E impossível não sorrir sempre que carregamos no acelerador do Mazda MX-5 Miata para enfrentar mais uma curva numa estrada secundária. Olhando para o retrovisor, podemos ver a nuvem de folhas secas que se espalhou pelo ar à nossa passagem, dançando ao som do barulho do escape que sai do motor de quatro cilindros de alta performance. Este modelo da Mazda, que carrega 155 cavalos, não é o carro mais potente do planeta, longe disso. Mas, com o tecto rebaixado e o sol a bater no pescoço numa manhã invulgarmente amena, só queremos mesmo é continuar a conduzir sem parar. É um prazer imenso.
A Mercedes-Benz, a Cadillac, a Volvo, para já não falar da Google, da Tesla e, a acreditar nos rumores, a Apple, estão todos na corrida para retirar esse prazer aos condutores. Daqui a cinco anos, a maioria dos fabricantes de automóveis afirma ter caros automatizados com capacidade para rodar no pára-arranca do tráfego intenso ou para acelerarem nas auto-estradas sem a acção de um condutor.
Daqui a dez anos, os condutores vão poder trabalhar ou até dormir uma pequena sesta quando forem de carro para o trabalho. A Volvo acaba de anunciar o “Time Machine”, um cockpit futurista com um ecrã plano de 25 polegadas que sai do tablier à medida que o volante se recolhe e o condutor se encosta para trás. A Google está a desenvolver carros que dispensam condutor e que nem têm volante ou acelerador. Isto é o futuro, assegura o director executivo da Tesla, Elon Musk. “Os carros que forem fabricados e que não tiverem autonomia total não terão qualquer valor,” previu num evento, em Novembro, com analistas de Wall Street. “Será como ter um cavalo: só temos um cavalo por razões sentimentais.”
Mas nem todos pensam assim. “Conduzir não é só uma questão de ir do ponto A para o ponto B,”
afirma o presidente executivo da Mazda, Masamichi Kogai, o director daquele que é talvez o único fabricante de automóveis que não está a trabalhar no desenvolvimento de um carro autónomo. “A nossa missão é proporcionar prazer de conduzir”. Para Kogai, “estar num automóvel é como estar em casa: quando entro no carro ninguém me importuna. Posso conduzir até um lago ou até uma montanha. Só sei para onde vou quando lá chego.”
Começar de novo
A Mazda não é uma marca nova. Tem uma longa história repleta de altos e baixos. Mais recentemente, a marca japonesa passou por dificuldades sérias que levaram mesmo muitos a temerem o fim da companhia. A empresa tentou acompanhar o ritmo de crescimento dos seus maiores rivais no seu país, como a Toyota e a Nissan, e quase acabava na bancarrota, perdendo milhares de milhões de euros em meados da década de 1990. A Ford, que tivera uma pequena participação na Mazda desde 1979, tornar-se-ia em breve no seu maior accionista, controlando, de facto, a empresa com uma participação de 33%. Mas, por volta de 2008, no auge da crise financeira global, a marca americana reduziu a sua participação para 14%, e vendeu a restante a partir de 2010.
Fortemente endividada, a Mazda entrou em queda livre, perdendo cerca de 2,3 mil milhões de euros de 2009 a 2012. Nessa altura, a empresa viu-se obrigada a repensar todos os aspectos do seu negócio, desde a forma como os seus carros são desenhados e os meus motores concebidos, até à forma como são montados. Kogai esteve completamente envolvido neste processo. Primeiro como director de produção e, mais tarde, a partir de 2013, como director executivo. Reformulou a produção da Mazda a nível global, terminando a produção no Michigan, ao mesmo tempo que abria uma nova fábrica no México, onde os custos são mais baixos, e criou centros de produção conjuntos na Rússia e no Vietname. Mas a redução de custos, por si só, não resolveria os problemas. Teve que pensar numa forma de fazer com que a marca fosse tão ágil como os seus carros. Para isso, em vez de desenhar carros um de cada vez e de deixar que a equipa da produção descobrisse qual a melhor forma de produzi-los, a Mazda juntou todos os intervenientes – designers, engenheiros e fornecedores, contratou mais pessoal e especialistas na área da produção – e começou a planear a sua gama para os cinco a dez seguintes.
O seu maior desafio foi descobrir como tornar divertido conduzir Mazdas, cumprindo ao mesmo tempo os padrões mais rigorosos em termos de economia de combustível, sem grandes custos em termos de orçamento de investigação e desenvolvimento (I&D), como acontece com os veículos híbridos ou eléctricos.
