Em Dezembro do ano passado, Tony Carreira deu o concerto habitual de cada tournée numa das salas mais emblemáticas da capital, o Meo Arena. Capaz de receber 20 mil pessoas, o antigo Pavilhão Atlântico, em Lisboa, enche sempre de cada vez que o artista, que dá voz a êxitos como “Sonhos de Menino” ou “Depois de Ti Mais Nada”, anuncia uma data. É dos poucos artistas portugueses a conseguir lotar esta sala incontornável para qualquer músico nacional.
Tony é membro cativo no pódio dos artistas portugueses mais vendidos há mais de 15 anos. Os discos continuam a vender milhares de exemplares na era do digital. O seu último trabalho, intitulado de “Sempre Mais”, mal foi posto à venda, em Fevereiro, já era Disco de Platina: 15 mil cópias vendidas num ápice.
E os concertos continuam a ser uma máquina de fazer dinheiro, entre cachês de 40 mil euros e bilheteiras que rendem centenas de milhares de euros. Diz que não é gestor, que nem lê os documentos que lhe apresentam sobre a sua empresa, e que percebe tanto de impostos como de teoria das cordas.
Mas garante que o dinheiro é importante: “Eu não falo do dinheiro com desprezo. Tenho muito respeito pelo dinheiro”, assegura à FORBES. Mas mais do que isso, Tony tem um enorme respeito pela sua carreira. É por isso que, não raras vezes, prefere cortar na margem de lucro do negócio a diminuir a qualidade dos seus espectáculos. Por essa razão Tony garante que poderia ganhar muito mais. “Três vezes mais”, concretiza, se subisse ao palco em regime de playback. “Num espectáculo com a dimensão do Meo Arena gasto pelo menos meio milhão de euros”, conta.
Tudo porque não transige em dar ao seu público o melhor que pode: “Eu não posso ir para um circuito de Fórmula 1 com um Fiat Punto. Porque sei que vou perder. Então vou lá fazer o quê?”
Para se ter uma ideia de quanto é preciso investir para ter Tony em cima de um palco, os valores pagos pelas autarquias são um indicador de referência. Segundo o Portal Base, a Regi-Concerto foi adjudicatária de diversas entidades municipais. O encaixe directo da empresa do cantor, entre concertos de Tony, Mickael e David (os dois filhos que já enveredaram pelo métier do pai), segundo contas da FORBES, foi de 1,9 milhões de euros desde 2009, numa média de 30 mil euros por espectáculo. E isto só a nível municipal.
O cachê médio de Tony pago pelas Câmaras orça os 40 mil euros. O espectáculo mais recente publicado no portal do Estado é da responsabilidade do concelho de Vendas Novas, que formalizou a 4 de Maio a atribuição de 30 mil euros mais IVA à Regi-Concerto para a realização de mais um espectáculo do cantor. Em termos comparativos, a fadista Ana Moura, uma das artistas que mais discos vende em Portugal, tem um cachê médio de 13 mil euros.
A fadista Mariza, multipremiada em todo o mundo, segundo o mesmo portal, aufere, em média, perto de 38 mil euros por concerto. Mas as contas de Tony não se ficam pelas festividades locais. Se falarmos das receitas procedentes dos concertos organizados pela sua empresa, os números são ainda mais redondos. Os preços dos bilhetes para o mais recente concerto no Meo Arena, por exemplo, que fechou a tournée de 2016, oscilaram entre os 20 euros para espectadores de mobilidade condicionada e os 48 euros para a Plateia VIP.
Num cálculo da FORBES baseado na repartição da sala – que mais uma vez contou com lotação esgotada – alcançamos uma facturação de cerca de 685 mil euros em bilheteira.
De acordo com as últimas contas publicadas, a Regi-Concerto, empresa promotora dos concertos da família Carreira, facturou, em 2015, 2,5 milhões de euros e apresentou lucros de 269 mil euros. Os números são bastante positivos, mas poderiam ser bem maiores, caso Tony não fizesse questão de continuar a investir tanto dinheiro nos concertos que promove. De qualquer das formas, assume que já tem margem para investir em si e no futuro dos filhos. E elege o imobiliário como investimento preferencial para “estacionar” os ganhos da música. “Investi na pedra, em coisas palpáveis”, nas palavras de Tony. “O único investimento que fiz em toda a minha vida foi não confiar muito nos bancos”, brinca.
Rico mas a longo prazo
Reinvestir, reinvestir, reinvestir: uma postura que acompanhou Tony durante todo o seu percurso. É quase chapa ganha, chapa gasta para assegurar a qualidade artística a que se propôs ao longo da sua carreira. Já nos tempos do grupo Irmãos 5 – grupo de baile onde começou a cantar com o irmão José Antunes ainda em França, nos anos 1980 – queria reinvestir todo o dinheiro ganho em novo material, enquanto os restantes membros do colectivo preferiam ficar com o encaixe. Tony realça que esta tensão o acompanhou durante todos os anos em que esteve sob a alçada exclusiva de editoras.
