Tem um sorriso largo, uma energia inconfundível e uma vontade imensa de mudar o mundo. “Estou sempre a redefinir-me e a forma como posso estar mais próxima da verdade num mundo tão ruidoso como este. Sou uma contadora de histórias que partilha essa visão de mudar o mundo e que está muito próxima das pessoas, sobretudo dos homens e mulheres que trabalham, porque a minha mãe (que me criou como mãe solteira) e eu somos de facto um exemplo de quem soube ultrapassar os obstáculos”, partilha a produtora de cinema/tv, empresária e designer de origem jamaicana, nascida em Toronto e formada em Saúde Global. Vanessa Ford é COO da Kukua, projecto que tem como missão “capacitar as crianças através de conteúdos inspiradores, brinquedos, livros e experiências de aprendizagem intimamente ligados à diversidade, ao poder da criança, à STEAM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática) e à criatividade”. Mãe de três filhos trilingues – “são o bater do meu coração e o centro do meu mundo” – é neles que pensa quando se emerge em projectos como o da Super Sema: “O nosso herói é alguém que quero que seja um exemplo para os meus filhos, alguém que se pareça com eles… uma menina africana de 10 anos de idade chamada Sema (que significa “falar” em suaíli) de cabelo comprido e que usa a sua inteligência como o seu superpoder para ajudar a comunidade”.
Mas quem é a Super Sema? Vanessa explica, com o orgulho próprio de quem fez parte da equipa que a criou: “Super Sema é mais do que uma história de super-heróis, é uma celebração da cultura pan-africana e da magia das meninas negras. Ela aponta para uma geração futura que reconhece e celebra aspectos da sociedade africana, desde o poder e beleza dos cabelos pretos até à preservação da identidade, tudo dentro do mundo aspiracional da pequena aldeia de Sema. Assim, de certo modo, o maior legado da Super Sema pode não estar na forma como agita a indústria de entretenimento infantil ou como inspira as crianças a serem cientistas, mas nas pistas que está a lançar para se contar uma história. O mais espantoso é o tipo de comentários que ouvimos de crianças e famílias em Portugal e em todo o mundo. Os pais dizem “uau, você está a lançar novas sementes de cultura” ou “o meu filho acha que África é fantástica depois de ter visto a Super Sema” e podemos ver como os espectadores sentiram essa ligação pessoal com o continente de uma forma que nunca tinham sentido. E essa menina pode continuar a mudar o mundo!”, remata.
A maternidade foi um turnaround na vida de Vanessa: “Ser mãe abriu-me os olhos para a pouca diversidade que existia no entretenimento infantil e para a forma como através da Kukua podíamos criar um mundo que refletisse o leque de cores e de experiências humanas que realmente existem. Podemos mostrar o poder das crianças negras como nunca dantes. Criar um cenário em que os meus filhos se podem ver agora em espaços imaginativos e afro-futuristas e reforçar o sentido de identidade, aumentar o seu potencial criativo, bem como a sua confiança para sentirem que podem ser heróis no seu mundo. Ainda não conseguimos tornar-nos invisíveis, mas cada criança pode aplicar-se e aprender a usar o poder da sua mente para fazer um mundo melhor”.
Para a cineasta “a nova geração é a mais diversificada culturalmente até agora. É mais tolerante, de mente aberta e tem um interesse genuíno em construir um mundo mais equitativo. Eles estão a viver um período marcado por um movimento antirracismo global, uma pandemia global, escolas mais binários e sem constrangimentos de género como nunca se viu, tanta coisa a acontecer no mundo… Uma grande parte disso tem a ver com os seus pais millennials que transmitem aos seus filhos a importância de cultivarem a sua própria identidade, de terem uma mentalidade global. Nós, como geração, temos de continuar comprometidos em criar futuros líderes conscientes e exigir (e esperar) mais inclusão e diversidade”.
E o sonho passa por aí mesmo: “Um mundo onde meninas e mulheres negras saibam que têm o seu mérito. Quero dizer à versão de 15 anos de mim mesma e a outras jovens que no seu percurso ninguém fez dela o que ela é – ela já o era. O mérito é seu e vai continuar a ser. E não têm que sentir que não são válidas ou que os outros são a razão da sua grandeza. A mulher tem o poder de criar o que precisa para si. E se conseguir identificar isso, então pode honrar esse compromisso pessoal. Gostaria que as meninas colocassem isso em prática mais cedo, adorava que fossem mais confiantes — porque tudo está nas suas mãos”
E sobre Portugal
“Portugal inspira-me profundamente…a sua ligação espiritual com a natureza, a sua ligação com África, é um polo excêntrico de criativos de todo o mundo com a sua energia eletrizante no ar, o mar cintilante, mas o mais importante é o povo. Os portugueses que conheci (muitos com raízes angolanas, moçambicanas e brasileiras) restauraram o meu sentido de humanidade. Mudei-me para aqui vinda de Londres e queria estar num lugar onde me sentisse em casa. Um lugar onde as pessoas nos reconhecem e dizem “bom dia” quando passam, um lugar onde as pessoas nos olham nos olhos, um lugar onde os atos de bondade são normais, um lugar onde as pessoas dão as mãos e dançam ao pôr do sol. Portugal faz bem à alma”.