Ana Paula Rafael recebe-nos vestida a rigor. Simpática e de braços abertos, convida-nos a entrar no coração da Dielmar. Mas o elegante fato que enverga é um privilégio somente da presidente executiva da empresa.
“O mercado feminino é muito difícil”, diz, dando a entender que o futuro da empresa sediada em Alcains, nos arredores de Castelo Branco, passa pela continuação da aposta que os quatro alfaiates fundadores fizeram quando se juntaram em 1965: a produção à medida de vestuário masculino de qualidade.
A ideia surgiu de Hélder Rafael, um visionário alfaiate e homem de negócios que muito antes da era da globalização vislumbrou as vantagens da consolidação e as oportunidades do mercado externo.
Começou por ter 25 funcionários, mas cinco anos depois teve de mudar de instalações para dar azo às encomendas. Em 1975 já vendia para França, Espanha, EUA e Canadá. Hoje, cinquenta anos depois,
a Dielmar, marca criada em 2001 e cujo nome deriva dos nomes quatro fundadores da empresa (Dias, Hélder, Mateus e Ramiro), é uma empresa à medida do mercado global do vestuário.
Hélder Rafael, com 80 anos de idade, ainda se mantém na empresa como presidente do conselho de administração, mas são os filhos Ana Paula e Luís Filipe que têm nas mãos o desafio de industrializar uma arte pouco compatível com a produção em série. Os restantes fundadores da empresa acabaram por vender as suas participações ao longo do tempo.
Sucesso por medida
Na fábrica, com 15 mil metros quadrados, em Alcains, tudo é feito à medida. A começar pela qualidade da matéria-prima. É nos tecidos que começa o sucesso da Dielmar. Começa-se por verificar o comprimento, a largura, a procurar e a assinalar-se os defeitos, “a solidez do tinto”, como diz a presidente executiva, sublinhando que “é necessário maximizar a optimização do tecido”.
Encontram-se sempre defeitos, mas a temporalidade entre a produção do tecido e da colecção não permite devoluções. “Preferimos detectar e corrigir os defeitos e entregar alguma produção aos clientes do que devolver o tecido e não entregar nada”, explica. Anualmente, a empresa gasta cerca de 4 milhões de euros em matéria-prima, a maioria oriunda de Itália e Reino Unido, com preços que variam entre os 15 e os 1030 euros o metro, como a vicunha, uma lã de um mamífero natural do Perú com o mesmo nome. Vestir Dielmar custa pelo menos 500 euros. A unidade de produção está em constante transformação.
Ao mesmo tempo que guia a FORBES pelos corredores da fábrica, Ana Paula vai indicando as obras de melhoria ali, a nova casa-de-banho acolá, modificações em sempre colaboração com os trabalhadores. Este ano, a grande obra será a construção de uma alfaiataria na qual irão iniciar a formação de alfaiates até ao final do ano.
“A partir de Março teremos connosco um alfaiate italiano para nos ajudar”, diz a gestora. O objectivo é suprir a dificuldade de encontrar profissionais da área. “É uma profissão muito bonita, mas os jovens não se interessam por ela”, desabafa, conformada. Cerca de 35% dos fatos que saem da fábrica são feitos à medida dos clientes que visitam as lojas e os distribuidores espalhados pelo país e pelo mundo.
Na alfaiataria, o próximo a sair era de Jonh Collin, de Nova Iorque.
Feito o corte à medida do norte-americano, as peças – um casaco chega a ter mais de 200 – são preparadas e alinhadas de forma a facilitar o processo de montagem. “Daqui a três ou quatro semanas está lá”, assegura Ana Paula, indicando que diariamente são produzidos cerca de uma dezena de fatos por medida.
A formação é outro dos pontos-chave do sucesso da Dielmar.
Todos os funcionários com influência na produção das 500 “peças de manga” e 750 calças que saem diariamente das linhas de produção são formados de acordo com os parâmetros de qualidade da marca e com método de trabalho da fábrica. Por exemplo, ao contrário do que acontece na generalidade das fábricas de vestuário, na Dielmar trabalha-se de pé. “É uma das duas melhores posições para se estar, a outra é deitado”, explica a responsável.
O método resulta de um estudo realizado pela empresa há alguns anos com o objectivo de melhorar o bem-estar dos trabalhadores, muito suscetíveis a doenças profissionais relacionadas com o elevado número de horas sentados e “os resultados são muito bons”, afirma. A preocupação com o bem-estar dos trabalhadores resulta num bom ambiente de trabalho audível na música ambiente que atenua o frenesim das máquinas em funcionamento e ritma as movimentações dos trabalhadores.
