiança que existe hoje em relação à banca prejudica todo o sector”. Além disso, o presidente do conselho de administração da nova instituição financeira acrescenta que os níveis de rentabilidade do sector já foram mais elevados.
“Claro que haveria alturas mais fáceis do que esta que estamos a viver, mas a marca CTT é um activo importantíssimo. As mais de 600 lojas que, progressivamente, vão integrar a rede do Banco CTT dá-nos enorme vantagem competitiva nos custos.”
Foi preciso juntar as pessoas certas nas circunstâncias certas para que o Banco CTT visse finalmente a luz do dia. À vontade do governo de Pedro Passos Coelho em acrescentar valor aos CTT para a privatização, em 2013, junta-se uma administração com forte conhecimento no sector bancário: Francisco Lacerda, na presidência dos Correios, e o administrador financeiro André Gorjão Costa. A liderar o processo de privatização do lado do governo estava Sérgio Monteiro, o secretário de Estado “das privatizações” e com forte conhecimento do sector bancário. Uma fonte próxima do governo da altura, que esteve nas negociações, diz à FORBES que não seria possível o lançamento do banco com outra equipa. “Era do interesse que o tema do banco fizesse parte da privatização. Isso foi mostrado nos roadshows e nos contactos junto de investidores que, além do interesse numa empresa de logística, pudessem olhar com atenção para um negócio mais financeiro.”
Durante anos, com diferentes administrações, tentou-se lançar o projecto de um banco postal. Mas as conversas iam esbarrar sempre no mesmo ponto, garante a fonte: uma licença bancária era muito difícil de conseguir e “uma carga de trabalhos”.
Lacerda recorda que “a privatização dos CTT já tinha implícita uma licença bancária, o que serviu para mostrar aos candidatos à privatização que o Banco de Portugal via com bons olhos que o banco viesse a existir”.
Parcerias falhadas
O projecto que agora começa a ganhar escala é uma intenção antiga. As primeiras ideias em torno do banco postal surgiram no final da década de 1990, mas só em 2001, sob a liderança de Carlos Horta e Costa, foi anunciado o lançamento. O parceiro era a Caixa Geral de Depósitos (CGD), que ficava com 51% da nova entidade. O banco dos Correios chegou mesmo a abrir, com cinco balcões e 28 funcionários. Menos de um ano depois, fechou. A CGD acabou por comprar a participação dos CTT no banco postal e, ao tornar-se o único dono da instituição, integra-a na sua própria operação.
“O projecto não estava bem estruturado, não estavam definidos os segmentos de negócio”
disse na altura Carlos Horta e Costa, presidente dos CTT. No ano que esteve em funcionamento, o Banco Postal teve um prejuízo de 2,6 milhões de euros.
Carlos Horta e Costa insistiu e em 2004 voltou a inscrever a criação de um banco postal no plano de reestruturação da empresa. Na altura, até o Deutsche Bank chegou a olhar para a operação. No ano seguinte, nova tentativa, com novo parceiro: o Banif. Os CTT e o banco assinaram um memorando de entendimento, em que o Banif ficava com pouco mais de 50% do capital.
Até foi definido o capital social do novo banco: 35 milhões de euros – 1 milhão a mais que o capital social do Banco CTT. O projecto, contudo, acabou por ser chumbado pela assembleia-geral de accionistas dos CTT. Logo a seguir, a empresa é posta em tribunal pelo Banif, então liderado por Horácio Roque. Só em 2013 é que o Banif – que um ano antes tinha sido intervencionado pelo Estado – desistiu do processo em que exigia o relançamento da parceria ou o pagamento de uma indemnização de 100 milhões de euros.
Os CTT ainda voltaram a insistir na primeira noiva, depois do divórcio com o Banif. A CGD quis exercer o seu direito de preferência em 2005, mas sem grandes movimentações para um efectivo lançamento da operação. A parceria foi rompida um ano depois. “Constatámos que não havia química”, disse na altura Luís Nazaré, presidente dos Correios. “Talvez sejamos uma noiva muito exigente”.
Na administração dos CTT, contudo, a ideia continuava em cima da mesa. Em 2007, Luís Nazaré, voltou a falar da possibilidade de lançar um banco, mas deixando de fora o parceiro. “O banco é 100% postal”, garantiu aos jornalistas. Chegou mesmo a ser anunciado o lançamento do projecto, que chegaria a 80 ou 100 balcões.
A CGD manteve firme o direito de preferência. O banco público só desistiu do projecto em 2008. O sector bancário estava, na altura, preocupado com a chegada de mais um concorrente ao mercado. O ambiente político também estava avesso à iniciativa e o banco não se fez. Já sem o noivo de conveniência e sob a liderança de Estanislau da Mata Costa, a ideia voltou a ser estudada. O presidente dos Correios chegou mesmo a perder a paciência. “Não se percebe como não se confia nos CTT. Qualquer bicho careta em Portugal pode ter um banco”, atirou, numa apresentação de resultados, apoiando-se na crise no sector bancário como prova de que
“nós tínhamos razão quando defendíamos que devíamos ter um banco”.
Enquanto isso, a Europa dava provas do sucesso do modelo: Itália e Alemanha tinham o seu banco postal há cerca de 10 anos. Foram precisos mais cinco anos, vários bancos intervencionados pelo Estado, uma privatização, os analistas a darem como certa a consolidação no sector bancário e outras vozes a alertarem contra a espanholização da banca portuguesa para que o projecto do banco dos Correios visse a luz do dia.
