Quando, depois do 25 de Abril de 1974, a indústria de produtos químicos de Alfredo Milne e Carmo foi ocupada e gerida pelo MFA, tendo acabado por desaparecer, parecia que os negócios da família ficavam por ali. O filho Jorge tinha uma proposta para ir para a Austrália e era o fim de uma era.
No entanto, passaram pouco mais de quatro décadas e Jorge Milne e Carmo já construiu um império de madeiras: com presença em Portugal, Brasil, França e Espanha, e ainda parcerias em dezenas de países, a Carmo Wood fechou o ano passado com um volume de negócios de 55 milhões de euros. Jorge rejeita o “porreirismo” português e promete continuar a expandir-se, assim surjam oportunidades. Na mira estão os EUA e alguns mercados da América Latina, que deverão começar a receber produtos Carmo já durante este ano. “Os planos de expansão mantêm-se exactamente iguais”, garante Jorge, sentado à grande mesa de madeira da sala de reuniões da unidade de Pegões.
A conversa com a FORBES estava inicialmente marcada para a maior fábrica da Carmo, em Oliveira de Frades, mas os grandes incêndios de Outubro reduziram toda a unidade a pó. Ali operavam a Carmo – Estruturas em Madeira e a Carmo S.A, empresas que pertencem ao universo de 10 companhias da Carmo Wood. O valor destruído ronda os 15 milhões de euros, mas ainda é cedo para fazer contas ao prejuízo. “Perdemos 5 milhões de euros em stock, outros 5 milhões [que era o valor] do edifício e 5 milhões em máquinas. Mas quanto ao prejuízo causado…vamos esperar pelos seguros, e depois ver”, diz-nos o presidente da empresa, olhar sereno e voz enérgica. Admite que lhe custou “imenso” ver as duas empresas, fruto de décadas de trabalho, reduzidas a coisa alguma, mas recusa-se a baixar os braços. “O importante é andar rápido”, repete durante a manhã que passámos com ele.
Jorge revela à FORBES que vai utilizar o stock existente na unidade de Pegões, que foi onde nasceu a Carmo Wood, e comprar madeira seca para “acelerar o ciclo de produção” – é mais caro, mas é a única solução para “não perder os clientes nas encomendas”, diz.
Depois do fatídico dia 15 de Outubro, Jorge alugou escritórios e foi para lá que se mudaram os colaboradores da parte administrativa das duas unidades ardidas. Os outros arregaçaram as mangas e ajudaram a fazer o levantamento dos estragos e a limpeza dos terrenos. Assim foi possível que os 350 funcionários da Carmo continuassem a trabalhar normalmente, sem pausas na actividade.
“Sabia que tínhamos uma equipa unida, mas não imaginava que fosse tão motivada”, afirma o responsável antes de contar que praticamente todas as pessoas se disponibilizaram a trabalhar até aos fins-de-semana para recuperar a empresa”. Para o gestor, o importante agora é garantir que não haja lucro cessante e não perder clientes e fornecedores, daí a necessidade de agilizar processos.
Até porque a concorrência está atenta às oportunidades. “Somos todos muito solidários” durante os incêndios, “mas calma aí”, diz o empresário com uma gargalhada, admitindo, no entanto, que há alguma entreajuda entre as empresas das regiões mais afectadas. Aliás, revela, os escritórios que alugou pertencem à Martifer que rapidamente lhos disponibilizou.
Passos pequenos e firmes
As perdas geradas pelo incêndio obrigaram Jorge a rever significativamente as contas da empresa: a previsão de receitas para o ano passado desceu de 80 milhões de euros para 55 milhões de euros, mas tudo o resto vai seguir inalterado.
A empresa decidiu implementar durante este ano o plano financeiro previsto para o triénio 2018/2021, e conta estar a laborar em pleno em Junho, com carpintarias, oficinas, armazéns e escritórios totalmente recuperados. As unidades de Oliveira de Frades, que contam com 200 pessoas, vão crescer em 30 novos postos de trabalho, garante. Além dos seguros – “temos a empresa muito bem protegida” – Jorge salienta a gestão conservadora que sempre fez na Carmo Wood como a razão mais importante para agora a recuperação ser menos dolorosa, pelo menos na parte financeira. “Isto de começar de nada faz com que estejamos habituados a não poder perder dinheiro”, diz com um sorriso e olhar sério.
