O ano de 1991 viu a moda nacional escrever uma das páginas mais importantes da sua história. A moda e todo o universo artístico estavam em crescimento e afirmação, e em Lisboa isso sentia-se particularmente nas ruas do Bairro Alto.
Foi nessa altura que Eduarda Abbondanza, a fundadora e presidente da Associação Moda Lisboa, e Mário Ribeiro, deparados com a realidade dos que tinham de sair do país para apostar no interesse que tinham pela indústria da moda, em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa (CML), fundaram a Moda Lisboa.
Os tempos eram outros, mas estava lançada a plataforma que deu expressão a muitos dos estilistas nacionais.
Nessa primeira edição, realizada no Teatro São Luiz, participaram nomes como Ana Salazar, Nuno Gama, Luís Buchinho e José António Tenente, e contou ainda com a participação de Eunice Muñoz, Xana Nunes e muitos modelos. “Os nomes que toda a gente já conhece têm como casa mãe a Moda Lisboa. Aliás, eu não conheço nenhum nome assim tão importante que não tenha pertencido, até os Marques’Almeida”, afirma Eduarda à FORBES.
Uma associação que tem um escritório e uma equipa a trabalhar o ano inteiro como qualquer outra entidade. Hoje, é assim que Eduarda descreve este projecto que vai muito além dos desfiles.
Reuniões de fecho de edição, reuniões para preparar a próxima edição, revisão de todas as plataformas que constituem o evento, criação de novos projectos, desenho de projectos para outras entidades ou pop-up stores são trabalhos desenvolvidos pela equipa ao longo de todo o ano que acabam por ser essenciais para a Moda Lisboa. “A fashion week é a parte mais visível, mas para que ela continue a ter resultados temos de fazer todo um outro trabalho que não é tão visível, mas que é o garante”, diz Eduarda.
Indispensável para que tudo aconteça são também as parcerias que se desenvolveram, não só com a CML, mas também com várias entidades privadas. “Nós nunca quisemos trabalhar só com financiamento público”, explica Eduarda que recorre a patrocínios desde 1996.
Falar de desafios relativamente a este evento é falar de orçamento. A presidente da Moda Lisboa confessa que sempre que partem “para a organização do evento é estabelecido um orçamento que não é real” e isso deve-se ao facto de a captação de investimento privado ser um trabalho que só termina na véspera da semana da moda.
Nesta edição foi feito um investimento de 652 mil euros, sendo que 350 mil euros foram obtidos através do protocolo com a CML e o restante pertence às receitas próprias da Moda Lisboa, com investimento privado e sectorial.
O orçamento é pensado sazonalmente e é por isso que quando por algum motivo não se consegue seguir o planeado é necessário fazer uma contracção económica na edição seguinte. “Se aqui ultrapassamos, amanhã vamos ter de recuperar”, afirma Eduarda.
A edição deste ano, denominada de “Insight”, surgiu com o objectivo de olhar de novo para o coração da moda, levou cerca de 20 mil pessoas e 340 jornalistas (80 dos quais internacionais), a viver a moda ao longo de quatro dias. A partir daqui recomeça a pesquisa que, segundo Eduarda, “é fundamental para quem trabalha na moda”.
O segredo da área passa por uma frase que a presidente repete com alguma regularidade: olhar a ver. “Olhar todos nós olhamos, ver nem todos nós vemos”, diz.
É essencial ter essa visão extra que não é comum a toda a gente, mas que Eduarda teve em 1991 e em todos os anos que se seguiram.
Ponto de partida
Ainda que muito trabalho tenha sido feito nos meses que antecederam a edição “Insight” da Moda Lisboa, o pontapé de saída é dado oficialmente com o casting dos manequins. Ao fundo de uma sala do Palacete do hotel Tivoli Avenida, na Avenida da Liberdade, senta-se Luís Pereira, director de casting, responsável por, numa tarde, escolher os manequins que vão ou não desfilar.
Ao longo da tarde vão entrando grupos, cada um acompanhado pelos representantes da respectiva agência, e à vez cada manequim desfila. “Não te esqueças do braço”, “é assim que se anda”, “que idade tens?” ou, na maioria dos casos, “obrigado. Outro”, são os comentários que Luís vai soltando.
