O turismo está a atravessar um momento glorioso em Portugal. Só no ano passado visitaram o nosso país 16,3 milhões de turistas, o que resultou em mais de 46,5 milhões de dormidas. Foi um ano recorde. Para as contas do Estado, estes números traduziram-se em receitas de 11,4 mil milhões de euros, cerca de 6,3% do produto interno bruto (PIB), o valor mais elevado de sempre em função do PIB nacional; e tem funcionado como um importante aliado no equilíbrio da balança comercial do país, já que é responsável por 15,4% das exportações.
O boom que se tem sentido no sector mostra que Portugal está na moda. Não são raras as publicações e os relatórios internacionais que colocam o país entre os locais a visitar. O mesmo sucede com os prémios que os agentes turísticos nacionais têm recebido. Tudo isso tem contribuído para aumentar a visibilidade do país lá fora e colocar as principais cidades no radar dos turistas.
Portugal ocupa actualmente a 15.ª posição no ranking de competitividade do sector, segundo o índice Travel & Tourism Competitiveness Index. Isso revela bem os desafios que o país tem pela frente, onde salta à vista o aumento da taxa de sazonalidade, uma tendência decrescente da estada média em estabelecimentos hoteleiros, um nível de ocupação abaixo dos 50% e fortes assimetrias regionais. A somar a isso, o sector enfrenta insuficientes níveis de qualificação da mão-de-obra e um declínio da autonomia financeira das empresas da área. Para Luís Araújo, que chega agora à presidência do Turismo de Portugal, todos os elementos da equação estão bem identificados. Carece apenas a definição de uma estratégia em concreto para combater os desafios colocados e a definição de metas específicas para potenciar as oportunidades do sector, que atravessa múltiplos máximos recorde. E é nesse âmbito que Luís tem vindo a trabalhar na “Estratégia Turismo 2027” – um documento que visa pensar o sector na próxima década.
O presidente do Turismo de Portugal desenvolveu a carreira na maior cadeia hoteleira do país, o grupo Pestana, e até já desempenhou um cargo público quando chefiou o gabinete do secretário de Estado do Turismo Bernardo Trindade. É por isso um conhecedor das dificuldades do sector privado e, ao mesmo tempo, do que o Estado pode fazer para ajudar a indústria.
Em entrevista à FORBES, Luís revela que não teme o efeito Brexit no turismo nacional e não crê que existam turistas a mais em Portugal ou em Lisboa. A sua preocupação é criar condições para trazer mais e estender a riqueza gerada pelo sector a todo ao país. Em poucos meses, espera delinear a estratégia para o conseguir fazer ao longo da próxima década, mas tem consciência de que só com o envolvimento e a participação de todos os agentes do sector e com a articulação de outras áreas complementares é que será bem sucedido.
“O que se pretende é que a ‘Estratégia Turismo Portugal 2027’ não seja apenas e só um documento indicativo, mas que resulte num caminho partilhado por todos os agentes do sector em que todos decidem o que é preciso fazer e como se chega lá”, diz.
Como é passar de um papel em que tem de defender os interesses de um operador privado para um lugar onde tem que defender todos os agentes do sector?
Não é diferente. O interesse é o mesmo, tanto de privados como do Estado. Às vezes achamos que estão uns de um lado e outros do outro, mas, na verdade, estamos todos do mesmo lado porque tanto o sector público como o privado, o que querem é o crescimento do sector e da economia.
Defende uma estratégia para o Turismo em Portugal e não uma estratégia do Turismo de Portugal.
É uma mensagem para os agentes do sector a pedir maior concertação?
Sim, sem dúvida. É uma mensagem para todos, mas não é para facilitar o trabalho do Turismo de Portugal, antes pelo contrário, porque quando existem coisas claras e concretas é mais fácil. O que se pretende é que a “Estratégia Turismo Portugal 2027” não seja apenas e só um documento indicativo, mas que resulte num caminho partilhado por todos os agentes do sector em que todos decidem o que é preciso fazer e como se chega lá. A razão da frase é exactamente essa e a realização dos Laboratórios Estratégicos para o Turismo (LET) tem esse objectivo:
a participação e colaboração de todos.
Nos LET já realizados sentiu consonância entre os vários agentes do Turismo?
Sim. Nós dividimos este trabalho em três partes, quisemos que esta estratégia fosse o mais abrangente e o mais alargada possível e, por isso, decidimos que tínhamos de consultar os nossos stakeholders, incluindo os internacionais. Lá fora realizámos focus group e em Portugal fizemos os laboratórios regionais e os laboratórios sectoriais, porque temos a consciência de que o turismo não vive só da actividade turística. Há outras matérias que têm de ser discutidas com pessoas que têm nada a ver com o Turismo.
Por exemplo?
