O presidente do conselho de administração da Empresa Portuária de Luanda recebeu no seu gabinete a equipa da FORBES ÁFRICA LUSÓFONA e colocou-se a disposição para falar, entre vários assuntos, da “revolução” que está a ser operada para transformar o Porto de Luanda numa referência em África e não só. A conversa com o gestor, formado na Rússia em Engenharia Económica de Transportes, foi abrangente a aspectos de índole pessoal, tendo Alberto Bengue se assumido como um humanista: “[…] sempre primei pelo bem-estar das pessoas”, garante.
Tornar o Porto de Luanda mais eficiente em termos de prestação de serviços foi um dos desafios a que se propôs, quando assumiu a presidência do conselho de administração. Que Porto de Luanda Temos hoje?
Comparando com os anos anteriores estamos muito melhor, mas o processo de melhoria contínua mantém-se. Hoje temos um sistema de Gestão da Comunidade Portuária a que designamos Janela Única Portuária (JUPII), onde todas as entidades e empresas trocam informações. Isso fez com que se diminuísse o tempo da tramitação dos processos, se acabasse com a burocracia, se desmaterializasse e culminou com a redução de custos em todos os sentidos. Implementamos também um Portal de Pagamentos, exclusivo aos Clientes do Porto de Luanda, onde o utente tem a facilidade de pagar todos os serviços Portuários em qualquer lugar. Estas são apenas algumas das várias acções que já desenvolvemos neste sentido.
Na prática, que investimento tecnológico foi feito na empresa, nos últimos anos, e em quanto está avaliado?
Foram vários. Mas o destaque vai mesmo para a implementação da JUPII e outras actualizações contínuas que custaram pouco mais de 1,2 mil milhões de kwanzas.
Mas, ainda assim, continuam-se a registar queixas sobre alguma burocracia no Porto de Luanda…
Ainda não resolvemos como queremos, mas hoje temos o Porto de Luanda mais eficiente, fruto dos investimentos realizados em tecnologias de informação e comunicações, além de, optimizarmos a interface com a Administração Geral Tributária (AGT), bancos comerciais e terminais, de forma a tornar mais fluída a comunicação da cadeia. O sistema do Porto hoje está parametrizado de forma que o despachante ou transitário possa inserir os dados referentes ao seu processo ou mercadoria, sem precisar se deslocar ao Porto. Como referi, ainda não atingimos o ponto que pretendemos, mas seguimos nesta direcção.
De um modo geral, como descreve a actividade desenvolvida pelo Porto de Luanda?
O Porto de Luanda vai sofrendo mudanças, ano pós ano. Nos anos anteriores, nós tivemos que estagnar um bocadinho. Não fosse isso, o que estava programado era deslocarmos [a infra-estrutura portuária] em Julho deste ano para a Barra do Dande e transformarmos o espaço em que nos encontramos actualmente numa zona comercial.
O que foi que faltou para que tal se efectivasse?
Temos agora luz verde para desenvolvermos o Porto, razão pela qual temos vários projectos em carteira que poderão ser anunciados brevemente e que irão determinar os grandes passos fundamentais para desenvolver o Porto, não só em termos de formação de pessoal, mas também em termos tecnológicos, em termos de modernização do próprio Porto, para podermos competir com os portos da região e com os portos do mundo no seu todo.
De que projectos a anunciar brevemente se refere?
Com a abertura que nos foi dada pelo Executivo, primeiramente nós começamos por redesenhar o Plano de Ordenamento do Porto de Luanda. Está concluído, já foi submetido à tutela. Tivemos de fazer um reajuste, porque a área de jurisdição do Porto de Luanda provavelmente irá alterar no futuro, isto dentro do Plano de Ordenamento.
O que prevê o Plano de Ordenamento?
No anterior Plano de Ordenamento, a jurisdição do Porto de Luanda começava pelo Farol da Ilha de Luanda até o Farol das Lagostas, na zona de Cacuaco. Portanto, nós esticamos até a foz do rio Bengo. Mas agora, com o desenvolvimento do projecto da Zona Franca da Barra do Dande, há toda uma necessidade de a gente alargarmos a nossa área de jurisdição do Porto até a Barra do Dande, razão pela qual tivemos que redesenhar outra vez o nosso Plano de Ordenamento, que já foi remetido à tutela, devendo a partir daí seguir os trâmites normais para ser aprovado a nível do Conselho de Ministros. Este é um passo.
