Não é por acaso que lhe chamam “desporto Rei”. Em Portugal, a popularidade do futebol assemelha-se à de uma religião dividida entre três principais correntes: os benfiquistas, os sportinguistas e os portistas (embora hajam muitas mais). É cultural, é festa popular nas vitórias e fado nas derrotas, mas é também um negócio e uma das indústrias nacionais com maior taxa de crescimento. De acordo com o estudo “Competição fora das 4 linhas”, realizado pela Universidade Católica em 2011, as receitas da indústria cresceram a um ritmo anual de 7% na primeira década do século, uma taxa que compara com os 0,9% anuais da economia nacional. “Os clubes de futebol profissional em Portugal integram uma indústria de elevado valor acrescentado e com potencial de internacionalização”, lê-se no documento.
Porém, é também uma indústria onde a rivalidade desenfreada se sobrepõe à concorrência e a emoção vence quase sempre a razão. Os recentes contratos de cedência dos direitos de transmissão televisiva dos jogos assinados entre os clubes (alguns deles Sociedades Anónimas Desportivas – SAD) e as operadoras de telecomunicações NOS e e MEO (em nome da PT Portugal SGPS) são o exemplo mais recente.
Bons negócios, para quem?
No final do ano passado, as operadoras de telecomunicações NOS e MEO “atacaram” os direitos de transmissão televisiva dos clubes de futebol. Só aos “três grandes”, as duas operadoras acordaram pagar um total de 1372,5 milhões de euros ao longo de 10 a 12 anos pelos direitos de transmissão televisiva dos jogos em casa no campeonato nacional, publicidade vária e exploração em exclusividade dos canais dos clubes. Embora os responsáveis dos três clubes se tenham apressado a vir a público defender que tinham feito melhor contrato do que os rivais, não é possível compará-los com base na divisão simples do valor global pelos anos de vigência. Entre outros pormenores, desconhece-se o valor inicial dos contratos, a taxa de actualização dos valores pagos anualmente e a repartição dos valores entre as várias receitas sobre as quais incidem os contratos. O único valor anual conhecido dos valores globais anunciados é referente ao acordo da NOS com a SAD do Sport Lisboa e Benfica.
A SAD do clube da Luz receberá 27 milhões de euros pelos direitos de transmissão dos 17 jogos em casa na época 2016/17 e pela cedência da exclusividade de exploração e distribuição da Benfica TV à NOS, um valor superior aos 15 milhões de euros inscritos no activo intangível da SAD em 2015. O mesmo raciocínio poderá ser feito em relação à Sporting SAD e à FC Porto SAD, que contabilizam nos balanços 17,3 milhões e 15,3 milhões de euros, respectivamente, de receitas provenientes dos direitos de transmissão dos jogos, aos quais ainda é necessário subtrair as receitas com direitos provenientes da participação em competições europeias.
Perante os dados disponíveis, as SAD dos três grandes fizeram um bom negócio individualmente. Pressionados pelo elevado endividamento e pela dificuldade de financiamento junto da banca, asseguram um bom resultado naquela que é a sua segunda maior fonte de receitas. Mas terão sido igualmente proveitosos para indústria do futebol?
Não há “grandes” sem “pequenos”
Em qualquer outro sector de actividade é normal ver as grandes empresas a usar a sua dimensão nas mais diversas formas para esmagar a concorrência. Se estas não aguentarem, azar, mais mercado fica para as grandes. Mas no futebol não é bem assim, porque só há “grandes” se houver pequenos”.
Para Paulo Mourão, “são negócios muito bons para as operadoras, ameaçadas pelo streaming legal e ilegal”.
Para o professor de Economia da Universidade do Minho foram as operadoras que marcaram o melhor golo. Com este acordo, a NOS e a MEO asseguraram a transmissão do melhor que há em termos de audiências. Para dar uma ideia, entre os 20 programas mais visualizados em 2015, 18 foram transmissões de futebol. O jogo da Supertaça entre Benfica-Sporting em 2015, por exemplo, foi o segundo mais visto com mais de 2,4 milhões de telespectadores.
Só as novelas “Mar Salgado” e “Única Mulher” é que conseguiram entrar para a lista e nos modestos 15.º e 20.º lugares, respectivamente. “Devia-se ter posto os operadores a competir pelos direitos e não os clubes a competir pelo dinheiro dos operadores”, explica António Samagaio, professor de Gestão no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). Para os dois docentes, os negócios são bons para os clubes no curto prazo, mas são maus para a indústria porque acentuam os desequilíbrios entre clubes grandes e clubes pequenos, comprometendo assim a competitividade do campeonato. “Poucas entidades a adquirir os direitos no mercado do audiovisual tendem a gerar ineficiências elevadas quando os ofertantes não têm grande poder negocial. Muitos pequenos clubes desorganizados tenderão a receber menos (individualmente e no conjunto) do que se tivessem um poder de negociação concertado”, afirma Paulo Mourão. A FORBES procurou uma reacção das operadoras, mas ambas recusaram-se a prestar qualquer declaração.
