Sei é que não temos dinheiro para andar de NetJets”, disse Ricardo Salgado na última reunião que viria a ser o estertor do Grupo Banco Espírito Santo, segundo as gravações reveladas pelo jornal “i” em 2014. Ou como diria o comum mortal: não tinham dinheiro nem para apanhar o autocarro. Ao contrário do clã Espírito Santo, centenas de clientes recorrem a esta empresa de aviação para fazer as suas viagens de negócios e de lazer no maior conforto e tranquilidade.
Trata-se de um grupo de pessoas que, acima de tudo, prima pela discrição. Mark Wilson, presidente e director de operações da NetJets Europe – cuja sede é em Laveiras, no concelho de Oeiras, nos arredores de Lisboa -, conta à FORBES que 60% dos clientes da empresa utilizam os serviços da NetJets “apenas para negócios”. E, ao contrário da ideia de grande frivolidade que popularmente se associa a viagens em jactos privados, o verdadeiro luxo exigido pelos clientes está noutro tipo de comodidades. “Hoje em dia, este negócio é muito diferente da forma como as pessoas o percepcionam”, conta. “É claro que, ocasionalmente, as pessoas querem algo mais especial, se estiverem a fazer um voo com o parceiro, ou num aniversário, mas tende a estar mais relacionado com o catering específico”, explica.
Os luxos mais procurados são outros. O luxo da solidão, por exemplo. “A vasta maioria das pessoas senta-se na parte de trás do avião a ler relatórios, jornais de economia, a preparar-se para a próxima reunião”, diz. Ou o verdadeiro luxo de se estar apenas com quem se quer estar, sem ter de partilhar o espaço com dezenas de outros passageiros com outras predisposições de viagem, muitas vezes muito díspares das nossas. Nunca se sabe quem pode estar a viajar ao nosso lado – e todo o cuidado é pouco, diz Mark Wilson: “Uma coisa que é incrivelmente importante no nosso negócio é que [o cliente] escolhe quem viaja consigo.” De outra forma, “torna-se muito difícil discutir assuntos de negócios”, constata.
Voo exclusivo
O perfil de quem voa, hoje em dia, é dividido em duas faixas etárias, mas cada uma com um certo conforto económico. A tradicional é composta por clientes com idades mais altas, numa fase das carreiras profissionais que lhes permite ter margem financeira, explica o presidente da Netjets Europe. Mas uma geração está a emergir na base de clientes da empresa: os jovens millennials bem-sucedidos profissionalmente que precisam de viagens ágeis e rápidas. “Há uma proporção crescente de pessoas que talvez tenham tido sucesso nas tecnologias da informação num passado recente e mais jovens” do que a clientela normal, explica Mark Wilson. Os novíssimos rich kids da Netjets.
Viajar pela Netjets, uma espécie de serviço de táxi aéreo, como muitas vezes é referido, não implica levantar o braço no ar para mandar parar uma aeronave. Mas também não envolve filas de espera com bebés a chorar e passageiros com hábitos estranhos ao seu lado como na aviação de massas. Para usar os serviços da Netjets terá de subscrever uma de duas modalidades: a primeira baseia-se na compra de uma fracção de uma aeronave, explica o director, direccionada para as pessoas que viajam entre 50 horas e “várias centenas de horas por ano”. Estes clientes “tipicamente adquirem o programa de propriedade fraccionada”, explica. A segunda baseia-se num cartão, o “Private Jet Card”, que permite adquirir um plafond de, no mínimo, 25 horas de voo para serem utilizadas quando o cliente assim o quiser. Ao passo que na primeira opção os preços dependem dos objectivos de cada cliente, na segunda o montante já é mais fácil de estimar. Mark Wilson situa o investimento na ordem dos
“150 mil euros por 25 horas de voo”.
Na página web da Netjets poder ler-se que Warren Buffett, o investidor proprietário da Berkshire Hathaway, prescindiu do seu jacto privado quando percebeu que poderia rentabilizar as suas viagens através da Netjets. A primeira viagem que fez foi no início da década de 1990 e no final, em 1998, acabou por comprar a empresa. “Vendi o avião da Berkshire e irei agora efectuar todas as minhas viagens de negócios, bem como as pessoais, com tripulações da Netjets”, lê-se na pequena biografia publicada no site, que cita uma carta do investidor aos accionistas da Berkshire. “Warren Buffett é actualmente a terceira pessoa mais rica do mundo. E ainda não possui um jacto privado”, sublinha também a empresa nesse perfil corporativo. Pois não: agora tem uma empresa que voa para 5 mil aeroportos no mundo inteiro. Empresa essa que planeia expandir-se a nível europeu: está previsto para meados deste ano um novo investimento focado no mercado de médio curso, com novas aeronaves focadas em viagens na sua maioria intraeuropeias, conta Mark Wilson.
Mark Wilson cruzou-se com Buffett “em algumas ocasiões”, mas mantém “um grande grau de separação”, graceja. E sublinha que o investidor não é interventivo ao ponto de se sobrepor à liderança de cada um dos seus investimentos. “Os accionistas da Berkshire Hathaway adoptam uma abordagem incrivelmente descentralizada”, segundo o executivo britânico.