Originária da Guiné-Bissau, terra de seus pais, Mariama Injai nasceu em Felgueiras, Portugal, em 1987. A luso-guineense é CEO e fundadora do Nô Bai, um site com negócios de propriedade negra, criado para promover a economia circular dentro da comunidade afrodescendente, em terras lusas.
O projecto, cujo nome em crioulo guineense significa “vamos”, surgiu em 2022, a partir da página do Instagram “AfroMary”, onde Mariama divulgava negócios e projectos de pessoas negras. Aos 36 anos de idade, a engenheira do Ambiente tem grandes expectativas para o seu site que tem já cerca de 20 marcas associadas ao Marketplace.
Os detalhes do projecto são apresentados na primeira pessoa pela mentora, numa conversa mantida com a Forbes África Lusófona. “Há cinco anos, quando me mudei para Lisboa, criei o projecto AfroMary, onde falava muito das discriminações em Portugal, tentava tocar as pessoas relativamente à estas temáticas de discriminação racial e outras que iam acontecendo aqui em Portugal e também da minha experiência com o tema”, começa por contar.
Mariama diz que em Viseu, onde cresceu, a sua família era praticamente a única de raça negra o que, confessa, lhe terá causado alguns traumas e percepções um pouco diferentes da vida. “Não havia pessoas iguais a mim e, então, esta questão da representatividade sempre foi algo muito importante na minha vida. A falta dela [representatividade] sempre foi muito evidente e então foi por isso que eu, de alguma forma, também comecei o projecto AfroMary no Instagram, motivada a falar, porque durante muitos anos senti que não tinha voz, não era visível, não era representada e até hoje continua a acontecer. Continuamos a não existir em lado nenhum”, enfatiza.
Para inverter o quadro, a jovem criou a sua própria plataforma, onde passou a comunicar e falar aquilo que sentia que devia e tinha de falar. O percurso de cinco anos começou com a publicação de vídeos no YouTube e estendeu-se para o Instagram, com a elaboração de conteúdos sobre a comunidade afrodescendente. “Isso começou a crescer e fui convidada para vários programas para falar destas questões. Então, acho que foi por aí que as pessoas começaram mais a conhecer a AfroMary e não tanto a Mariama”, lembra.
No AfroMary fazia muitas entrevistas às pessoas da comunidade negra e de áreas distintas, sobre diferentes temas. “Já evidenciava muitos projectos que aqui ia havendo, porque senti que não havia uma plataforma que começasse a juntar as peças todas. No levantamento que fiz percebi que cerca de 90% dos empreendedores afrodescendentes não tinha um website. Era tudo muito disperso, toda a gente a fazer projectos de uma forma muito dispersa e eu queria sempre enaltecer o trabalho que não estava a ser visto e que merecia ser visto, através da minha plataforma”, nota.
E foi no fundo este desejo de Mariama que deu origem, no passado, à plataforma Nô Bai. O site Nô Bai é no fundo uma extensão daquilo que a empreendedora já fazia, só que transformado em algo rentável e mais voltado para os negócios dos negros em Portugal. A fundadora deixa, no entanto, claro que embora reúna apenas negócios de empreendedores afrodescendentes, todos podem comprar na plataforma.
Mariama considera que os cerca cinco anos de AfroMary “foram bons e com impacto na comunidade”, porque abriam margens para discussões e para todos pensarem e reflectir. “E é isso que eu gosto de ser: provocar a mente”. Assume. Mas ao mesmo tempo a activista social queria alguma solução de impacto, que fosse capaz de trazer dinheiro para a sua comunidade [afrodescendentes]. Foi isso que lhe motivou a pensar mais em áreas de negócios.
“Acredito que temos negócios com muita potencialidade. As pessoas só não sabem vender, não sabem posicionar, não têm as ferramentas. Estava farta do facto de as pessoas estarem sempre a desacreditar-nos. Acho que às vezes só precisamos de alguém que acredite em nós e eu acredito nesses negócios e na potencialidade deles e foi por isso que criei esta plataforma”, justifica.

Embora tenha sido lançado apenas em Outubro de 2022, as ideias para o Nô Bai começaram a ser desenhadas por Mariama Injai em 2020. A sua participação no ano passado num programa de aceleração de empreendedorismo para mulheres, em que foi uma das finalistas, permitiu organizar e planificar melhor as suas ideias, tendo mesmo sido o tônico para o início de um projecto criado para facturar. “Todas as secções estão pensadas para fazer dinheiro”, confirma a mentora.