Com a constituição da Regi-Concerto, em 2000, a autonomia aumentou e a vontade de investir no seu produto – discos, concertos, telediscos – não mudou. “Não estou a dizer que o dinheiro não é importante. Eu gosto do dinheiro como qualquer pessoa gosta do dinheiro.
Mas o motor não pode ser o dinheiro”, justifica Tony. Apesar de alegar desatenção a este tipo de questões, está atento a orçamentos e à evolução das contas. “Informo-me das coisas”, assume. E sabe que factura menos do que poderia ganhar: “Não me importo de fazer coisas na minha carreira em que sei que posso não ganhar dinheiro.”
Um exemplo: a gravação de álbuns. “Nem que tenha 20 Platinas, já tenho a certeza de que vou perder dinheiro, e muito”, diz. É por isso que grande parte do seu negócio está nos concertos e assente numa estratégia de longo prazo. “Se tiver a possibilidade de ganhar 10 mil euros de uma vez ou ganhar 2 mil, mas multiplicados por ‘x’ espectáculos e por ‘x’ anos, prefiro a segunda opção”, resume.
Tony gere o seu negócio – e as perspectivas de lucro – de modo a garantir uma presença contínua no mercado. Essa estratégia tem sido claramente bem-sucedida, tendo inclusive acumulado o suficiente para investir e reinvestir constantemente.
Fernanda Araújo, o seu braço direito há largos anos, sócia-gerente da Regi-Concerto e ex-mulher de Tony, diz à FORBES que o cantor é quem decide os activos onde investe. “Não damos passos além daqueles que podemos dar”, esclarece sobre a estratégia de investimento seguida. Ambos têm um lado prudente.
“Só comprei um carro novo em 2003”, exemplifica Tony, sublinhando que investe sempre com foco nos filhos. A eles deixar-lhes-á certamente algo: a empresa que criou para gerir o património da família, a Regibusiness-Investimentos Imobiliários, que no final de 2015 contava com activos de quase 7 milhões de euros. Um valor que inclui a Regi-Concerto e vários imóveis.
“Comprei a minha primeira casa em 1996”, recorda Tony – adquirida em França e para usufruto próprio. Hoje compra imóveis em Portugal apenas como activo de investimento. Não arrenda, não vende. A sociedade “está parada. Às moscas”, diz.
Avesso a analisar os números ao detalhe, Tony elege o “instinto” como a principal fonte das suas decisões.
José Antunes sabe-o melhor do que ninguém. Foi o gestor da carreira do irmão desde o começo, nos anos 1980, até ao regresso de Tony para Portugal, no início da década passada. Em 1989 fundara em França a empresa que ainda hoje mantém, a Dyam, organizadora de espectáculos em países com forte presença da comunidade portuguesa. Mudou a sede da empresa em 2006 para Portugal, onde tem a sua base até agora.
Actualmente, ainda organiza todos os espectáculos que Tony faz lá fora.
José descreve o irmão como alguém que aposta na qualidade e minucioso, que procura acompanhar in loco a criação de tudo. Ainda hoje Tony está presente na “construção” dos concertos, entre cabos e flycases – a acompanhar (e a inspeccionar) o nascimento da sua visão.
Entre os planos artísticos e a realidade das contas, José e Fernanda é a quem cabe colocar água na fervura. “De vez em quando sou a ‘má da fita’”, graceja Fernanda. Muitas vezes “trabalhamos [apenas] para manter a produção [sem lucro]. É difícil porque temos de estar no mercado e temos uma estrutura. Tudo tem de ser bem gerido”, refere Fernanda.
Tony resume o seu método: “Faço uma pergunta: quanto é que dá a bilheteira? Dá ‘x’. Tive dois Atlânticos em que disse: ‘este ano vou gastar a bilheteira toda. Não vamos ganhar nada e vamos trabalhar seis meses para o boneco’.
Se acho que vou fazer uma coisa bonita, à partida deve funcionar.” José lembra-se de vários episódios deste género. Destaca, por exemplo, o primeiro Pavilhão Atlântico, em que estava a ver o dinheiro a ir todo embora.
“Disse-lhe que tudo o que gastasse a mais ia passar a sair do bolso dele.” Tony não se importou: que compensassem os gastos subtraindo o dinheiro do próprio cachê. “Quando ele se encontrava com o director de iluminação, automaticamente eu já sabia que viria ali uma despesa”, lamenta o irmão. Às vezes, essa gestão era especialmente complicada. Para esse mesmo concerto, Tony exigiu uma cascata de água em cima do palco.
“Tivemos de gerir esse pedido”, recorda José. Ainda assim, sublinha que sem a aposta no aperfeiçoamento artístico e nos espectáculos em grandes salas, o irmão não estaria no patamar actual. Hoje, Tony é mais do que um cantor romântico: é uma marca.
Caminho das pedras
Se na música o peso de Tony é notório, fora dela também se faz valer. Até há bem pouco tempo, era o rosto do banco BPI em campanhas publicitárias além-fronteiras, e trabalha com a retalhista Sonae em vários eventos.
