Sob o desenho afiado e vivo do artista, a vida é vista como um exercício de alto risco. Quando pensa em seu país natal, uma ex-colônia portuguesa, Nú Barreto relembra a penosa marcha rumo à independência, seguida de instabilidade política e militar pontuada por inúmeros golpes de estado.
Hoje, o artista olha para a situação actual na Guiné-Bissau com lucidez e amargura. Ele vê as crescentes disparidades socioeconômicas.
De forma mais ampla, o que brilha, figurativamente através de sua obra, na forma do seu conceito de “homem imperfeito”, é a complexidade das questões que determinam as relações entre os diferentes Estados africanos e o mundo ocidental.
O desenho, para o qual Nú Barreto já havia se debruçado durante a conturbada adolescência, é onde ele expõe seu sofrimento cotidiano e os estigmas da memória coletiva.
Na sua nova obra gráfica exposta desde 15 de Abril e que estará patente até 25 de Maio, na galeria Nathalie Obadia, em França, o artista discorre numa abordagem que se torna cada vez mais escultórica, onde a colagem, o jogo de materiais, os elementos importados, adquirem todos tamanha importância, quanto os motivos representados.
A exposição, denominada “o imperfeito e o imperativo”, apresenta um conjunto de novas obras em papel reciclado, de que fazem parte desenho para colagem e um políptico de 42 desenhos concebido como uma espécie de diário de bordo para estes tempos de pandemia.
“Nessas grandes obras em papel que parecem um pouco com murais, o artista recorre a materiais crus e baratos, como papelão, papel reciclado – recuperado pelo artista em paletes de supermercado, retalhos de tecido e pedaços de papel de embrulho rasgado”, adianta Eva Ben Dhiab, directora de comunicação da galeria Nathalie Obadia, situada na capital francesa, Paris.
A forma como os compõe, numa colcha de retalhos anárquica, parece evocar uma espécie de precariedade, a pobreza do tecido urbano, as moradias improvisadas, a miséria social. Na verdade, certos motivos de colagem sugerem chapa, enquanto as linhas hesitantes e desajeitadas que estruturam essas obras denotam certa fragilidade e desequilíbrio.
No entanto, a particularidade destes desenhos de Nú Barreto, reside nos espaços que parecem flutuar, desprovidos de referências, apesar das alusões à urbanidade que remetem à selva. As silhuetas de cabeça para baixo parecem ter sido brutalmente criadas, adotando posturas acrobáticas ou curvadas e expressões extravagantes que evocam o Grito de Munch – uma série de quatro pinturas do norueguês Edvard Munch, 1893 – e que revelam a dor que reside dentro dessas obras.
Embaixador da arte contemporânea africana
Nascido em 1966 em São Domingos (Guiné-Bissau), Nú Barreto vive e trabalha em Paris desde 1989. Formado pela École Nationale des Métiers de l’Image des Gobelins (Paris, França), o artista criou uma linguagem própria e desenvolveu uma prática multidisciplinar e política.
Em 1998, representou o seu país na Expo Lisboa, em Portugal. Desde então, o seu trabalho recebeu projeção internacional e Nú Barreto se consolidou como um dos mais proeminentes artistas da arte contemporânea africana.