Quando, há dez anos, Rui Broega chegou ao topo da gestão de fortunas no Banco de Investimento Global – ou BiG, como os responsáveis da instituição preferem –, o mercado parecia impenetrável. A Caixagest, a unidade de gestão de ativos da Caixa Geral de Depósitos, e a F&C Portugal, então ligada ao Millennium bcp, já controlavam mais de metade das grandes fortunas portuguesas, avaliadas em 65 mil milhões de euros.
Os clientes da gestão de patrimónios do BiG não somavam 38 milhões de euros, ou seja, cerca de metade de uma milésima do mercado. “Em 2008, a gestão de carteiras era incipiente” no BiG, lembra Rui Broega, que, na altura, apresentou um plano de reestruturação para a área. “Não foi fácil de passar internamente. Era um plano muito ‘romântico’, como diziam na altura”, recorda.
O objectivo era simplificar, reformular os perfis dos clientes e criar uma história de gestão para apresentar aos clientes. Pouco tempo depois de tomar o posto de director de gestão de activos, o banco norte-americano Lehman Brothers entrou em falência e deu o sinal de arranque para a crise financeira que se seguiu. “Foi uma altura complicada, mas a crise acabou por ser um facilitador, porque permitiu eliminar muita gordura que existia com pouco sumo para os clientes”, explica Rui.
Menos de duas semanas antes da falência, a Optimize Investment Partners conseguiu o registo junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários para a gestão de fortunas. Diogo Santos Teixeira, director de investimentos da sociedade, recorda os momentos difíceis que decorreram de uma velocidade de angariação de clientes mais reduzida do que esperavam.
“Atingimos o break-even [equíbrio entre receitas e despesas] em quatro anos”, mais de um ano depois do que projectavam inicialmente. “O ano suplementar foi devido à crise, mas também porque retraímos as nossas despesas de marketing.”
O que Rui Broega e Diogo Santos Teixeira não sabiam em 2008 era que o suposto impenetrável mercado da gestão de fortunas se iria tornar muito mais permeável. Em Março desse ano, o terceiro maior gestor de patrimónios em Portugal era o grupo Banco Espírito Santo, que somava, através das suas várias unidades, mais de um quinto do mercado.
E não era o único que iria desaparecer ou ser reformulado: o Banco Privado Português (BPP), o Banco Português de Negócios (BPN) e o Banif geriam, conjuntamente, 60 vezes mais do que o BiG em 2008. “Não escondo que temos vindo a usufruir dessas oportunidades. Não foi só com o BES; foi com os erros que outros gestores também fizeram essencialmente em carteiras de perfis de risco mais defensivo, que tinham activos mais tóxicos e que não eram adequados às tipologias daquelas estratégias”, explica Rui. “Acabámos por ser beneficiados pelo efeito de substituição e de diversificação. Eu diria que o cliente português se viu forçado a substituir e a diversificar a gestão da sua carteira.”
Diogo Santos Teixeira, da Optimize, defende que “a crise mostrou a importância da ausência de conflitos de interesse, nomeadamente no que toca à dupla função da banca enquanto angariador de activos e investidor”.
Os executivos da Optimize, incluindo Diogo, controlam cerca de três quartos do capital da firma, enquanto o restante é partilhado por investidores portugueses e franceses.
Entre 2008 e 2014, quando o BES foi resolvido pelo Banco de Portugal, o percurso não foi fácil para a Optimize, nem para o BiG. O negócio nacional da gestão de fortunas atingiu o auge a meio do caminho: os patrimónios geridos pela indústria portuguesa ultrapassaram 70 mil milhões de euros em Março de 2010, pouco mais de um ano antes da Troika — Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia — ter entrado em Portugal com assistência financeira. Nessa altura, o BiG de Rui Broega e a Optimize de Diogo Santos Teixeira, que tinham 43 milhões de euros e 18 milhões de euros sob gestão, respectivamente, ainda estavam na cauda do mercado.
Optimizador nato
Depois de se licenciar em Economia no Instituto Superior de Economia e Gestão, Rui Broega entrou no BiG em 2001 no departamento de custódia e liquidez. Rapidamente subiu para outro departamento. “A minha história na gestão de activos começa comigo a comprar um livro de VBA [Visual Basic for Applications] na Amazon, porque tinha tarefas rotineiras no backoffice dos fundos”, recorda.
Através de programação, Rui extinguiu o seu próprio posto de trabalho. “A minha estadia lá foi rápida, porque ao fim de dois meses o meu trabalho fazia-se em uma hora sem erro humano.” Chamaram-no, depois, para optimizar a gestão dos dois fundos de acções geridos pela sociedade gestora de fundos do banco: o Big Crescimento Global, que investia em acções tecnológicas, e o Big Eurocapital, de acções europeias.
“Ainda não se falava em fundos de gestão passiva, mas era quase o que eu fazia: geria os desvios face a um benchmark”, como o índice Euro Stoxx 50.
