O Presidente da República de Angola, João Manuel Gonçalves Lourenço, recebeu e reuniu na última Terça-feira, 10, no palácio da Cidade Alta, em Luanda, com o seu homólogo de São Tomé e Príncipe, Carlos Manuel Vila Nova.
O encontro foi à porta fechada, não tendo sido feita no final qualquer comunicação à imprensa. Presume-se, no entanto, que a conversa entre os dois estadistas terá corrido em torno de temas de interesse entre os dois países.
Os dois Estados mantêm relações privilegiadas fundadas em laços históricos de amizade e também de causas comuns, com concertação permanente do ponto de vista político, diplomático e uma forte componente económica e comercial. Portanto, terá sido em torno dessa agenda que se desenrolou a conversa entre João Lourenço e Carlos Vila Nova.
Angola e São Tomé e Príncipe cooperam formalmente desde Fevereiro de 1978, através do Acordo Geral de Amizade e de Cooperação. Em 1980, estabeleceram a Comissão Mista Bilateral e em 1995 assinaram o Acordo de Protecção Recíproca de Investimentos.
De recordar que, em 2023, Angola e São Tomé e Príncipe projectaram a assinatura de um acordo histórico de reestruturação da dívida. O “debt swap”, ou seja, troca de dívida por activos, permitirá que São Tomé e Príncipe estanque a dívida de cerca de 340 milhões de dólares.
Na altura, o primeiro-ministro são-tomense, Patrice Trovoada, garantiu, no entanto, que esta troca de dívida por activos rentáveis não será imediata e que fazia parte de uma parceria estratégica com Angola.
Sobre a mesa estão activos do Estado São-tomense considerados rentáveis nos quais Angola assumira posição accionista, nomeadamente a Companhia São-tomense de Telecomunicações, o Banco Internacional de São Tomé e Príncipe e o Hotel Miramar, cujo capital passará a 100 por cento para mãos angolanas, no âmbito do acordo a ser assinado.
A maior dívida de São Tomé e Príncipe para com Angola, cerca de 270 milhões de dólares, tem a ver com o fornecimento de combustível à Empresa de Água e Eletricidade, através da Empresa de Combustíveis e Óleo, na qual o estado angolano é o maior accionista via Sonangol.
Tensão política terá sido também tema de conversa
Entretanto, a tensão política que se assiste em São Tomé e Príncipe, entre o primeiro-ministro e o Presidente da República, que se agudizou com o aumento das taxas aeroportuárias, pode ter sido também tema de conversa entre os dois chefes de Estado, na visita de algumas horas de Carlos Vila Nova a capital angolana, Luanda.
O Presidente são-tomense viu desvalorizado o seu pedido para o Governo reapreciar a medida, segundo analistas.
A resolução aprovada pelo Governo, contrariando um veto político do chefe de Estado, Carlos Vila Nova, fez subir a Taxa Reguladora de 18,16 euros para 20 euros, a Taxa de Segurança, de 4,74 euros para 28 euros, e criou a Taxa de Desenvolvimento Aeronáutico no valor de 62 euros, passando a ser cobradas nos voos de ida e volta para São Tomé, num total de 220 euros.
Para as ligações entre as ilhas de São Tomé e do Príncipe as taxas foram fixadas em 32 euros por passageiro, que, segundo o primeiro-ministro são-tomense, Patrice Trovoada, representa uma redução de cerca de 40%.
Os novos valores foram aplicados contra a vontade do Presidente são-tomense, Carlos Vila Nova, que disse que não promulgou o decreto através do qual o Governo pretendia introduzir a medida porque considerou “que as taxas e os valores aí expressos eram elevados e que prejudicariam de alguma maneira a vida das pessoas”, por isso estranhou que o Executivo tenha optado por avançar através de uma resolução.
De acordo com a Lusa, Carlos Vila Nova instou o Governo a reapreciar a decisão e a encontrar “medidas alternativas para não encarecer ainda mais a vida dos cidadãos, nem tão pouco criar constrangimentos ao desenvolvimento do turismo”, mas o pedido não foi atendido e a medida entrou em vigor em 01 de Dezembro.
Outra situação de desacordo entre o Presidente e o primeiro-ministro, ambos da família política da Ação Democrática Independente (ADI), liderado por Patrice Trovoada, verificou-se em Outubro quando Carlos Vila Nova vetou e devolveu ao parlamento cinco dos seis diplomas sobre a reforma da justiça alegando imprecisões e normas que não estão conforme a Constituição.
Em reação, o primeiro-ministro, Patrice Trovoada, criticou Carlos Vila Nova, sublinhando que o chefe de Estado “não é juiz em matéria constitucional”, sugerindo que, havendo um problema de constitucionalidade, o Presidente deveria pedir a fiscalização preventiva ao Tribunal Constitucional, “que é o único que julga questões de constitucionalidade”.
Dias depois, numa cerimónia na Guarda Costeira, em que também esteve presente o primeiro-ministro, o chefe de Estado fez um apelo aos militares: “Temos de nos rebelar contra certas coisas quando queremos ou temos a vontade de fazer o bem […], a confiança entre o operacional e quem planeia e mantém a estrutura de apoio é fundamental na estrutura militar, pois a linha de comando tem que ser vertical”, disse Carlos Vila Nova, diante das chefias militares.
Quando questionado sobre o propósito do seu discurso, Carlos Vila Nova, explicou que havia necessidade de chamar atenção, enviar mensagem e usar influência de chefe de Estado, face a atitudes que considerou como “uma espécie de entrave” para o país.
Carlos Vila Nova exerce o cargo de Presidente da República Democrática de São Tomé e Príncipe desde Outubro de 2021, sendo também o actual Presidente em Exercício da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
*Napiri Lufánia