O ordenamento do território, o ambiente, a educação e a formação, o empreendedorismo. Sectores fora do Turismo, mas nos quais o Turismo se suporta ou tem uma base ou vive ou convive com elas e muitas vezes até beneficia da organização destas áreas: emprego e formação, inovação, e tendências e mercados internacionais. Desta discussão tentámos que houvesse a máxima representatividade, e abrimos os laboratórios a toda a gente. É nos momentos bons como o actual que se preparam os momentos menos bons. E o modelo pretende ser participativo e colaborativo e definir o que pretendemos para os próximos dez anos e como lá chegar. Obviamente será necessário tomar partido com base no que nos dizem.
A estratégia ainda não está definida, mas certamente terá objectivos que pretende concretizar. Há números?
O objectivo é esse. Para já não significa que ao longo destes dez anos não haja pesos diferentes ou esforços sofre os eixos que pretendemos atacar. Obviamente é uma estratégia composta por vários planos de acção específicos que podem variar consoante o mercado, a oferta, e com a uma série de questões que vão mudando. Pretendemos que a estratégia tenha objectivos e estamos a trabalhar para isso. Eu percebo a importância dos números para aferir os resultados, mas há coisas que não se medem só com números e essas são talvez as mais difíceis e aquelas que provavelmente vão ter efeito a longo prazo.
Quando é que teremos conclusões dos LET, dos focus groups e a Estratégia Turismo Portugal 2027 delineada?
Vamos realizar os últimos laboratórios no final de Outubro e o nosso objectivo é ter a estratégia definida no final do ano para podermos começar a trabalhar logo no início de 2017.
Há grandes assimetrias regionais no sector. Lisboa, Algarve e Madeira continuam a representar quase três quartos das dormidas. É uma questão estrutural com a qual nos devemos conformar?
Não, de forma alguma. É normal que os turistas prefiram algumas zonas. Qualquer país tem os seus destino âncora. Mas nós entendemos duas coisas. A primeira é que até esses têm de estar preparados para outras situações, veja-se o caso do Algarve com a sazonalidade. E a segunda é que temos que tentar estender a riqueza do turismo ao resto do território, até porque o resto do território tem tantas condições como os destino âncora. Agora, também não acho que devemos embarcar no entusiasmo de dizer que tudo é turismo quando não é. Há regiões do país que têm apetência, interesse, mercado e oferta que devem ser exploradas do ponto de vista turístico. Se nos conformarmos com as assimetrias regionais não estaremos a levar a riqueza do turismo a todo o país.
E como é que se combatem as assimetrias?
Consideramos que existem várias vertentes que devem ser equacionadas, tendo em conta os interesses do sector do turismo, mas também os interesses de áreas que já mencionei e onde o turismo toca e se alimenta. É importante garantir que estas áreas têm os factores e vectores que interessam.
A Serra da Estrela é um caso paradigmático. É a única montanha onde se podem praticar desportos de inverno, mas quando neva torna-se inacessível. Não é uma “praia” que está ali por explorar?
Sim. É natural que as pessoas associem a Serra da Estrela à neve, mas porque não visitá-la no Verão? É como o Algarve, que está associado à praia e ao sol, e eu questiono-me porque é que as pessoas não vão ao Algarve no inverno. É devido a estas associações que temos muita sazonalidade e o nosso papel é fazer ver às pessoas que há mais na Serra da Estrela do que neve e mais no Algarve do que sol e mar. É esse que deve ser o novo posicionamento aplicado aos vários produtos turísticos do território. As regiões podem e devem ser exploradas de outra maneira nas diferentes épocas do ano. A Serra pode não ser acessível no inverno e a praia e o sol do Algarve pode não ser tão encantador no Inverno como no Verão, mas ambos têm um potencial enorme para as escapadinhas de fim-de-semana nas épocas às quais estão tradicionalmente mais associadas. Temos de vender os destinos, mas da forma como a procura é estimulada a fazê-lo e não como nós queremos que sejam vendidos.
Todos os anos fala-se na necessidade de um teleférico. Qual é a sua opinião?
Esse investimento não é uma responsabilidade nossa. Além disso, não se pode dizer que se tivéssemos o dobro dos aviões para Faro teríamos o dobro dos turistas. Na verdade, se calhar, com um teleférico ia mais gente para o topo da Serra da Estrela, mas a que custo? E qual é o retorno? Haverá outras alternativas, outros modelos do desenvolvimento do turismo na região? Há muitas questões a responder e considerações a fazer antes da tomada de uma decisão.
Apesar da qualidade, ainda há uma grande dificuldade em convencer os portugueses a “ir para fora cá dentro”?
Sim, apesar de também estarmos a crescer nessa componente há ainda um grande trabalho a fazer. Lançámos recentemente o desafio “Ponha Portugal no mapa” que pretende fazer com que os portugueses façam pequenos vídeos dos locais que visitam, que depois serão usados numa campanha a iniciar em Novembro. Queremos envolver os portugueses no conhecimento do país. Mas temos consciência de que não podemos obrigar os portugueses a fazer férias em Portugal. Compete a cada um procurar uma motivação para fazer férias “cá dentro”. A nós, Turismo de Portugal, regiões, municípios, privados, cabe-nos criar as condições para que as coisas sejam fluídas ao longo do ano.