Depois de estourar a bolha tecnológica – que levou o Big Crescimento Global a perder 50% em 2002 –, o interesse dos investidores pelos fundos do BiG desvaneceu-se. Rui Broega continuou o seu percurso pelos corredores do banco: entrou para a equipa de gestão de carteiras e administrou valores na carteira própria do banco, levando-o a participar em vários mercados, das acções e obrigações passando pelos câmbios e pelas mercadorias.
Desde o pico em 2010, as sociedades portuguesas que gerem as fortunas dos portugueses – além de gestoras de patrimónios puras, bancos, gestoras de fundos, corretoras e sucursais de entidades estrangeiras – perderam um décimo do montante que administravam.
Foi com esse conhecimento acumulado que chegou à direcção da gestão de activos do BiG. O seu objectivo: optimizar as estruturas financeiras disponíveis aos clientes. “A minha primeira tarefa não foi preocupar-me em criar coisas, mas em eliminar coisas que não fizessem sentido, para que, no futuro, o banco criasse um historial robusto”, afirma.
Na busca pela simplificação da gestão de patrimónios, Rui Broega focou-se mais na gestão dos riscos do que em alcançar rentabilidades estonteantes. “Assumimos claramente que não somos gestores para andar a concorrer com os duplos dígitos de retorno, com alavancagens e com estruturas muitos complexas e ofuscas”, esclarece.
“Antes de sermos gestores de activos, primeiramente somos gestores de risco.” A táctica começou a dar frutos. Primeiro, a equipa de vendas, distribuída pelos balcões do BiG, começou a ter mais confiança na gestão de fortunas liderada por Rui Broega para a aconselhar aos potenciais interessados. Depois, vieram os clientes e, mais tarde, os reforços monetários desses mesmos clientes.
Foco no risco
Desde o pico em 2010, as sociedades portuguesas que gerem as fortunas dos portugueses – além de gestoras de patrimónios puras, bancos, gestoras de fundos, corretoras e sucursais de entidades estrangeiras – perderam um décimo do montante que administravam.
O BiG, por seu turno, multiplicou o montante das carteiras dos clientes por dez, completamente em contraciclo: no início de 2018, Rui liderava a gestão de 441 milhões de euros. A este montante somava-se cerca de 50 milhões de euros de capitais no Luxemburgo aos quais o BiG prestava aconselhamento. O BiG não foi o único a crescer num cenário de queda do negócio, em que o número de sociedades que gerem fortunas desceu de 51 para 35. A Optimize multiplicou os activos administrados por seis. “Poucos dias depois da Troika chegar a Lisboa, constituímos uma estratégia – que ninguém apresentava aos seus clientes – de carteiras de dívida pública portuguesa”, recorda Diogo Santos Teixeira.
Pouco depois, assinaram um protocolo com a Proteste Investe, ligada à associação de defesa dos consumidores Deco, para oferecer condições mais favoráveis aos associados. “Isso foi um ponto de partida para mostrar aos portugueses que a Optimize era capaz questionar as condições do mercado e propor produtos diferentes que iam ao encontro das vontades dos clientes. Foi um enorme sucesso”, diz o director de investimentos, recordando que as taxas de juro implícitas nos negócios sobre dívida pública a dez anos chegaram a ultrapassar 15%.
Os clientes foram ficando quando perceberam a gama de soluções da Optimize. Desde Março de 2010, o Millennium bcp também conseguiu multiplicar por seis os activos administrados pela direcção de gestão de patrimónios, chamada internamente de Wealth Management Unit (WMU). “Conseguimos [este crescimento] através da consistência da apresentação do serviço, do aconselhamento e do desempenho ao longo do tempo. Conseguimos fazer com que os clientes fossem reforçando as carteiras”, explica Nuno Botelho, que dirige a unidade desde a sua criação, em Londres.
O executivo estava em Londres, coração financeiro da Europa, quando estalou a crise financeira mundial. Há um outro factor que ajudou o Millennium bcp: a subida da Bolsa. Enquanto a indústria de gestão de fortunas aplicava menos de um décimo dos patrimónios nos mercados accionistas ao longo dos últimos oito anos, os portefólios dos clientes do Millennium bcp tiveram sempre entre 10% e 60% dos montantes expostos às acções. “A valorização das carteiras é relevante”, alerta Nuno.
As acções mundiais renderam, em média, 65% nos últimos cinco anos. Cerca de 60% do dinheiro gerido pela WMU do Millennium bcp são carteiras administradas directamente pela equipa de Nuno Botelho. Quase toda a restante fatia está em seguros ligados a fundos de investimento colocados na rede de retalho do banco.
Em qualquer uma das modalidades, o património é aplicado em fundos de investimento geridos por entidades terceiras. “A venda da unidade de gestão de fundos foi uma vantagem para a nossa independência”, afirma Nuno. O Millennium bcp vendeu essa unidade ao grupo espanhol CIMD em 2015.
O peso dos institucionais
Até 2015, a gestão de fortunas do BiG resumia-se aos clientes particulares, em complemento da oferta de produtos e de serviços via Internet. “É um negócio de passa-palavra. Temos desempenhos interessantes em alguns produtos, mas não é por isso que se vê publicidade feita por nós.