E qual é o outro passo?
O segundo passo foi concebermos um business plan mais adequado e ajustado, com base nas novas tecnologias que os outros portos do mundo têm estado a realizar. Portanto, passamos primeiro por um plano de negócios, tivemos que refazer o Plano Estratégico do Porto de Luanda, terminamos o primeiro e passamos agora para o segundo, que também vai à aprovação. Concluímos também já o Plano Director do Porto de Luanda, vamos modernizar alguns terminais, fundamentalmente os terminais de contentores, com tecnologia de ponta.
Quanto é que preveem gastar para concretizar estes projectos?
O valor a ser aplicado é de 51,6 mil milhões de Kwanzas, conforme orçamento aprovado. Entre 70 a 80% dos projectos previstos serão suportados por nós, com base nas nossas receitas, e o resto com recurso ao financiamento bancário.
Até quando é que poderemos ver muitos destes projectos concretizados?
Boa parte destes projectos, caso não existam nenhum obstáculo de índole administrativo, estarão concluídos ao longo de 2022. Daí seguir-se-ão os projectos que levam mais tempo, de três a cinco anos, como o que tem a ver com o alargamento do cais, por causa da tipologia do próprio investimento, que deverá ser feito em três fases. Tudo isto consta do Plano Director do Porto de Luanda.
O sistema do Porto hoje está parametrizado de forma que o despachante ou transitário possa inserir os dados referentes ao seu processo ou mercadoria, sem precisar se deslocar ao Porto.
A atribuição para gestão do Terminal Multiuso à multinacional Dubai Ports World (DP World), por um período de 20 anos, esteve envolta em alguma polémica. Face a isso, qual é o posicionamento do senhor enquanto PCA do Porto de Luanda?
O Processo em questão foi inteiramente conduzido pela tutela [Ministério dos Transportes]. Entretanto, é de grande valia ter um parceiro como a DP World, um operador logístico de “craveira” internacional, a operar um dos nossos mais importantes terminais. Auguramos bons tempos para o terminal e para o Porto de Luanda. O que posso dizer é que foi constituída uma comissão de avaliação de contrato independente. A administração do porto não fez parte da mesma e fê-lo muito bem, porque se nós fizéssemos parte interferíamos em vários aspectos técnicos e administrativos.
Acha que os critérios de avaliação da dita comissão foram imparciais?
Não posso comentar sobre os critérios, ou como decorreu o processo, por não termos feito parte da comissão, mas o importante para nós é que temos uma empresa de renome internacional como operador do terminal e como operador logístico. A DP World está entre os maiores operadores de terminais do mundo.
O que é que o Porto de Lunda ganha em concreto com a entrega da gestão do Terminal Multiusos à DP World?
Cerca de 50% da carga contentorizada é movimentada por aquele terminal, que tem uma profundidade de 12,5 metros, superior aos demais, que não passam dos 10 metros. A profundidade que o Terminal Multiusos tem permite com que os maiores navios atraquem aí. E tem mais: eles [DP World] irão também realizar investimentos para o aumento da profundidade do calado para -14 ou -16 metros, o que irá permitir maior competitividade entre o terminal multiuso como o terminal adjudicado a Sogester. Serão dois gigantes a trabalhar, o que será melhor para nós, porque o que esperamos é melhor prestação de serviços e mais carga para o nosso porto.
“Prevemos crescer 3,2% este ano”
O ano 2021 apressa-se a terminar. Que balanço se pode fazer em termos de resultado já alcançados até ao momento?
Em termos financeiros, no primeiro trimestre do ano em curso foi arrecadada uma receita de 21,5 mil milhões de kwanzas, menos 1,5 mil milhões de kwanzas, comparativamente ao período homologo do ano passado. Noutra vertente, no primeiro trimestre de 2021, ainda marcado pela continuidade da pandemia da Covid-19 a nível mundial, no Porto de Luanda registou-se uma produção geral acima dos 1,6 milhões de toneladas, contra pouco mais de 1,5 milhões de toneladas registadas em 2020. Em termos comparativos houve um aumento de 61.061,85 toneladas, o que representa um crescimento na ordem de 4%.
