Martin Varsavsky é um acaso à parte. Destaca-se dos seus colegas de ofício e nem o mais hiperactivo e bem-sucedido techie lhe faz sombra. É tão-só o empreendedor em série de maior sucesso e o mais prolífico. Pai de seis filhos, também se tem revelado prolífico no que respeita à descendência. Aos 56 anos, Varsavsky, uma das figuras de proa da “cena tecnológica” europeia, continua imparável: vai ser pai pela sétima vez e vai igualmente avançar para a sua sétima empresa.
Há dois anos trocou Espanha pelos EUA. Mudou-se com a mulher, Nina, com o objectivo de criar uma nova empresa. Nina está grávida do terceiro filho do casal: “Por ora, chamamos-lhe ‘Seven’ (Sete)”, graceja Varsavsky.
Os “dois setes” estão inextricavelmente ligados. A sua nova start-up, a Prelude Fertility, cuja história revelamos aqui em primeira mão, ambiciona revolucionar a indústria da infertilidade de uma forma pioneira.
“A nossa ideia é ajudar as mulheres, e os casais, a gerar filhos saudáveis quando sentem que estão preparados para dar esse passo”, realça Varsavsky.
Isto é, Varsavsky assume a dupla paternidade: a da Prelude e do filho que aí vem, que será o primeiro “bebé Prelude”. A empresa quer investir cerca de 200 milhões de euros na tecnologia da infertilidade – fecundação in vitro e criopreservação (congelamento) de óvulos – e expandi-la, mediante uma estratégia agressiva, para que as mulheres não estejam condicionadas pelo relógio biológico nas decisões que tomam sobre a sua carreira e o momento de constituir família.
O público-alvo não são as mulheres que estão perto do final da sua capacidade reprodutiva, altura em que têm maior dificuldade em engravidar, mas sim as mulheres entre os 25 e os 35 anos, quando é mais fácil recolher óvulos e as probabilidades de gerar um bebé saudável são igualmente maiores.
Como as mulheres tendem cada vez mais a adiar a maternidade – cerca de 1 em cada 4 mulheres têm o primeiro filho depois dos 35 anos, e desde o início do século, a idade média da mãe ao nascimento do primeiro filho aumentou 3,7 anos: passou dos 26,5 anos em 2000 para os 30,2 anos em 2015 –, a Prelude considera-se uma espécie de “seguro” que oferece maior margem de decisão e controlo às mulheres sobre a maternidade. “A nossa ideia é ajudar as mulheres, e os casais, a gerar filhos saudáveis quando sentem que estão preparados para dar esse passo”, realça Varsavsky.
Banco de criopreservação
A Prelude não é a primeira empresa que tenta persuadir as mulheres a reflectir e a tomar decisões sobre a questão da fertilidade ainda no início da idade adulta. Por um lado, temos os críticos, que alegam que o congelamento de óvulos é um procedimento que envolve riscos, considerando-o até desnecessário no caso de mulheres jovens, visto poder traduzir-se num falso sentido de segurança e aumentar a pressão para colocar a carreira à frente da família.
Por outro, têm surgidos diversas novas empresas – como a Extend Fertility e a Egg-Banxx – que apostam em conquistar o público feminino, oferecendo planos de pagamento atractivos para custear as despesas inerentes a este tipo de intervenção, que podem oscilar entre os 5 mil e os 10 mil euros ou mais. Se a isto somarmos um tratamento de fecundação in vitro (FIV), por vezes também referida como “fertilização in vitro”, o custo pode facilmente duplicar.
No caso de Varsavsky, a diferença está na ambição: a ideia é tornar a Prelude numa empresa que chega ao público em geral, dando-lhe escala e imprimindo-lhe uma dinâmica ao estilo de Silicon Valley. Diz-se, aliás, que já investiu dezenas de milhões de euros na compra de uma participação maioritária na maior clínica de fecundação in vitro do Sudeste dos EUA, a Reproductive Biology Associates, em Atlanta, e da sua afiliada, My Egg Bank – o maior banco de óvulos congelados dos EUA.