A Mazda transformou esse ponto fraco numa vantagem, desafiando os padrões convencionais, ao teorizar de que podia atingir os objectivos pretendidos com motores normais a gasolina – se bem que se tratasse de motores redesenhados radicalmente. Desenvolveu um motor completamente novo, aumentando a eficiência da combustão para níveis que nenhum outro fabricante automóvel se atrevera até então, em virtude das “batidas do motor” que produzia. E, uma vez que não ia começar do zero, redesenhou o sistema de escape, chassis e carroçaria para compensar estes efeitos e conseguir o desempenho pretendido do motor. Esta abordagem radical resultou numa melhoria de 15% em termos de eficiência de combustível face aos motores anteriores e seria rapidamente aplicada em modelos como o SUV Mazda CX-5, o Mazda 3 e a Mazda 6 de cinco portas. Os últimos dois têm um consumo aproximado de 5,1 litros aos 100 quilómetros (o SUV maior tem um consumo de 4,6 litros aos 100), e todos são óptimos de conduzir.
Para custear a produção, a Mazda, em 2012, colocou no mercado acções da empresa e realizou uma emissão obrigacionista que, no conjunto, permitiu à empresa arrecadar cerca de 2 mil milhões de euros. Tratou-se de uma aposta gigantesca para uma pequena empresa que estava a tentar manter-se competitiva face aos grandes actores globais. Mas funcionou. Depois da catástrofe, que foi o seu divórcio da Ford, a Mazda tem-se mantido lucrativa nos últimos três anos. Os resultados do ano fiscal que terminou a 31 de Março de 2015 revelam resultados líquidos de 1,2 mil milhões de euros e 23 milhões de euros de receitas. As vendas de viaturas a nível global aumentaram 12% desde 2012 e a margem dos lucros antes de juros, impostos e amortizações (conhecido também por EBITA) melhorou para quase 9% – melhor do que os 7,9% da Ford. Contudo, continua atrás da média da indústria que é de 11% e Wall Street não se mostrou muito crente nestes números. As acções da Mazda desvalorizaram mais de 15% em 2015, quando a média do sector registou quedas de 3,4%.
Força da marca
A Mazda atribui a sua capacidade de resistência à sua história, que está ligada de perto à sua cidade-natal de Hiroshima, a quatro horas de Tóquio no comboio-bala. Quando os EUA lançaram a primeira bomba atómica sobre a cidade, em Agosto de 1945, a Mazda, conhecida então como Toyo Kogyo, produzia camiões de três rodas e equipamento militar. A cidade foi praticamente arrasada, mas a Toyo Kogyo foi poupada dadas as características do terreno: a existência de uma colina entre o local da explosão e a fábrica fizeram com que as suas operações escapassem. No espaço de quatro de meses a Mazda estava a funcionar de novo.
No decorrer da década de 1960, a Mazda com eçou a fabricar automóveis. O mesmo sucedeu com muitas outras empresas japonesas. Quando o governo quis consolidar a sua capacidade industrial, centrando-se em meia-dúzia de indústrias, Tsuneji Matsuda, o então presidente da Mazda, viu uma oportunidade. Para preservar a independência da empresa, licenciou uma tecnologia prometedora, um motor rotativo criado pelo cientista alemão Felix Wankel em 1961. Elegantemente simples, mas difícil de fabricar, o motor rotativo tornou-se na obsessão dos engenheiros da Mazda durante meio século. Em 1967, a empresa introduziu o primeiro automóvel desportivo com este motor, o Cosmo. Em finais da década de 1970, 1980 e 1990 apresentou o RX-7, também com motor rotativo, e mais tarde, no início deste século, o RX-8. Uma vitória nas 24 Hours de Le Mans em 1991 garantiria à Mazda uma série de seguidores. Em 2011, soaram protestos quando a Mazda parou a produção do RX-8, mas Kogai deu esperança aos fiéis seguidores da marca. No Salão Automóvel de Tóquio, em Novembro, deu a conhecer o RX-Vision, um conceito de carro desportivo que deliciou os amantes da Mazda. Kogai, sorridente, não revelou se Mazda iria construir este carro: “O único motor em que consigo pensar é no motor rotativo.”
E teremos muitos condutores a fazerem fila se tal acontecer.