A criação e a construção do site consumiram apenas cerca de 2000 euros. Até ao momento, cerca de 20 marcas estão já associadas ao Marketplace, todas de empreendedores afrodescendentes. A fundadora garante que há espaço para muitas mais marcas, embora não seja fundamental. “Não nos interessa termos 100 marcas e que depois não vendam”, acautelou.
A plataforma que surgiu para atender “o clamor das dores” que a sua fundadora ouvia dos empreendedores negros, em Portugal, esteve, uma semana após ter sido lançada, entre as 100 do país seleccionadas pela Start-up Portugal para estarem no Web Summit Lisboa 2022. “Me conectei muito e há muitas ideias de parcerias que podem depois surgir. Estar no Web Summit permitiu-nos fazer muitos contactos e daí surgiram também outras ideias de contactar outros empreendedores de Cabo Verde, de Angola e não só”, realçou.
Os empreendedores podem fazer parte da Nô Bai, registando-se gratuitamente no diretório e deixar lá visível os seus negócios, como também pode optar por estar com os seus produtos no Marketplace. Até ao momento estão registados na plataforma mais de 100 negócios de afrodescendentes, sobretudo de Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Um dos objectivos da inscrição gratuita, avança a mentora, é também a obtenção de dados sobre a comunidade, que diz não existirem em Portugal. Depois de registado, já no Marketplace, o empreendedor sujeita-se ao pagamento de um feed de 15% por cada produto que vir a vender.
Além de dar visibilidade aos empreendedores negros e aos seus negócios, a plataforma oferece também à comunidade serviços de marketing, mentoria, construção de logotipos, identidade visual, websites e fotografia, funcionando como uma agência que quer também capacitar jovens na área do empreendedorismo.
“O que eu sinto é que há um desconhecimento que existem marcas de empreendedores africanos em Portugal.
A minha plataforma faz com que as pessoas possam acompanhar e ver que afinal existem marcas que já estão num nível muito bom. Queremos combater este desconhecimento e esta intolerância que existe, quer dentro como fora da comunidade também”, vincou.
De momento, a Nô Bai está focada apenas nos negócios de afrodescendentes residentes em Portugal, mas o objectivo é congregar, mais adiante, empreendedores negros de outras geografias, com realce para os da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). “A minha parte de escalar vai ser esta. Comecei com Portugal e sinto que tenho de fazer pelo menos um ano só com residentes em Portugal, que é mais fácil, que eu tenho mais contactos, mas se calhar, depois posso fazer o Nô Bai Inglaterra, Nô Bai, Angola, ou Nô Bai Cabo Verde. Ou seja, isso é o meu futuro. Daqui a cinco anos quero ter esses Nô Bai todos”, perspectivou, acrescentando ser ainda seu desejo ter, um dia, “um espaço físico, que tenha várias lojas, e não se ficar só pelo online”.
Quando projectou o Nô Bai, Mariama traçou metas e uma delas passava por, no primeiro ano, chegar a pelo menos 300 negócios registados no diretório, mas agora que o projecto já foi lançado, os primeiros indicadores aguçam as suas ambições. “Se em dez messe já ultrapassamos 100 [negócios], se calhar tenho de pôr esta meta um bocado maior. Este é o meu ano de teste, é o meu ano zero, e só a partir do meu ano zero é que eu consigo fazer projecções maiores para poder actuar. Se calhar não vou ficar milionária já, mas não é sobre o ficar milionária já, é sobre fazer impacto social na comunidade”, rematou.
Sobre as projecções em termos de ganhos financeiro, Injai diz não estar muito preocupada, até porque, como refere “fazer dinheiro é bom e importante, mas o impacto social que o projecto vai ter é ainda maior e mais importante”.
O desconhecimento do negócio lançado ou a ser lançado, os passos certos a dar para se empreender, a falta de ferramentas para o desenvolvimento de negócios, bem como de skills de gestão financeira, foram, dentre outras, apontadas pela luso-guineense como os principais desafios dos empreendedores afrodescendentes em Portugal.
No início deste ano, Mariama Injai foi nomeada como uma das Mulheres Inspiradoras de 2022 pela revista Activa, na categoria “solidariedade”, embora o que faz, precisa a empreendedora, não é solidariedade, mas sim justiça social. A jovem acredita que para a sua indicação terá pesado o facto de ter lançado o Nô Bai – “um projecto inovador e pioneiro em Portugal” – feito para a comunidade negra, além de todo o seu percurso no empreendedorismo social.