A região dos concelhos de Alcochete e Montijo é o bastião da floricultura nacional. Segundo dados do último Inquérito à Floricultura publicado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em 2012, cerca de 22% das flores de corte comercializadas em Portugal são cultivadas nos dois concelhos da margem sul do rio Tejo.
A importância de Alcochete e Montijo para o sector é de tal ordem que, em conjunto, são responsáveis por 27% da produção de rosas e 70% das gerberas em Portugal. Mas a floricultura não é só rosas.
Protegidas pelo tecto de plástico de uma das estufas da Florisul, mais de 20 mulheres vestidas de bata e de longas luvas de borracha nas mãos dedicam-se a apanhar margaridas. A maior parte não é portuguesa – algo bastante comum nesta indústria que se impôs como uma das mais importantes para a região de Alcochete e do Montijo.
Maria dos Anjos Gonçalves, uma das três sócias desta empresa pioneira da floricultura na região, explica à FORBES que nas suas explorações trabalham 130 pessoas fixas, sendo que metade delas são imigrantes do Leste europeu. “Continuamos a ser considerados como o ramo da agricultura no qual ninguém quer trabalhar. Pode haver muita gente no desemprego aqui na zona, mas se lhes disserem que é para trabalhar nas estufas, não querem.”
De 1968 até à data de hoje vão anos e anos em que milhões de rebentos de flores nasceram, cresceram, foram colhidos e alegraram de alguma forma vidas alheias. Hoje em dia, a Florisul contabiliza 30 hectares de estufas e 10 hectares de culturas de ar livre actuais, localizados em 5 explorações nos concelhos de Montijo e Alcochete. Nos seus terrenos são cultivadas mais de 30 espécies de flores de corte que geram uma facturação de 4,5 milhões de euros anuais.
Só no ano passado, saíram das estufas da Florisul, aproximadamente, 3,7 milhões de pés de gerberas, 1 milhão de pés de rosas e 2 milhões de pés de cravos. Segundo a empresária, o ponto alto das vendas ocorre nas épocas festivas. Maria dos Anjos destaca a Páscoa como sendo um período que “reflecte-se particularmente na parte Norte de Portugal”, e os meses de Setembro, época dos casamentos, e de Outubro, mês de preparação para o 1.º de Novembro, dia de Todos-os-Santos e a altura do ano em que se vendem mais flores.
A florescer em família
À frente da empresa estão três sócios: Mercedes Gonçalves, José Pedro Gonçalves e Maria dos Anjos, filhos de António Gonçalves. A gestão fica a cargo destes e dos seus cônjuges. O modelo de gestão é por isso familiar.
“Estamos os seis à frente da empresa e gerimos cada um a sua secção”, conta Maria dos Anjos. Mas as decisões estratégicas são tomadas a três – são excluídos maridos e mulher e ficam apenas os três irmãos – e à porta fechada. Trancam-se numa sala e ponderam as grandes mudanças, explica: “Quando há mais dificuldade em chegar a um acordo, vai-se a votação”. Segundo a empresária, que não é raro o dia que passa pelas estufas, é “fácil” gerir uma empresa assim.
O segredo do sucesso está numa gestão feita de cedências de parte a parte e numa estrutural empresarial com grande suporte familiar. Actualmente, são 11 os membros da família que, todos os dias, trabalham em diversas áreas da empresa. Sofia Gonçalves é uma delas. Sobrinha de Maria dos Anjos, licenciada em Engenharia Biotecnológica, dedica-se a ajudar na gestão diária do negócio, no controlo de stocks e no contacto com clientes e fornecedores.
O negócio que agora Sofia aprende começou com a ideia de apenas um homem que chegou sozinho, com 14 anos, ao Cacém, no concelho de Sintra, para trabalhar com um tio que tinha uma pequena produção de flores. António Gonçalves, nascido em Trancoso, no distrito da Guarda, teve assim o primeiro contacto com a floricultura.
“As flores eram algo de que ele gostava muito e começou a ver que os terrenos aqui eram a direito, de areia, que eram bons para o desenvolvimento da flor, e que tinha um clima muito bom nesta zona, melhor do que em Sintra”, zona de terrenos acidentados e um clima mais instável, detalha. Anos mais tarde, adquiriu 5 hectares no concelho do Montijo e começou a fazer uma estufa.