A ideia de centralizar os direitos numa só entidade não é nova e até já se faz em Portugal. Por exemplo, os direitos de transmissão televisiva dos jogos das selecções nacionais recebidos pela Federação Portuguesa de Futebol são negociados pela UEFA e pela FIFA e, na segunda Liga, agora denominada Liga Ledman, os clubes concertaram-se e conseguiram um acordo com a MEO até 2019 num valor anual unitário de 500 mil euros – uma soma superior a quatro vezes as receitas de alguns clubes na corrente época.
Na Europa, só em Portugal e na Ucrânia é que os direitos de transmissão televisivos dos clubes do escalão principal é que não são negociados colectivamente pela entidade organizadora do campeonato. O princípio é simples. Numa indústria onde o espectáculo é ganho por quem tem os melhores artistas, a negociação colectiva dos direitos televisivos é um instrumento fundamental para equilibrar o poder de aquisição de jogadores. “Esse equilíbrio é essencial para a melhoria global da competição, tornando mais incerto o resultado de cada jogo e, por conseguinte, valoriza-a”, explica Rui Alves, Presidente do Clube Desportivo Nacional (Madeira). O desequilíbrio é bem patente nos números. Enquanto em Portugal, a relação entre o clube que recebe mais e o que recebe menos é de 1 para 12, nas ligas alemã e italiana é de 1 para 3 e, na Premier League, considerada a liga mais competitiva da Europa, é de 1 para 1,5.
A liga espanhola foi a última a adoptar o modelo, mas não foi fácil (ver caixa). Clubes como o Real Madrid e o Barcelona não queriam abdicar da negociação individual e foi necessário a intervenção do governo, mas os resultados estão à vista. Na época, 2014/15, o valor conseguido pelos clubes individualmente ascendeu a 800 milhões de euros anuais. Com a negociação colectiva, os últimos dados divulgados em Dezembro apontavam para um valor global de 1600 milhões de euros, e com margem para conseguir maiores ganhos.
Jogo de equipa
A concentração da negociação dos direitos de transmissão dos clubes de futebol profissional na Liga Portuguesa de Furebol Profissional (LPFP) é defendida há vários anos pelos intervenientes na indústria do desporto Rei, mas mais uma vez falhou-se na concretização. Para António Samagaio, o problema foi não haver jogo de equipa. “O campeonato é comandado por três clubes e quando os presidentes desses clubes não se entendem, não é bom para o futebol português”, diz o professor.
Bruno de Carvalho, Presidente da SAD do Sporting Clube de Portugal, dá a sua opinião na entrevista patente nas páginas anteriores, mas para o presidente do Clube Desportivo Nacional, que à semelhança do Sporting seguiu o caminho iniciado pelo Benfica, “a negociação colectiva não teve início por falta de modelo de concurso e existência de vontade e comando da Liga face à inexistência de qualquer atitude nesse sentido”.
Segundo Rui Alves, “nem sequer foi abordada com os associados a fórmula de como os direitos seriam negociados, se por concurso público, limitado ou escolha directa de um operador”, afirma o responsável, empurrando para Pedro Proença, actual presidente da LPFP, o ónus da falha da aplicação do modelo da negociação colectiva dos direitos. No entanto, o ex-árbitro fez dele bandeira na sua campanha eleitoral e contou com apoio dos clubes grandes.
Contactada pela FORBES, a LPFP não quis prestar declarações sobre o assunto, mas as recentes declarações de Pedro Proença em Pequim, aquando da assinatura do acordo de patrocínio com a multinacional da área da optoelectrónica Ledman, levam a pensar que ainda nada está definido. “A negociação dos direitos ainda vai a meio”, afirmou Proença quando questionado sobre a negociação colectiva dos direitos, na conferência de imprensa após a assinatura do acordo de patrocínio para a Segunda Liga com a empresa chinesa. Uma percepção que ganha forma com o futuro resultado da análise da Autoridade da Concorrência (AdC) aos contratos realizados. Segundo publicou o semanário “Sol”, a AdC prepara-se para anular os contratos firmados individualmente entre os clubes e as operadoras devido à extensa maturidade e à exclusividade. Ou seja, tudo indica que o jogo dos direitos vai a prolongamento e a indústria do futebol nacional ainda poderá sair vitoriosa.