Sobre os valores associados a estes contratos dá apenas algumas pistas. “Se eu ganhei 30 mil euros para fazer o piquenique [do Continente]? Com tão pouco ia à falência…”, ironiza. Mas muito antes de fazer sucesso como Tony Carreira, era simplesmente António Antunes, um rapaz de 24 anos com vontade de singrar na música.
Com a tarimba dos Irmãos 5 em França, vem para Portugal tentar a sua sorte na eliminatória para o Festival RTP da Canção de 1988, na Figueira da Foz. Não é apurado. Passa por editoras como a Discossete, editora de música popular portuguesa da altura. Os discos não vendem – e é despedido. “Ainda estava à procura em que género ficaria bem”, assume Tony.
A mudança dá-se quando ingressa na Espacial, a convite de Francisco Carvalho, sócio da editora, actual investidor do clube de futebol Desportivo de Chaves. “Ofereceu-me, salvo erro, 3 500 contos” para ingressar na Espacial, recorda Tony. Não quis saber do dinheiro, assegura – queria era que confiassem nele.
Aí, começa a colaborar mais de perto com Ricardo Landum, compositor dos maiores hits da música ligeira em Portugal. “O Tony sempre foi muito exigente”, recorda o músico à FORBES. “Mandava vir músicos de França, já queria metais ao vivo, evoluiu tecnicamente.”
Em 1993, já na Espacial, publicou o álbum “Português de Alma e Coração” e começou a fazer algum dinheiro nas tourneés. Tony já contava, na década de 1990, com um certo balanço – mas ele queria mais. E foi no final da década de 1990 que deu o salto. No disco “Dois Corações Sozinhos”, editado em 1999, tudo muda. Assume a persona de cantor de música ligeira, os arranjos tornam-se mais sofisticados, os telediscos têm um novo cuidado.
Ricardo confirma-o: “A partir de 1998, começámos a apostar nas baladas. É aí que o timbre do Tony chega a milhões de pessoas. Interpretava-as muito bem e era um emissor nato do que eu escrevia.” Nessa altura, começa a dar concertos em salas nobres como o Olympia, a primeira prova de fogo numa grande venue, em 2000. Chegava ao fim o caminho das pedras.
José recorda à FORBES que, “até ao primeiro sucesso, com o single ‘A Minha Guitarra’ [publicado em 1993], foram dias complicados”. Só em 1991 é que José conseguiu vender o primeiro espectáculo de Tony, a um amigo de Estrasburgo.
Na altura ninguém conhecia o irmão. José propôs a esse seu contacto levá-lo à cidade francesa “e se as pessoas não gostassem, ele não pagava o espectáculo”, lembra. Mil quilómetros de ida e volta. Era um esforço significativo.
Mas correu bem e desde então já regressaram muitas vezes à cidade francesa.
A ligação com a comunidade portuguesa no estrangeiro faz parte da imagem pública de Tony. E foi decisiva para que se tornasse apetecível para eventuais patrocinadores. Na última década, o cantor assegurou dois contratos de vulto junto do BPI e da Sonae. O patrocínio do banco começou em 2006, passando a ser a cara do BPI junto das comunidades portuguesas lá fora.
Segundo nota da direcção de comunicação de gestão da marca do BPI à FORBES, o banco patrocinou “dezenas de concertos quer em Portugal quer no estrangeiro, nomeadamente nos países onde o BPI tinha representação no exterior”. Uma parceria que durou dez anos, alicerçada nos valores que a marca Tony Carreira representa. “É um português bem-sucedido, um exemplo de empenho, trabalho e profissionalismo, que constitui uma referência para as comunidades [portuguesas no estrangeiro]”, realçam.
A tónica de “portugalidade” mantém-se junto da Sonae, que assim justifica o convite inicial ao cantor. Fonte da Sonae MC considera à FORBES que “Tony é um símbolo da defesa dos valores nacionais, como transversalidade e portugalidade, elementos que são umbilicais ao Continente.” Uma colaboração que começou em 2008 e que tem na Festa Continente a sua maior manifestação, com concertos gratuitos que atraem milhares.
Nenhuma das entidades revelou valores.
Tony não gosta, contudo, da ideia de ser uma marca. Faz música, e c’est tout. “Eu não criei uma marca. O público é que me deu credibilidade para que me tornasse numa marca”, diz. Da aldeia de Armadouro, onde nasceu, à Lisboa que adora – com passagem pelo subúrbio de Paris – Tony muito viveu. Analisa o passado, mas não traça metas para o futuro: “Neste momento, tenho uma meta: chegar vivo e com alguma saúde até 2018, 3o ano dos 30 anos de carreira.”
Duas certezas: vai continuar a investir na sua arte – e a fazer dinheiro. A concretização de um sonho de menino. Nas palavras do próprio: “Podem não gostar das minhas canções, mas ninguém me pode acusar de fazer mal o meu trabalho.”