A primeira foi feita com madeira proveniente de pinheiros de propriedades suas na terra natal. Os quatro irmãos vieram do interior para ajudá-lo a erigir o negócio que perdura até hoje.
A principal aposta de António foram os cravos: “O meu pai costumava dizer-me que, quando ele veio para a zona do Montijo, só ele, no primeiro ano que plantou cravos, plantou tantos craveiros como o país inteiro plantava.
Chamaram-no louco”, conta Maria dos Anjos. De 1968 a 1974 foi um pulo e a Revolução fez disparar a procura por cravos vermelhos – que anos mais tarde abrandou. Entretanto, outra aposta ganha foram as gerberas, que se tornaram numa espécie icónica da produção florícola da região.
O Montijo e Alcochete são, inclusive, os concelhos que mais produzem esta espécie de flor na Península Ibérica, segundo a Associação Portuguesa de Produtores de Plantas e Flores Naturais (APPPFN).
Um problema de escala
Da estufa inicial de madeira montada por António já não sobra nada. Agora, a esmagadora maioria da produção é feita sob material altamente automatizado e sofisticado. Em cabines, técnicos vão gerindo através de software especializado a abertura das estufas, a humidade, a temperatura, o tempo de rega, a necessidade de luz ou de sombra artificiais.
Um investimento em tecnologia que foi sendo feito gradualmente, ao longo dos anos. Nos últimos anos, o avanço tecnológico foi feito com o empurrão do financiamento comunitário. Por exemplo, em 2008 e 2012, a Florisul promoveu dois projectos para a modernização das suas explorações avaliados no seu conjunto em 1,6 milhões de euros, que contaram com o co-financiamento do Programa de Desenvolvimento Rural (PRODER).
É caro cultivar flores em massa. Segundo dados fornecidos pela Florisul, o preço de uma estufa automatizada pode variar entre 20 a 50 euros por m2. O que significa que, no caso da Florisul, proprietária de 30 hectares de área coberta, o investimento poderia variar entre 6 milhões e 15 milhões de euros. O maior esforço financeiro, segundo a empresa, foi feito na “construção de toda a área de estufas em aço galvanizado na década de 1990 e a sua automatização e climatização nos anos 2000.”
Na última década, só em aquecimento e climatização foram gastos mais de 1,6 milhões de euros.
O campo de visão do negócio da Florisul, assim como das outras empresas do sector, é praticamente preenchido pelo mercado nacional. A exportação continua a ser uma barreira de difícil transposição.
É difícil competir com países como a Holanda, a maior produtora de flores da Europa e uma das maiores do mundo. Na verdade, a exportação é virtualmente nula: Espanha é único cliente internacional da Florisul, onde têm três clientes perto da fronteira, que representam cerca de 10% das vendas globais.
E só é assim porque a empresa não tem de incorrer em custos de transporte pois os próprios clientes vêm até às instalações da Florisul buscar as flores. “Já mandámos flores há alguns anos para a Holanda, mas na altura não foi rentável”, refere Maria dos Anjos. E exportar para lá agora “é complicado, porque a Holanda está cheia de flores” devido à quebra de vendas nos países de Leste.
Exportar directamente para estes países, tradicionais clientes de flores, torna-se demasiado caro para empresas como a Florisul, com custos de transporte proibitivos.
O problema que impede a exportação é a escala, cuja ausência não permite concorrer com a produção de outros países tradicionais produtores de flores de corte como a Holanda. Já se tem falado disso porque as vendas baixaram bastante devido à crise. “Estamos a produzir de acordo com as necessidades do mercado nacional.
Mesmo assim, entra muita flor” em Portugal de exportadores como a Holanda e Espanha, esclarece Maria dos Anjos. Os últimos números do INE revelam que Portugal está longe de ser autosuficiente em flores. Entre 2002 e 2011 registou um défice comercial de 11,8 milhões de euros. Isto significa que o negócio da Florisul e de empresas do sector têm uma ampla margem para crescerem cá dentro.