O passa-palavra é o nosso mecanimo preferencial de marketização do nosso produto”, indica Rui Broega. Diogo Santos Teixeira confirma que o passa-palavra é um mecanismo fundamental de crescimento para os gestores sem o apoio de uma vasta rede bancária. “A recomendação dos próprios clientes, que falam aos seus amigos e familiares, começa a ser o canal de angariação mais importante”, a par das redes sociais, revela o director da Optimize.
Cerca de 15% dos novos clientes vêm da parceria com a Proteste Investe. Mesmo tendo uma vasta rede de balcões, o Millennium bcp não contou com essa presença para acelerar o crescimento da WMU. “A rede de retalho representava 70 milhões de euros de gestão discricionária no final de 2017. Não tinha muita expressão”, revela Nuno Botelho. Esse montante era menos de 3% do total sob administração. “A porta de entrada dos clientes é essencialmente o private banking”, acrescenta o director do Millennium bcp.
Para ser cliente de private banking do banco é preciso ter um património acima dos 350 mil euros. É em 2015, quando já está a beneficiar da queda do BES, que o BiG transpõe mais uma barreira: faz o primeiro contrato de grande dimensão com um cliente institucional. Nesse ano, os activos administrados pela equipa de gestão de fortunas do banco aumentaram para o triplo. Seguiram-se mais três grandes contratos institucionais.
O mercado dos clientes institucionais – como fundos de pensões e companhias de seguros – é crucial para os gestores de fortunas. Embora apenas um em cada cinco clientes deste negócio seja institucional, o montante das carteiras institucionais representa 98% do total, segundo estatísticas da Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios.
Os maiores clientes de gestão de patrimónios da Caixagest, o líder de mercado, são unidades ligadas ao grupo Caixa Geral de Depósitos, como a CGD Pensões. A F&C Portugal, que agora usa a marca BMO Global Asset Management, apenas tem clientes institucionais, em particular ligados ao Millenniumbcp Ageas, o grupo segurador do Millennium bcp e da seguradora belgo-holandesa Ageas. Quando a Ocidental Pensões, que pertence a esse grupo, precisa de ajuda a administrar os valores do fundo de pensões do Grupo BCP, que, com 3,4 mil milhões de euros, é o maior português, pede apoio à equipa da BMO.
Para convencer os investidores institucionais, Rui Broega volta a vestir o fato de gestor de risco antes da farda de gestor de activos. “Fazemos relatórios diários de risco [para os clientes institucionais].
Temos o que nós chamamos de ‘Armageddon test’: 22 cenários, baseados em experiências passadas, como o 11 de Setembro, no qual extrapolamos o comportamento dos activos em carteira para sabermos, a todo o momento, o que poderemos esperar amanhã se voltasse a acontecer”, explica Rui. “Temos mais interesse em destacar eventos negativos do que eventos de subidas de preços. Estamos primeiramente interessados em saber em quanto isto pode correr mal se estivermos errados”, acrescenta.
O crescimento não está esgotado, embora seja difícil manter o ritmo, confessa Nuno Botelho, do Millennium bcp. “Continuamos a ter um ambiente positivo para o crescimento: taxas de juro muito baixas e que não deverão subir significativamente, não há questões de liquidez e os bancos têm algum incentivo em desintermediar.”
O mercado dos clientes institucionais – como fundos de pensões e companhias de seguros – é crucial para os gestores de fortunas. Embora apenas um em cada cinco clientes deste negócio seja institucional, o montante das carteiras institucionais representa 98% do total.
Apesar do recorde de crescimento do BiG, Rui Broega também não cruza os braços. “Enquanto 60% do aforro nacional estiver em Certificados do Tesouro e depósitos a prazo, temos espaço para crescer”, afirma o gestor responsável por fortunas de cerca de quatro mil clientes. “Nos próximos cinco anos poderemos quadruplicar [o montante gerido actualmente], o que seria 1,5 a 2 mil milhões de euros.
Conseguiremos sendo competentes e continuando a fazer este trabalho.” Essa dimensão colocaria o BiG na sétima posição na lista das maiores gestoras de patrimónios. Está agora em décimo segundo.
O crescimento não é uma opção, mas uma necessidade. “Uma gestora para ser saudável precisará de gerir mais de 500 milhões de euros nos próximos dez anos”, calcula Diogo Santos Teixeira, que aponta duas razões: o aumento dos custos fixos – decorrentes de alterações regulamentares – e a redução das comissões cobradas – por força do aumento da transparência. “Vamos ter de comunicar anualmente os custos na gestão de carteira aos clientes”, explica Diogo.
“Voltar a multiplicar por seis [os activos geridos] não me parece completamente absurdo”, calcula o director da Optimize, que não exclui oportunidades de concentração com concorrentes ou, mesmo, outras entidades com quem possam aproveitar sinergias comerciais e de marketing. Também estão a ponderar a internacionalização.
“Estamos a olhar primeiro para o mercado espanhol.” Diogo não descarta outros mercados, como França, onde nasceu, estudou e fez a sua própria fortuna com uma empresa de Internet.