São 400 camiões por dia na freguesia de Lousado, em Vila Nova de Famalicão, que entram e saem da Continental Mabor.
E serão cada vez mais por via do reforço da vocação exportadora. Há obras por todo o lado, a produção trabalha para os 18 milhões de pneus e o projecto LousAgro começa a ganhar forma para, no final do ano, ter os pneus agrícolas em fase de teste. Será por aqui que passará grande parte do futuro da fábrica. O pontapé de saída do LousAgro foi dado logo a seguir à assinatura do contrato de investimento entre a Continental Mabor e o Estado português, em Junho. Em cima da mesa está a intenção de criar, ainda este ano, os primeiros 50 postos de trabalho, mas a empresa comprometeu-se a gerar 125 empregos até final de 2017. A entrada em produção acontecerá no início do próximo ano, tendo por destinos a Europa e os EUA. Contudo, ainda este ano surgirão os primeiros pneus agrícolas, que irão para teste.
Se em 2015 a empresa investiu cerca de 48 milhões de euros (valor semelhante ao do ano anterior), este ano subirá a fasquia para perto de 100 milhões. Só para o projecto LousAgro, que implica a construção de uma unidade de pneus radiais agrícolas, são 49,9 milhões de euros.
E quase outro tanto respeita a empreitadas de vária ordem. Por isso, tudo leva a crer que Pedro Carreira, presidente executivo da Continental Mabor, suplantará os números de 2015, que por si só já foi um ano de recordes. Pela primeira vez, a empresa ultrapassou os 800 milhões de euros de volume de negócios, a par do resultado líquido, que foi além dos 240 milhões de euros. “Estes resultados só foram alcançados pelo facto de termos instalado novos equipamentos e de no último quadrimestre termos sido solicitados a produzir um maior número de pneus do que inicialmente previsto”, explica o gestor, que estima atingir a mítica barreira de 1000 milhões de euros de vendas no espaço dos próximos cinco anos.
Depois de o ano passado ficar na história pelo recorde de produção, com um total de 17,7 milhões de unidades vendidas (3% acima do registado em 2014), a empresa de Lousado conta alcançar números igualmente redondos este ano. Para o fazer, desenhou uma estratégia fortemente assente na conquista dos mercados asiáticos e das Américas.
“Dado o crescimento da procura local, as fábricas aí existentes não são ainda suficientes para fazer face ao mercado que tem vindo a crescer, pelo que iremos ser beneficiados, compensando um pouco a retoma automóvel europeia, que tarda em regressar, pelo menos aos níveis a que nos habituámos no passado”, adianta o líder da empresa.
Depois de em 2015 ter investido 48 milhões de euros, para este ano a Continental Mabor conta empregar mais 100 milhões de euros.
Investimento contínuo
Se hoje a Continental Mabor se dedica ao fabrico de pneus cada vez mais evoluídos, na década de 1950 a Mabor produzia câmaras-de-ar, pneus para pesados, chaimites, ligeiros e motos, e pisos para recauchutagem. O grupo Continental AG chega à Mabor em 1989 porque quatro anos antes, em 1985, tinha comprado a General Tire. A partir de uma joint-venture com a empresa portuguesa passam a controlar 60% do capital. Em 1993, os alemães acabam por adquirir os restantes 40% e garantem o controlo total. Ao fim de um quarto de século, a Continental Mabor continua a crescer e é a quarta maior exportadora nacional. Grande parte deste sucesso está na liderança de Pedro, que desde 1988, ano em que concluiu o bacharelato em Engenharia Química no Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), veste a camisola da empresa.
Começou como engenheiro de pneus radiais pesados para substituir um colega que estava de saída. Entretanto, teve de cumprir o serviço militar obrigatório na Marinha. Quando regressou foi para o departamento químico, já a Mabor tinha sido comprada pelo grupo Amorim, que estabelecia as primeiras ligações com a Continental. Para o gestor de 52 anos, que nasceu em Lisboa, mas é portuense desde os três anos de idade, é inconcebível liderar uma empresa guiado única e exclusivamente pelos números. “Gerir uma empresa com indicadores é uma coisa extremamente fria. É matemática e normalmente dá errado porque os números sozinhos não fazem crescer nada.
São as pessoas motivadas e a entender o que se pretende que fazem o negócio avançar”, responde.
Fazer bem e à primeira é o que significa a expressão “à la Lousado”, que se ouve na melhor fábrica do grupo em termos de qualidade de serviço (entregas na hora prevista e sem erros). E é por isso que a empresa tem estado em contraciclo com o país e mesmo com a Europa, com a Continental Mabor a dar continuidade a um longo plano de investimento. Pedro conta parte do segredo: “somos das poucas fábricas do grupo que faz planos de sucessão a 20 anos. Reunimos uma vez por ano e temos um ‘employee dialogue’ que vai até um total de 1800 colaboradores, o que nos permite saber de antemão quais as pessoas com potencial para evoluir na carreira ou desempenhar outras funções”, diz.