A Prelude (leia-se: Varsavsky) acredita que as mulheres jovens estão dispostas a pagar (caro) para mudar a equação carreira-família.
Varsavsky espera que esta aquisição possa alavancar a criação de uma marca nacional na área da fertilidade. Ou seja, o seu objectivo não é oferecer serviços compartimentados – criopreservação de óvulos, armazenamento, fecundação in vitro e medicação hormonal –, mas sim um pacote abrangente a que chamou “Método Prelude”, que engloba quatro etapas: congelamento e preservação de óvulos; criação de embrião quando a mulher decide engravidar; análise genética exaustiva para identificação de doenças congénitas e anomalias cromossómicas; e “transferência de um único embrião” para minimizar a possibilidade de gerar gémeos ou trigémeos – situação frequente quando se transferem vários óvulos num processo de FIV.
A Prelude, que espera incluir no seu público-alvo casais que ainda não se sentem preparados para ter filhos, também planeia oferecer um serviço de congelamento de esperma para homens.
Além disso, há planos para tornar todo este processo menos oneroso. Em todo o caso, importa ter presente que o valor a pagar por criopreservar (congelar) os óvulos começa nos 190 euros por mês.
A Prelude (leia-se: Varsavsky) acredita que as mulheres jovens estão dispostas a pagar (caro) para mudar a equação carreira-família. “Se uma mulher tiver a certeza de que os seus óvulos estão sãos e salvos, que decisões irá tomar sobre o seu futuro?”, pergunta Allison Johnson, ex-executiva de topo da Apple na área de marketing que ajudou a lançar o iPhone e que viveu na pele o drama da fertilidade, ultrapassada graças a tratamentos hormonais.
Actualmente, a sua agência, a West, está envolvida no desenvolvimento da estratégia de entrada no mercado da Prelude.
“O mais fascinante de tudo isto é o facto de abrir novas possibilidades às mulheres: já pode ir fazer o tal curso que sempre quis, esperar até conhecer a sua ‘alma-gémea’, viajar… Tem tempo para decidir. Pessoalmente, acho que tem um papel tão libertador para a mulher como teve a pílula nos anos 60 do século passado”, explica Johnson.
Sucessos empresariais
Varsavsky começou a idealizar a Prelude há cerca de seis anos. Este empreendedor tecnológico, que sempre se interessou pelas ciências da vida, deparou-se com um obstáculo quando quis constituir família. Pouco depois de casar com Nina, na altura com 31 anos, descobriram que ela era infértil. Conseguiram gerar um filho recorrendo à FIV e decidiram criopreservar óvulos e esperma para usar no futuro.
Hoje têm dois filhos saudáveis – um com três e outro com cinco anos – e o terceiro já vem a caminho, todos concebidos através de fecundação in vitro. Reconhecem, contudo, que foi uma experiência dolorosa.
Varsavsky nasceu em Buenos Aires, Argentina, onde passou a sua infância, e desde então procura identificar oportunidades de negócio consistentes e únicas em grandes mercados. A sua família emigrou para os EUA na década de 1970, na condição de refugiados, na sequência do assassinato do seu primo David Varsavsky – ou, segundo o eufemismo usado na época, depois de ter “desaparecido” – às mãos do governo militar argentino.
Quando frequentava a Universidade de Columbia, criou uma empresa de mediação imobiliária que reconvertia edifícios industriais em edifícios residenciais. Dois anos depois, Varsavsky e César Milstein, seu conterrâneo e Nobel da Medicina, fundaram uma empresa de biotecnologia chamada Medicorp Sciences, actualmente sediada em Montreal, no Canadá, que desenvolveu um tratamento para o VIH/Sida.