O que é que isto significa?
Isto indica-nos que já há alguma luz no fundo do túnel. Significa dizer que no primeiro semestre e no segundo teremos uma margem de cerca de 7 milhões ou 8 milhões de toneladas no Porto de Luanda, que é um indicador bastante positivo, apesar de que foi sempre nossa ideia atingirmos as 9 milhões de toneladas.
Quais são as projecções em termos de resultados para o presente ano?
Em termos financeiros, para o ano em curso, a previsão segue em linha com a recuperação económica do país. Além disso, o planeamento é promissor. Estão em curso novas plataformas, no sentido da diversificação do negócio, sempre em alinhamento com a diversificação económica do país. Em termos comerciais para o ano de 2021 foi projectado um crescimento de 3,2%, sobre a receita arrecadada no ano passado [79,5 mil milhões de kwanzas], em face ao período de pandemia que atravessamos. Prevemos crescer 3,2% este ano.
Nós agora somos bastante rigorosos e, desde 2015 que instituímos o Comité de Ética, coramos com estes males [corupção].
Como é que o porto se posiciona na estratégia do Governo de desenvolvimento económico e social do país?
Posiciona-se como um parceiro do Governo, que exerce uma função essencial no presente e futuro do país, dando suporte à retoma da economia. O sector portuário nacional desempenha um papel fundamental no contexto económico do país, contribuindo directa e indirectamente para a criação de emprego, para o investimento interno e para o desenvolvimento económico. Devo dizer que o Porto de Luanda é uma grande empresa estratégica do país. Cerca de 80% da carga de importação para Angola passa pelo Porto de Luanda. Temos estado a contribuir muito para as receitas do país, mediante o pagamento de impostos, para o crescimento do PIB, embora não tenhamos os dados estatístico para o provar.
O que fazer para que o Porto de Luanda possa competir de igual para igual com os congéneres da região, sobretudo com os da lusofonia?
O Porto de Luanda procura manter uma gestão eficiente dos seus recursos e uma prestação de serviços de qualidade. Existem países lusófonos que ainda estão numa dimensão de porto ferramenteiro, quando nós já a abandonamos. A nossa perspectiva é de nos equiparmos a portos mais competitivos e eficientes em termos de gestão e recursos, para cada vez mais contribuirmos no crescimento da economia do país.
O país vive uma era de combate a corrupção em que se pode inserir o tráfico de influência e abuso de autoridade. Até que ponto estes males afectaram o desenvolvimento da actividade portuária, particularmente em Luanda, num passado não muito distante?
Nós, com relação ao combate da corrupção, desde 2015 que instituímos um Comité de Ética, que vela basicamente por questões relacionadas com o respeito, responsabilidade e até o combate a corrupção. Este facto [instituição do Comité de Ética], por si só, não nos permite que entidades corruptas ou corruptoras penetrem no seio da administração, razão pela qual fomos aceites pelas Nações Unidas e tornamo-nos membros da Glopbal Compact, uma instituição da ONU que vela pelo combate a corrupção, o ambiente de trabalho e outros aspectos.
Isto quer dizer…
Quer dizer que a nível da Empresa Portuária de Luanda o combate a corrupção vem merecendo a atenção da gestão do topo desde a altura da implementação do seu Código de Ética, lançado publicamente em Junho de 2015. Apesar da corrupção ser um mal transversal que afecta a sociedade angolana, podemos afirmar que este fenómeno não afectou o desenvolvimento da actividade portuária, na medida em que mantivemos o curso normal das nossas actividades e projectos.
Está com isso a querer dizer que a corrupção não faz morada no Porto de Luanda…?
Se já houve [corrupção] não posso afirmar. O que posso dizer é que, desde a altura em que passei a fazer parte do conselho de administração nunca notei isso (risos). Acho que se está a referir daquela altura em que as cargas saiam do Porto de Luanda,quase sem controlo, mas isso já foi combatido. Na altura isso [Porto de Luanda] era um pandemónio, mas agora não. Nós agora somos bastante rigorosos e, desde 2015 que instituímos o Comité de Ética, coramos com estes males [corupção].