Nos últimos 25 anos, o accionista Continental AG não tem parado de abrir os cordões à bolsa. E não há travão que o pare. Actualmente, em redor da empresa não há um único espaço que não esteja em construção. Pedro dá alguns exemplos: “vamos ter aqui um edifício novo [administrativo], na entrada da fábrica temos um parque de estacionamento para 700 viaturas que vai desaparecer, dando lugar a um edifício para inspecção final e estamos a construir também um parque para 1500 carros”.
Os números que envolvem a actividade da empresa e o investimento realizado mereciam facilmente destaque nos jornais. Mas não o são porque a empresa não os divulga. Prefere estar longe da exposição pública. “O país, às vezes, nem sabe quem somos”, refere, dando como exemplo o facto de, entre 1990 e 2015, o Estado, através de sistemas de incentivos, ter apenas conhecimento de 200 milhões de um bolo de 650 milhões de euros de investimento que o accionista da empresa aplicou. “Tudo o resto foi feito silenciosamente”, diz.
Pedro justifica a excepção da divulgação dos números associados ao projecto LousAgro por ser parte envolvente de uma estratégia mundial (regresso do grupo ao mercado dos pneus agrícolas, do qual saiu em 2004). “Temos aqui ao lado 40 milhões que não anunciei, desde o edifício administrativo, passando pela inspecção final, pela segunda nave do armazém de produto acabado externo, parques de estacionamento até aos centros de Investigação & Desenvolvimento” (I&D), prossegue. Só em 2015, Pedro conseguiu trazer para Lousado dois centros de I&D, um de software e o outro de tecnologias de pneus.
“A dimensão de ambos ainda não justifica muita divulgação, apesar de a médio prazo poderem ser responsáveis por soluções de equipamento na ordem das centenas de milhões de euros, a nível do grupo”, afirma. Importante para o desenvolvimento do negócio da empresa é também o Centro de I&D de Dados (negócio, engenharia, tecnologia de informação), que este ano irá produzir e introduzir em Lousado o novo sistema de controlo de manufactura que depois irá ser adoptado em todas as fábricas de pneus do grupo espalhadas pelo mundo.
“Gerir uma empresa com indicadores é uma coisa extremamente fria. É matemática e normalmente dá errado porque os números sozinhos não fazem crescer nada”, refere Pedro Carreira.
Raízes da Mabor
A Continental Mabor é alemã desde 1989. Antes era só Mabor – Manufactura Nacional de Borracha, fundada em 1946 por Júlio Anahori de Quental Calheiros, Conde da Covilhã e presidente do conselho de administração do Banco Borges & Irmão. Há quem diga que o nome Mabor era uma homenagem à esposa, Maria Borges. Mas quem o desafiou a investir em Lousado, então uma zona muito pobre, foi um amigo, o cardeal Cerejeira.
Para financiar o projecto, o Conde da Covilhã recorreu ao banco que presidia. O know-how foi buscá-lo à General Tire and Rubber Company. Como contrapartida, os americanos ficaram com 20% do capital da Mabor. Mas a fábrica não surgiu logo que foi pensada, em 1940. Teve de esperar pelo fim da Segunda Guerra Mundial e por 6 de Abril de 1946 para ser inaugurada e poder apresentar então o primeiro pneu fabricado em Portugal.
Para Pedro, a Continental Mabor é mais do que a sua segunda casa. Poucos conhecem a empresa como ele. Esteve vários anos no departamento químico, trabalhou na produção como chefe de mistura e extensão, e em 2002 passou a director de produção. No Verão de 2005 rumou a Camaçari, no Estado da Baía, no Brasil, para arrancar do zero com duas unidades de produção, uma de pneus ligeiros e outra de pesados.
Só voltou a Lousado em Dezembro de 2009, e por pouco tempo. Em Março de 2010 partiu para a Roménia, liderando a fábrica de Timisoara, onde esteve três anos e meio.
Ao todo, esteve fora quase 10 anos. Quando regressou, em 2013, foi para assumir o cargo de presidente executivo da Continental Mabor. “Se não tivesse ido para Camaçari provavelmente não teria chegado onde cheguei. Também foi uma sorte extraordinária os chefes que tive ao longo dos anos. Acabei por ser formatado por várias culturas.
Cresci muito, sobretudo no Brasil, onde fui forçado a aprender muitas coisas”, sustenta. Fiabilidade, flexibilidade e capacidade de reacção num curto espaço de tempo às necessidades de um mercado em mutação constante “são os alicerces da excelente imagem e prestígio dentro do grupo e junto dos clientes”, diz.
Em Portugal, além da Continental Mabor, o grupo alemão detém a ITA – Indústria Têxtil do Ave, que fica a 400 metros de distância da primeira, a Continental Pneus, também em Lousado. E em Palmela, a Teves Portugal – Sistemas de Travagem e a Lemmerz – Componentes para Automóveis, que opera no espaço da Autoeuropa. As cinco empresas tiveram em 2015 uma facturação agregada superior a 1000 milhões de euros, contando com perto de 3500 colaboradores. Em 2015, o grupo, que conta com 208 mil colaboradores em 55 países, alcançou vendas na ordem dos 39,2 mil milhões de euros.