Na década de 1990, Varsavsky decidiu apostar na área das telecomunicações. O primeiro negócio, a Viatel, fundado em 1991 em Nova Iorque, fornecia chamadas de longa distância a baixo custo e entrou em Bolsa três anos depois. Em 1995, mudou-se para Madrid e criou a Jazztel, uma empresa de telecomunicações e serviços de internet que foi admitida à cotação em 1999.
Posteriormente lançou a Ya.com, um portal que fornecia serviços de internet através de DSL, que acabou por vender à Deutsche Telekom dois anos depois. Seguiu-se um serviço de aplicações alemão chamado Einsteinet, que correu mal e lhe custou cerca de 48 milhões de euros. Dramático? Nem por isso. Segundo o que a FORBES conseguiu apurar, os negócios bem-sucedidos permitiram-lhe amealhar quase 300 milhões de euros.
Na sequência do rebentar da bolha das dotcom no final da década de 1990, Varsavsky manteve um certo low profile até fundar a Fon, uma organização com um plano ambicioso: criar uma rede global de “Foneros”, que partilhariam as suas ligações wi-fi uns com os outros para que os utilizadores pudessem ligar-se à internet em qualquer parte do mundo. Conseguiu ultrapassar os 20 milhões de utilizadores, mas, até agora, ainda não alcançou a meta da ubiquidade wi-fi.
No ano passado, quando a empresa se tornou rentável, Varsavsky decidiu abandonar o cargo de presidente executivo para poder dedicar-se a tempo inteiro à questão da fertilidade.
À espreita de uma oportunidade
Na última década, a taxa de sucesso da vitrificação – uma nova técnica de congelamento ultra-rápido – aumentou significativamente, o que fez com que a American Society for Reproductive Medicine (ASRM) deixasse de a considerar a mesma como “experimental” em 2013. Apesar disso, a ASRM emitiu um alerta, dizendo: “publicitar esta tecnologia com vista a adiar a capacidade reprodutiva da mulher pode dar falsas esperanças e levar a mulher a protelar a maternidade.”
Por ora, a Reproductive Biology Associates (RBA), é o centro nevrálgico da Prelude. Na aparência, é uma clínica médica igual a tantas outras com salas de espera e salas de exames médicos distribuídas ao longo de corredores pintados em tons pastel.
Nos bastidores, há vários especialistas a trabalhar num imenso laboratório, uns colados a ecrãs de computador, outros a microscópios. Pelo meio, equipamentos vários, entre os quais incubadoras gigantes e uma máquina controlada mecanicamente, que permite usar uma seringa para perfurar a membrana de um óvulo e fertilizá-lo com esperma – processo este monitorizado por um técnico através de um microscópio. Os tanques de criopreservação estão numa sala junto ao laboratório e o seu formato lembra o robô R2-D2 da saga “Guerra das Estrelas”.
Os óvulos e embriões são preservados em nitrogénio líquido a -160o Celsius. É consensual que a criopreservação numa idade jovem contribui para melhores resultados. O Zsolt Peter Nagy, que integra a equipa da RBA e foi um dos pioneiros nas técnicas de vitrificação, diz que a extracção numa mulher de 32 anos permite obter, em média, 15 a 20 óvulos, podendo resultar em cerca de 10 a 14 óvulos fertilizáveis e 4 a 8 embriões utilizáveis.
Uma mulher de 40 anos, porém, só produzirá entre 4 e 15 óvulos e somente 3 embriões utilizáveis – ou nenhum, nalguns casos. Isto significa que a probabilidade de sucesso para uma gravidez num ciclo FIV com óvulos de uma mulher de 32 anos ronda os 50%, ao passo que para uma mulher de 42 anos se situa abaixo dos 20%, de acordo com dados da agência norte-americana Centro de Controle e Prevenção de Doenças.
“Se queremos que as mulheres participem a cem por cento no universo profissional e no mundo em geral, é preciso criar soluções para que possam escolher o momento em que querem constituir família”, sublinha Janah.
