M 7824 PDL1/TGFbeta trap. O termo pode não dizer nada ao leitor (não se preocupe, não diz à maioria dos comuns mortais).
Esta conjugação de letras e números é nada mais do que o nome de uma molécula, o princípio de um fármaco revolucionário. Esta, em particular, está na fase I e II do pipeline – processo de investigação e testes – da farmacêutica Merck e tem o potencial para ser o próximo Ferrari na corrida para vencer tumores sólidos e o carcinoma do pulmão de células não pequenas, e manter a Merck na frente da corrida do combate à doença que todos os anos cria 14 milhões de novos pacientes, o cancro. “Temos um pipeline de luxo”, disse Stefan Oschmann, presidente-executivo da multinacional na apresentação de resultados da empresa, em Darmstadt, Frankfurt, referindo-se à colecção de moléculas que a empresa tem patenteadas.
Em 2018, a Merck registou um volume de vendas de 14,8 mil milhões de euros, mais 6,1% do que no período homólogo, o que originou um aumento de 29,5% do lucro para 3,4 mil milhões. “Atingimos todos os objectivos a que nos propusemos”, disse o líder da farmacêutica, que este ano celebra o seu 350.º aniversário, perante uma plateia de jornalistas, no auditório do centro de inovação da empresa.
Embora conhecida como farmacêutica, a Merck é hoje uma companhia bastante diferente da fundada em 1668 por Friedrich Jacob Merck. Na saúde, área da sua génese, a empresa produz e comercializa medicamentos de referência nas áreas da Oncologia, Cardiometabólica, Fertilidade e Neurologia.
Mas está também presente no sector Life Sciences, onde a tecnologia das soluções de processamento, investigação e aplicação para hospitais (e até para os concorrentes), é cada vez mais importante para a competitividade da empresa.
Em 2018, esta área de negócio foi pela primeira vez o maior contribuinte para o resultado operacional da empresa. E tem também um papel de relevo no sector dos Performance Materials, devido, por exemplo, à produção dos pigmentos necessários para a pintura metalizada de um automóvel dos cristais líquidos de um televisor OLED ou de um smartphone, e processadores e chips de memória “carregados” de nanotecnologia.
Além do crescimento por conta própria, a Merck tem sabido quando largar negócios maduros e pouco rentáveis para se dedicar a outros com melhor futuro. No ano passado, por exemplo, vendeu à Procter & Gamble o portefólio de medicamentos sem prescrição médica por 3,4 mil milhões de euros, um valor que não só permitiu diminuir a dívida, como permitiu continuar a política de aquisições, algo que tem sabido fazer como poucos.
Foi assim em 2007, com a aquisição da suíça Serono, que colocou a empresa alemã no topo do sector europeu de biotecnologia. Depois, em 2011 e 2015, com as aquisições das norte-americanas Millipore e Sigma Aldrich, respectivamente, empresas que foram autênticas vitaminas para o negócio de Life Sciences e, já este ano, com a compra da norte-americana Versum Materials, uma empresa que vai permitir o relançamento do negócio dos materiais e cimentar a liderança mundial no segmento dos cristais líquidos.
Negócio global
Na incubadora de empresas no centro de inovação da Merck, as linhas de inovação estratégicas estão bem visíveis. Ali só entram start-ups com inovações nos campos da carne artificial, biossensores e tecnologias de biópsias líquidas.
Todas começam no primeiro piso e as que chegam ao último, o sexto, é porque têm pernas para andar, sozinhas, ou debaixo do “chapéu” da Merck. No mundo em que se move esta multinacional, a inovação não é um cliché, mas uma necessidade.
No sector da saúde, a investigação e o desenvolvimento continuo estão para o negócio como o oxigénio para a vida na Terra. “Temos de estar sempre entre os primeiros”, diz Oschmann.
Mas tem também que ser um negócio e, neste campo, o líder da companhia tem explorado todos os caminhos. Este ano, a comercialização em pleno das substâncias Banvencio e Mavenclad, de combate ao cancro e à esclerose múltipla, respectivamente, e o promissor portefólio de moléculas dá ao braço do departamento de Healthcare da empresa um futuro risonho.
“Só temos de decidir se vamos sozinhos ou em parceria”, explicou o responsável. O elevado investimento em Investigação e Desenvolvimento (I&D) e o risco de insucesso obriga muitas vezes as farmacêuticas a optarem por soluções de partilha de risco.
No ano passado, a Merck investiu 2,2 mil milhões de euros em I&D, um valor que tem vindo a aumentar a um ritmo anual próximo dos 5%, mas manteve o registo de trabalho em parceria com a GlaxoSmithKline, a Pfizer e a Astrazaneca, e está aberta a novas “sociedades” desde que, como defende o presidente-executivo, “uma parceria efectiva tem que combinar as forças da Merck com as dos nossos parceiros de forma a partilhar conhecimento e visões”.
A partilha do conhecimento está nos genes da empresa e o Syntropy, um projecto que pretende juntar várias fontes de informação públicas e privadas para melhorar a investigação e tratamento do cancro, é exemplo disso.
Mas em alguns casos avançará sozinha, como deu a entender Oschmann relativamente à I&D de uma molécula de combate ao Lúpus. Fora dos laboratórios, Oschmann tem uma expansão geográfica bem pensada.
A China, onde a Merck já possui dois centros de investigação é um dos caminhos. Não é um mercado fácil, devido às diferenças culturais, mas Oschmann está optimista. “O país está mais aberto a terapias inovadoras e à protecção de patentes”, diz.
Para uma empresa que tem uma oferta de medicamentos de controlo da diabetes, entrar num país onde 11% da população adulta é afectada por esta doença metabólica e 36% é pré-diabética era um doce para aumentar a quota de mercado no continente asiático que, em 2018, foi a já maior (33%).
Contudo, cerca de um quarto das vendas da Merck são ainda provenientes do mercado norte-americano – EUA e Canadá –, conhecido pela forte concorrência e elevada pressão nos preços dos medicamentos.
Talvez por isso a aposta de Oschmann para aqueles mercados seja no negócio das Life Sciences. O trunfo chama-se Proxy-CRISPR, uma tecnologia já patenteada nos dois países, que permite editar o genoma das células, ou seja, apagar, inserir ou reparar genes causadores ou inibidores de doenças.
Na prática, um brinquedo dos Deuses que abre um mundo no desenvolvimento de novas terapias, mas que tem ainda muitas barreiras éticas por ultrapassar.
Luta de marcas
A Merck chegou aos EUA em 1891, mas foi expropriada pelo Governo norte-americano em 1917, que dois anos depois a privatizou. O comprador foi George W. Merck, um membro da família alemã já nascido nos EUA, mas sem qualquer relação com a empresa “original”.
A partir daí nasce uma nova empresa, a Merck & Co, que continua a usar a marca Merck nos EUA e no Canadá e MSD (Merck Sharpe & Dhome) fora destes dois países, enquanto a empresa alemã responde nestes dois países por EMD (Emmanuel Merck, Darmstadt) e por Merck no resto do mundo.
Esta questão, a do uso da marca, está em litígio há vários anos.