À procura de novos mercados
A Dielmar é hoje uma das poucas resistentes entre as médias empresas do sector das confecções e vestuário no país. Os últimos anos, marcados pela crise económica, têm sido difíceis de costurar. No ano passado, o volume de vendas superou os valores pré-crise, mas a concorrência e a conjuntura macroeconómica não dão tréguas à gestão dos irmãos Rafael. “É impossível aumentar os preços”, explica Ana Paula, mencionando também que a constante alternância da política fiscal e da legislação torna a gestão da empresa muito difícil. Em 2009, a empresa recorreu ao “Fundo autónomo de apoio à concentração e consolidação de empresas” (FACCE), para concretizar alguns projectos, e no ano seguinte adquiriu a rede de lojas Wesley. O FACCE detinha no final de 2014 cerca de 30% do capital da empresa – 2 milhões de euros.
O esforço de expandir o negócio tem sido uma constante através das mais de dez feiras internacionais em que participam (este ano já estiveram presentes na Pitti Uomo, em Florença, Itália). “São necessários cerca de dois anos de trabalho e muito investimento para entrar num novo mercado”, explica a gestora.
Actualmente, a Dielmar exporta para 25 países, com destaque para Espanha, França, Reino Unido, Irlanda, EUA e Brasil, o único mercado maduro da empresa na América Latina. “Temos feito feiras na Colômbia, onde já estamos a trabalhar há ano e meio e já estivemos também no México”, diz Ana Paula. Estiveram para abrir uma loja em Angola, mas a conjuntura económica fê-los recuar. Em Portugal, é também a conjuntura económica que marca o passo da expansão da empresa.
A marca pretende aumentar o número de lojas através de joint-ventures e franchising, e têm-se esforçado por conquistar o público através da associação a “embaixadores” da portugalidade, como a Federação Portuguesa de Futebol e os três maiores clubes de futebol do país, e a eventos como o Estoril Open e o Expresso BPI Golf Cup. Ana Paula e Luís Filipe Rafael têm consciência das dificuldades que enfrentam. “Ninguém no seu perfeito juízo abre uma empresa destas em Portugal”, diz a advogada de formação, mas existe nela a convicção de que o trabalho que têm vindo a realizar está a começar a dar frutos.
Uma grande família
Em 2015, a Dielmar encerrou o ano com cerca de 400 funcionários, todos de Alcains e das aldeias vizinhas. Alguns conhecem-na desde criança, outros foram criança com ela. “Temos aqui famílias inteiras”, diz a gestora. No total, a Dielmar estima ser responsável pelo rendimento directo e indirecto de 1500 pessoas, o equivalente a um terço da população da vila, o que atribuiu uma responsabilidade social acrescida à companhia. No entanto, estar em Alcains tem um preço a pagar.
Estar no interior do país, longe do principal mercado nacional (Lisboa) e dos principais pontos de logística para a empresa tem os seus custos. A dificuldade de contratação de quadros médios e superiores é uma delas. Além dos alfaiates em extinção, os engenheiros têxteis, os designers e as modelistas não abundam na zona. “Estamos actualmente a contratar costureiras e até nesta área estamos a ter dificuldades”, diz a gestora, apontando o foco de emigração recente como causa. “Começam por ir os maridos e depois as mulheres vão ter com eles. É assim. No ano passado perdemos muita gente para a emigração”, explica. Mas não é só no capital humano que a Dielmar sofre as dificuldades do interior.
A distância dos principais centros logísticos é “ uma dor de cabeça”, diz Ana Paula. A deslocação dos clientes internacionais à fábrica é onerosa em tempo e dinheiro, o que obriga a gestora a deslocações à capital uma ou duas vezes por semana. Além disso, tem de contar com a ausência de prestadores dos serviços necessários à actividade da empresa. “Quando temos de contratar alguém de Lisboa, só a deslocação são 300 euros”, exclama. No total,
a empresa avalia o custo com a interioridade em 100 mil euros por ano, mas sair da vila beirã não faz parte dos planos futuros da empresa. Recentemente foi convidada a mudar-se para um concelho vizinho, mas não aceitou apesar de lhe oferecerem as instalações, o parque de máquinas e a electricidade durante dois anos.
“Confesso que em 2009 fiz as contas para ir para a China e os números eram bons: um ano de salários lá era o equivalente a um mês e meio aqui. Mas, sair daqui? Claro que não. O que é que aconteceria a estas pessoas. Ia tudo para o desemprego. Não há trabalho para elas. Nós temos cá famílias inteir a trabalhar connosco há vários anos. Temos a mãe, o pai, a filha, o genro, a nora… não é uma decisão fácil”. Para Ana Paula, enquanto a Dielmar se mantiver competitiva, Alcains será a sua casa.