Primeiro, repete, nunca lhe “passou pela cabeça pagar menos pelos seguros”. Portanto, está confiante sobre o capital que daí advirá e que ajudará bastante na recuperação rápida da actividade. Depois, esclarece, a Carmo sempre foi “muito conservadora nas provisões”, o que permite ter reservas e capitais sólidos. Se fosse preciso, estariam também em condições de fazer um aumento de capital, esclarece o presidente da empresa antes de afiançar que, no entanto, “não será necessário”.
Quando abriu a Carmo, em 1979, a empresa contava com 20 pessoas – cinco no escritório e 15 na fábrica de Pegões, então instalada numa área de 3 hectares. Hoje, a mesma unidade estende-se por 15 hectares e tem mais de uma centena de funcionários. Os restantes estão nos escritórios, que se mantêm na capital.
A empresa abriu entretanto actividade no Brasil, em Espanha e em França, onde é líder de mercado desde o final dos anos 1980. Aqui, tem clientes tão conhecidos como a Moët-Chandon ou a Hennessy e uma influência tão grande que o “poste para vinha” – “un piquet”, em francês – passou a ser conhecido como “un carmo”. Hoje, negoceia em mais de 30 países através de parceiros que a tornam numa empresa familiar de cariz profundamente internacional.
A responsabilidade da internacionalização, desde o primeiro ano, pertence a Alfredo Milne e Carmo, pai de Jorge, que se dedicou a levar a Carmo Wood para Itália e Alemanha assim que ela foi criada. “O meu pai era um marketeer incrível”, explica, revelando que foi ele quem fez todas as viagens e contactos iniciais no estrangeiro, uma vez que “nem sequer queria estar em Portugal”, depois de ter perdido quase tudo, após a revolução. Os mercados italiano e alemão não eram óbvios, mas Jorge diz que sempre gostou de começar pelo que é mais difícil. E apostar em países como Espanha, aqui ao lado, Marrocos ou Senegal pode ficar para depois, porque é mais fácil, e “dá menos gozo”, esclarece.
Portefólio multifacetado
A Carmo oferece produtos em sectores tão diferentes como a agricultura, a construção, o turismo, a segurança, as telecomunicações ou o mundo equestre, embora tenha começado com o mobiliário urbano e os parques infantis, sectores que ainda hoje trabalha. Muitos deles são serviços “chave na mão”, que Jorge começou a perceber serem muito procurados pelos clientes. “Esta verticalização acabou por surgir de várias formas diferentes, consoante as oportunidades e a procura”, conta. E recorda, por exemplo, a entrada na área equestre: a empresa fazia algumas vedações e apercebeu-se de que as camas dos cavalos eram feitas de aparas em madeira.
Daí a oferecer um cercado completo com direito a vedações, boxes, picadeiros, pisos e aparas foram alguns anos e outras tantas oportunidades de negócios – que podem surgir através de parcerias, compras de empresas que já operem nas áreas ou a criação de uma companhia dedicada dentro do grupo. Desta forma, facilita-se a vida aos clientes, que precisam apenas de um fornecedor, e reforçam-se os laços de confiança. Com os deques, por exemplo, a teoria é a mesma: a Carmo pode fazer o projecto, o cálculo estrutural e depois toda a concepção do produto.
Foi assim que entrou na área dos ferrosos agrícolas, também: afinal, se já fornecia os postes para estruturas agrícolas, não faria sentido conseguir disponibilizar também arames, redes, farpados, puxadores e portões? Para Jorge, a teoria do negócio é simples: “temos sempre que ser os melhores de qualquer coisa. Se não formos nós a fazer, vai ser a concorrência”.
Portanto, tenta estar sempre um passo adiante, a identificar tendências e à procura de oportunidades.
Em Portugal, a Carmo tem nas estruturas para suporte agrícola a principal área de negócio, representando quase 50% da facturação. A construção (30%) e os postes de construção e mobiliário urbano e de jardim (20%) representam o restante. A evolução do cabo na Europa e a electrificação rural em África fazem dos postes de condução de electricidade um produto em franco crescimento, o que se reflecte nas contas da empresa, que tem nos mercados externos a origem de 60% da sua facturação.