Crescer sem pressas
A escolha do presidente executivo do Banco CTT foi um dos momentos-chave nesta operação, diz Lacerda. Se fazer um banco “é um desafio e peras”, uma expressão que proferiu num recente jantar-debate da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC), a escolha do presidente executivo não foi menos importante. “Queríamos alguém que tivesse experiência e ao mesmo tempo a vontade de agarrar um projecto de raiz”. A sorte dá muito trabalho, pode ser um dos lemas de Lacerda.
Luís Pereira Coutinho estava na administração do Millennium bcp e saiu no fim do mandato, de resto, no banco por onde também Lacerda fez parte do seu percurso profissional.
O presidente executivo do Banco CTT não está desde o momento zero, mas entrou no momento certo. Pereira Coutinho estima que o break-even do investimento realizado seja alcançado no terceiro ano e os lucros ao quinto ano. Já as receitas devem chegar aos 100 milhões de euros em 2020. Para já, a actividade dá prejuízo, mas a ambição é que o banco possa, rapidamente, começar a pagar dividendos à casa-mãe.
O investimento vai chegar aos 170 milhões de euros até 2020, um valor que situa-se acima da previsão inicial de 100 milhões de euros. No ano passado, os Correios gastaram 27 milhões de euros com o banco, abaixo dos 30 milhões orçamentados.
A redução explica-se com o atraso na efectiva abertura ao público, que atirou para este ano os gastos com a campanha de publicidade.
Os CTT têm 3,5 milhões de clientes e a estratégia passa por fazer cross-selling dos produtos do grupo, mantendo a relação com os clientes que já são, habitualmente, clientes dos CTT nos serviços financeiros. O banco tem uma oferta simples, com contas à ordem e cartões de débito sem custos. O valor mínimo para abrir uma conta fica pelos 100 euros – 25 euros se for uma conta jovem -, sem comissões de manutenção e sem anuidades. Não serão vendidos produtos compostos e o crédito à habitação só vai estar disponível mais para frente, provavelmente até ao final do ano. Oferta para empresas só em 2017 e só para pequenas e médias empresas. “O nosso objectivo é devolver às pessoas um relacionamento com o seu banco assente naquilo que é realmente necessário. O Banco CTT está onde estão as pessoas e tem uma presença digital muito forte, com tecnologias de homebanking e aplicações móveis de última geração”, explica Pereira Coutinho. Estas apostas não eliminam a existência dos serviços financeiros dos CTT, que têm crescido nos últimos anos e já representam 10% das receitas do grupo, que em 2015 foram de 727 milhões de euros.
Os Certificados de Aforro e Títulos do Tesouro continuarão a ser vendidos aos balcões dos Correios e não contribuem para as receitas do Banco CTT – o que pode penalizar as contas, mesmo com os responsáveis a garantir que não há canibalização de serviços. Também a dupla tributação a que o sector bancário está sujeito, para o Fundo de Resolução português e europeu, é motivo de alguma apreensão.
“Esse é um dos temas que nos é muito pesado. Onera muito o sector. Não podemos querer que os bancos evoluam, se capitalizem e criem condições para atrair capital, e ao mesmo tempo carregar os bancos com esse tipo de encargos e impostos”, admite Pereira Coutinho.
Confiança no futuro
Lacerda é um homem reservado e, ao mesmo tempo, mobilizador de equipas e preocupado com a comunicação. Parece contraditório, mas não é no líder dos CTT, diz com quem ele trabalha diariamente. “[O Francisco] tem uma muito boa capacidade de comunicação e de mobilização”, refere um quadro superior dos Correios. Mas não só. “Tem habilidade para gerar consensos e diálogo e é um permanente motivador de mudanças”. Três características que acumula com um foco na estratégia e nos resultados. Na verdade, percebe-se a capacidade de consensos pelo volume de contestação social nos CTT. Não se livrou de greves – cinco desde 2012, ano em que assumiu as funções de presidente – sobretudo por causa da privatização, e por razões ideológicas, como o próprio reconhece. Mesmo assim, conseguiu a assinatura do novo acordo de empresa. Já a criação do Banco CTT, era uma aspiração há muitos anos prometida e, por isso, também a mobilização das equipas foi facilitada.
“O banco é a menina dos nossos olhos”,
revela Vítor Narciso, secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores de Correios e Telecomunicações (SNTCT). “Desde os anos 1980 que ouvíamos falar do banco. Foi criado e acabou por morrer, e a parceria com a Caixa Geral de Depósitos também não correu bem. Este é um projecto que acarinhamos muito.” Vítor Narciso admite que “houve alguma precipitação no anúncio do lançamento em Novembro. Havia atrasos logísticos e de licenças. Depois optaram pelo soft opening e quando finalmente arrancou o banco já arrancou em condições”.
Para os trabalhadores, a mudança foi, sobretudo, na formação: 750 pessoas tiveram mais de 60 mil horas de formação no Instituto de Formação Bancária. Em 2017, o número subirá para 2500 funcionários. Foi preciso mais de um ano de preparação para que as primeiras 52 lojas abrissem em simultâneo. A meta é continuar a abrir 50 por trimestre, totalizando 200 no final deste ano, 400 no final de 2017 e, até 2018, as cerca de 600 lojas dos Correios terem um balcão do Banco CTT.
Seja através de espaços dedicados ou através de balcões específicos dentro das lojas dos Correios, a ambição é que toda a rede de 603 lojas próprias dos CTT ofereça acesso ao banco. Ao fim das primeiras semanas de actividade, o plano de Lacerda e de Pereira Coutinho é para manter. Surpresas? “Não é propriamente uma surpresa, mas uma boa notícia: a adesão de jovens ao Banco CTT em número superior ao que tínhamos previsto”, diz o presidente dos CTT.