Os britânicos são os nossos maiores clientes. O Brexit é um risco para o Turismo?
Não. Nos focus groups que realizámos no Reino Unido foi um assunto que esteve sempre em cima da mesa e foi isso que concluímos. Há um relacionamento muito bom entre Portugal e o Reino Unido e temos a mais velha aliança do mundo, que é um potencial que nós vamos continuar a explorar. Não podemos ter receio de algo que nem sabemos como e quando vai ser. Devemos continuar a apostar no Reino Unido e aferir de que forma estamos a vender o nosso produto naquele mercado, se o estamos a vender às pessoas certas e a canalizá-las para os mercados e nichos que desejamos. O Reino Unido é o nosso maior mercado e vai continuar a ser. É ainda muito prematuro falar do Brexit.
Há uma relação positiva entre o aumento das ligações aéreas para Portugal e o crescimento de turistas, mas o aeroporto Humberto Delgado está sobrecarregado. A utilização do aeroporto militar do Montijo é uma hipótese?
Saber se as rotas que temos actualmente são sustentáveis ao longo de todo o ano e de que maneira estimulamos os vários mercados para encher essas rotas preocupa-me mais do que saber se vamos ter um novo aeroporto. Esta é minha preocupação imediata. Em relação a novos aeroportos não lhe sei dizer nada.
Mas não concorda que o aeroporto da Portela está sobrecarregado?
Essa é uma questão que deve ser colocada à ANA – Aeroportos de Portugal. Não me incomodam as condições do aeroporto da Portela. Sei que os aviões chegam e saem a horas e isso deixa-me descansado. O que me incomoda é a existência de mercados que queiram viajar para Portugal e não tenham voos. Isso sim, incomoda-me.
Apesar dos valores recorde, em 2015 registaram-se 49 milhões de dormidas quando temos o dobro da capacidade instalada. Há excesso de oferta, pelo menos em algumas regiões que não as âncora?
Isso é como aquela história do copo meio cheio ou meio vazio. Em vez de excesso de oferta prefiro ver falta de procura.
Mas camas vazias dão origem a problemas de sustentabilidade nas empresas, que é também um problema assinalado pelo Turismo de Portugal.
Não terá havido um crescimento desmesurado da oferta em algumas regiões?
O êxito de alguns empreendimentos em determinadas regiões do país é, de facto, algo que nos preocupa e um dos principais desafios do Turismo de Portugal. Houve alguns projectos que foram elaborados a partir de pressupostos que já nessa altura dificilmente seriam concretizados, mas que ainda assim foram desenvolvidos e financiados, e muita gente saiu prejudicada com isso. Acho que hoje há mais conhecimento e o Turismo de Portugal está a dar ferramentas aos promotores para que saibam exactamente com o que podem contar. Mas é necessário perceber que não é possível ter um hotel no interior do país com tarifas semelhantes às do Ritz Carlton, em Paris. O mercado é o mercado. Não é possível fugir do território e do lugar onde estamos.
O que está o Turismo de Portugal a fazer para ajudar as empresas a melhorarem a sua solvabilidade?
Estamos a trabalhar dando pareceres prévios aos projectos, não só para a estrutura, como para o modelo de negócio e sua operacionalização, e a alertar para a necessidade de ter projectos de acordo com a procura e o mercado da região em causa. Há três meses lançámos o “Travel BI”, que consiste em informação estatística e analítica sobre todos os mercados que nos visitam e que é informação fundamental para os empresários. Com a oferta já existente estamos a direccioná-los para a procura naquelas regiões para conseguirmos fazer um match entre a oferta e a procura. Por vezes, isto passa pela requalificação da oferta já existente, para a qual temos algumas linhas de financiamento abertas. Estamos a tocar em vários pontos e a acompanhar as coisas.
Os baixos salários praticados no sector é outro problema persistente. Qual a estratégia para o mitigar?
Há salários baixos no sector. É uma realidade. Mas também há regiões no país que não têm mão-de-obra suficiente. A questão dos salários baixos tem de ser vista em conjunto com a rentabilidade das empresas. Assim, eu acho que esta situação tem de ser vista como uma valorização comum. Temos de valorizar o trabalho dos colaboradores, estes têm de valorizar o investimento que é feito pelas empresas, neles e nos activos em que eles trabalham, e as empresas têm de valorizar o trabalho que é feito na promoção do destino e na qualificação da oferta. Neste campo, o trabalho passa também pela formação, que deve ser contínua, e pela valorização da profissão do ponto de vista do estatuto, pois são as pessoas que acrescentam valor à experiência do turista. Veja-se o exemplo dos chefs de cozinha. Hoje têm muito mais prestígio que há dez anos porque temos os melhores. Temos de fazer o mesmo com os restantes trabalhadores, e não me refiro apenas aos da hotelaria e restauração, porque o turismo é muito mais do que estas duas áreas. É preciso uma formação alargada e contínua e a retenção dos melhores.