Renascer das cinzas
Em 2017, a Carmo devia ter fechado o ano com um crescimento de 40% face ao ano anterior. Foi obrigada a rever esse valor em baixa, devido aos incêndios, e Jorge não se mostra particularmente preocupado. “Era demasiado”, admite o responsável, que acredita que todas as situações são uma oportunidade e desconfia quando tudo corre de feição durante demasiado tempo. O seu instinto, aliás, já o tinha avisado de que alguma coisa menos boa devia vir por aí depois de vários investimentos certeiros. “Andava a sentir-me demasiado confortável”.
Portanto, está pronto para tirar o melhor partido da destruição das estruturas de duas das suas empresas: já que caíram, em vez de fazer igual ou mais pequeno, “vou fazer maior. E melhor. A carpintaria é maior, a fábrica de móveis vai aumentar para o dobro, a oficina de metalomecânica também…Vamos comprar máquinas novas para substituir as que arderam”, explica, e como tudo é feito em madeira, está optimista quanto aos tempos de execução. A empresa vai começar por contruir a carpintaria da Carmo Estruturas em Madeira, e a seguir virão os armazéns e as oficinas. Os escritórios serão a última coisa, uma vez que são também a menos necessária a curto prazo.
Em dois anos, a Carmo foi atingida por dois incêndios. Em 2016 houve um curto-circuito que provocou um pequeno fogo na unidade de Pegões, onde estamos, e que destruiu toda a parte onde são feitas as aparas em madeira. Ainda é possível ver resquícios desse fogo na fuligem alojada na estrutura, mas tudo já foi reconstruído e está laborar normalmente. O do ano passado foi, naturalmente, mais dramático e Jorge só lamenta não ter levado avante o seu projecto inicial: ter um plano de protecção próprio, que pelo menos lhe tivesse dado a sensação de ter feito todo o possível para salvar máquinas e edifícios.
Segundo o gestor, foi a própria Protecção Civil quem lhe garantiu que para proteger a área exterior estariam lá as autoridades, e que, portanto, só era preciso um plano de protecção para incidentes internos. “A árvore mais próxima das nossas instalações estava a 5 km”, conta. “A questão é que não houve qualquer protecção. Os bombeiros não apareceram, os meios aéreos não apareceram, e o fogo foi andando naquele domingo desgraçado”.
E acrescenta que foi esta informação que transmitiu ao Presidente da República quando falou com ele: que não importa o que diga a Protecção Civil, porque o planeamento já está a ser feito, o investimento já está a ser considerado. A Carmo Wood vai ter um sistema de protecção próprio para evitar novas catástrofes.
Aos 61 anos, é com esta mesma assertividade que Jorge comanda a empresa cuja propriedade divide com a irmã, em partes iguais, mas cuja gestão lidera. Na Carmo o grau de exigência é igual ou superior a várias empresas estrangeiras, garante, e os níveis de eficiência muito acima do que se vê no mercado nacional. Aqui valoriza-se o mérito e remunera-se em concordância com a eficácia. Assegura que a justiça e a lealdade são as duas coisas que mais retêm talentos, e que têm que se reflectir nas remunerações, nos prémios, na forma como se tratam as pessoas e no respeito pelos graus hierárquicos. “Sou pela meritocracia. Quero lá saber que uma pessoa que está cá há seis meses e deu provas de ser excelente ganhe mais do que uma pessoa que está cá há dois anos. Não quero saber! Ganha mais porque é melhor do que o outro, porque pensa fora da caixa, fora do trabalho”.
É por isso, também, que rejeita aquilo a que chama de “porreirismo”, típico em Portugal. Admite que a educação em Inglaterra lhe moldou o carácter, mas afiança que é por conduzir assim a empresa que tem chegado longe. No mesmo sentido, explica, esta é uma das razões pelas quais não há muita gente da família a trabalhar na Carmo: uma empresa familiar, afirma, é para dar dinheiro à família, e não para dar trabalho aos familiares. Rejeita a ideia de que estes são mais motivados e acredita numa gestão técnica, eficaz e rigorosa. E defende que se as empresas nacionais aplicassem este princípio, veríamos muitas mais a ter sucesso.
O único dos seus filhos com funções na empresa é Alfredo, agrónomo, enólogo, “uma pessoa fantástica”, garante. “Mas é comercial” e responde a um director que até é mais novo. Para subir na estrutura terá que mostrar que é melhor do que os outros, como faz qualquer colaborador da Carmo.