Quando os manequins, na sua maioria portugueses, deixam a sala, o director analisa os vídeos e polaroids dos manequins internacionais. Alguns nomes já não precisam de se apresentar ao casting porque Luís já os conhece, como é o caso de Isilda Moreira. “Em 2012 fiz um casting e esse automaticamente dá para todos os desfiles”, afirma a manequim.
Esta edição contou com um total de 136 manequins, além dos convidados de cada estilista.
Moda interactiva
O Workstation é o primeiro momento da Moda Lisboa aberto ao público. Aqui os desfiles dão lugar a apresentações interactivas das colecções cápsula de jovens designers, à fotografia e às ilustrações. Começa tudo nas Carpintarias de São Lázaro, no caso desta edição, e prolonga-se para uma tenda colocada do lado de fora do Pavilhão Carlos Lopes, onde estão expostos os trabalhos dos representantes de cada uma das três categorias.
Espalhados entre os convidados estão os quatro designers: António Castro, Cristina Real, David Pereira e Filipe Augusto. Identificá-los não é difícil porque, se por um lado são as pessoas mais abordadas da tarde, por outro estão um pouco mais nervosos do que os restantes. “Esta plataforma foi criada para ajudar a não perder os designers do Sangue Novo. É difícil ir logo para LAB porque são mais coordenados, já temos de ter a marca registada e um mercado de venda”, conta Filipe.
Rampa de lançamento
Ao início da tarde do segundo dia de Moda Lisboa, seis designers preparam-se para os ensaios do desfile que começa ao final da tarde e onde vão apresentar as colecções a concurso no “Sangue Novo”.
Na introdução ao concurso, que visa destacar jovens promessas, ouvem-se questões como “que legado vamos deixar? Que novos criadores vamos ter?” São eles. Carolina Raquel, Rita Carvalho, Frederico Protto, The Co.re, Opiar e Archie Dieckens representam o futuro. Apostar em novos criadores e chegar a novos públicos é, para Eduarda, essencial, uma vez que sem isso “o ciclo da moda vai envelhecer e acabar”.
Interessados neste concurso estão, por norma, jovens que terminaram os estudos na área e querem ganhar visibilidade, como Rachel Regent e Inês Coelho da dupla The Co.re. “Desde a primeira vez que participámos no concurso, temos tido muita gente a contactar-nos e a querer colaborações, isso claro que nos dá um impulso”, diz Inês.
Epicentro
O backstage de uma semana da moda é tudo aquilo que se imagina: o som dos secadores, centenas de produtos de maquilhagem nas mesas, roupas penduradas, roupas espalhadas pelo chão, nervos, correria, alguns momentos de descontração e uma rotina decorada.
Cabelo, maquilhagem, ensaio, roupa, desfile e repete. É assim para todos os manequins e para a extensa equipa que garante que tudo funcione.
O lado de trás da passarela não tem o mesmo glamour que se vê quando se está sentado na primeira fila de um desfile. No backstage a magia dá lugar à realidade, ou não fosse este um evento “feito por pessoas para pessoas”, diz Eduarda.
O grande momento
O momento em que os estilistas apresentam as suas colecções é o grande motivo que leva as pessoas à Moda Lisboa. Nesta edição, além dos desfiles da Workstation e Sangue Novo, ocorreram 21 desfiles, sendo que dois deles – Carlos Gil e Nycole – resultaram do acordo estabelecido com o Portugal Fashion e nove foram de criadores da plataforma LAB.
Nuno Gama foi um dos estilistas “cabeça de cartaz” da edição deste ano. O estilista descreve os desfiles como os grandes momentos da sua vida. Começa tudo no backstage, com uma pessoa a chamar os manequins pela ordem que vão entrar na passarela.
Alinhados, recebem as indicações do que têm que fazer e é feito o ensaio. Nos minutos que os manequins têm para se vestir e dar os últimos retoques no cabelo e maquilhagem, a sala começa a encher, sendo que os jornalistas e figuras públicas ocupam a grande parte da primeira fila.
De regresso ao line-up, os modelos, estilista e equipa da Moda Lisboa estão prontos para apresentar mais uma colecção.