Mas, que paralelo se pode fazer do desempenho do Porto de Luanda entre o período antes e depois de 2017?
O sistema de segurança tornou-se muito mais funcional, relativamente aos anos anteriores, porque, na altura, o Porto de Luanda tinha as suas fragilidades. As tecnologias de informação começaram a funcionar e inibiu qualquer falsificação de documentos, por exemplo.
Colocando a questão de outra forma, o que é que o Porto perdia antes e o que deixou de perder agora?
O Porto antes perdia muito dinheiro. Não consigo quantificar, mas antes perdia muito dinheiro. Hoje não, porque as coisas são feitas com todo o profissionalismos e rigor, com recurso tecnológico.
“Pretendo ser um grande consultor para as questões marítimas e portuárias”
Indo agora para questões de fórum mais pessoal, como é que descreve o seu ADN enquanto pessoa e enquanto profissional?
Para dizer a verdade, na minha infância, eu fazia barcos de papel e atirava na água. Brincava sempre com barquitos de papel. Por isso, admirou-me bastante quando foi anunciado que eu tinha que partir para a Ucrânia e licenciar-me em Engenharia Económica de Transportes. Eu aí estudei transportes multimodal [a, terrestes, marítimo-portuário, aéreos, rodoviário, ferroviário] e até a componente logística. Então, quando regressei, optei por vir para o Porto de Luanda, porque gostava muito de barcos e daí comecei a ter aquela vontade de sempre trabalhar com barcos, navios e portos. Gosto muito da minha profissão e este é o meu hobby todos os dias: investigar sobre portos. Paralelamente a isto, nos tempos livres também gosto de partir para a minha quinta, porque também sou um pequeno agricultor.
O que acha que foi fundamental para chegar ao lugar que ocupa hoje?
São questões que normalmente não dependem de mim, do meu caracter individual, mas penso que a experiência e o sucesso e também o grau demostrado, em termos de profissionalismo, fez com que as pessoas me indicassem para atingir este patamar que me encontro até ao momento.
Anseia ir mais longe ou está satisfeito com o nível de hierarquia que já atingiu?
Anseio e irá depender do desempenho que demostro e continuo a demostrar no Porto de Luanda. Quer dizer, o futuro ditará as regras. portanto, só o futuro poderá dizer se de facto posso ou não posso atingir os grandes patamares se deseja. Mas a verdade é que eu sou um quadro do porto, continuarei sempre no Porto de Luanda.
Aonde gostaria de chegar?
Na verdade pretendo ser um grande consultor para as questões marítimas e portuárias, não sou para o Porto de Luanda, mas para os portos de Angola e, quiçá, para os portos dos PALOP, os portos da África, aliás sou quase membro de várias instituições portuárias e marítimo-portuárias, que normalmente convidam-me pra apresentar algumas ideias, proferir algumas palestras, participar de discussões e isto também é uma das questões de grande relevância com relação ao doutoramento que estou a fazer na região de Aveiro, em Portugal.
Os aspectos de índole social são os que eu muito mais seguro.
Como gostaria de ser lembrado enquanto responsável máximo do Porto de Luanda?
Que as pessoas me definam como um líder que, de facto, veio mudar algumas questões, que velou pela progressão e desenvolvimento da nossa empresa, porque nós temos agora grandes projectos em carteira que iremos lançar para desenvolver o Porto de Luanda. Assim sendo, deixarei eu, de facto, aquele meu legado como alguém que criou, com a colaboração de todos os membros do conselho de administração, de toda a equipa portuária, de todos trabalhadores, ideias para desenvolvermos o Porto de Luanda.
Que valores lhe são muito queridos e dos quais não abdica por nada?
Amar o próximo. Eu desejo e sempre primei pelo bem-estar das pessoas, fundamentalmente aqui na empresa. Os aspectos de índole social são os que eu muito mais seguro. Segurando o homem, a gente consegue dar passos mais seguros para o desenvolvimento da nossa empresa.