Mas também são muitos os que criticam esta solução. Embora a extracção e congelação de óvulos sejam, por norma, procedimentos seguros, o tratamento à base de injecções pode provocar dor e desconforto, e nos casos mais complexos pode inclusive implicar hospitalização.
“A extracção de óvulos envolve a administração de injecções de hormonas, algumas das quais não foram aprovadas pela entidade competente para este procedimento”, escreveu Marcy Darnovsky, directora executiva do Center for Genetics & Society, num artigo onde criticava este método. “Os riscos de reacções adversas a curto prazo variam entre ligeiros e muito graves, e os riscos a longo prazo são incertos, visto não terem sido devidamente estudados”, acrescenta.
Há também quem aponte o dedo à indústria, acusando-a de pôr o lucro à frente da segurança. Os custos também geram polémica, uma vez que a maior parte dos óvulos congelados nunca serão usados. Segundo a Society for Assisted Reproductive Technology, cujos dados abarcam mais de 90% das clínicas existentes, em 2014 apenas 1,6% dos bebés nascidos nos EUA foram concebidos através de FIV.
Pode dizer-se, no entanto, que a preocupação em torno dos custos passa ao lado do mais importante. As mulheres jovens não congelam os seus óvulos a pensar na fecundação in vitro. Fazem-no para terem uma opção no futuro: uma espécie de “seguro” que não só contraria o relógio biológico e lhes permite desenvolver a sua carreira sem constrangimentos, à imagem do que acontece com os homens, como não compromete a escolha de um parceiro.
O custo dessa opção é nunca vir a usá-los. “Sinto-me liberta”, diz Leila Janah, de 33 anos, uma conhecida empreendedora social de Silicon Valley, que escreveu recentemente sobre o facto de ter optado por congelar os seus óvulos. Refere também que as mulheres estão frequentemente sujeitas a pressões contraditórias: por um lado, para terem uma carreira de sucesso, por outro, para “assentarem”, tenham ou não encontrado o parceiro certo. “Se queremos que as mulheres participem a cem por cento no universo profissional e no mundo em geral, é preciso criar soluções para que possam escolher o momento em que querem constituir família”, sublinha Janah.
Varsavsky está ciente de que a Prelude se move num terreno muito sensível, mas a sua convicção fala mais alto: a infertilidade, em todas as suas variantes, é extremamente dolorosa para as famílias. A Prelude – sem contar com as cerca de cem pessoas que trabalham na RBA e no My Egg Bank – é uma empresa pequena. Emprega apenas cinco pessoas, sendo que a maioria se viu confrontada com problemas de infertilidade, o que lhe confere um certo espírito de missão. “A parte emocional é o que nos move a fazer o que fazemos”, diz Tia Newcomer, ‘chief revenue officer’ da Prelude.
O marido não quis congelar o seu esperma aos 18 anos, quando lhe diagnosticaram um cancro, e para poderem ter filhos foram obrigados a recorrer ao esperma de um dador. Um estudo académico publicado recentemente optou por um ângulo diferente. Em vez de partir da pergunta “deverão as mulheres jovens congelar os seus óvulos?”, centrou-se no momento ideal para o fazerem.
Tolga Mesen, coordenador do estudo, cruzou variáveis como as taxas de casamento, gravidez e aborto, e até mesmo os custos, num modelo que permite determinar o grau de sucesso e a probabilidade de os óvulos virem a ser usados.
Embora a maior parte das mulheres não precise de congelar os seus óvulos, na opinião de Mesen, este procedimento pode ter um forte impacto na vida de algumas pacientes. E qual a idade ideal para o fazer? Entre os 31 e os 33 anos. Ou seja, suficientemente jovens para virem a transformar a sétima empresa de Varsavsky no seu maior sucesso. Mas, para isso, terá de convencer as mulheres de que vale a pena fazer esta escolha.