A caminho do segundo ano como representante da União Europeia em Angola, Jeannette Seppen, passou à FORBES a visão do organismo que representa sobre o país lusófono africano, falou sobre o apoio prestado às autoridades locais e do momento socioeconómico. “A situação socioeconómica da população [angolana] é, em geral, difícil”, considera a diplomata, dando ênfase ao elevado grão de assimetrias regionais.
Como caracteriza as relações entre a União Europeia (UE) e Angola?
As relações entre a União Europeia e Angola atravessam um bom momento. Hoje, temos uma verdadeira relação de parceria e não de “doador-recebedor”. Desde a assinatura da parceria “UE-Angola Caminho Conjunto”, em 2012, a relação bilateral tem vindo a aprofundar-se cada vez mais. O “Caminho Conjunto” é um enquadramento estratégico dedicado ao diálogo e à cooperação, baseado em interesses comuns e valores partilhados. Permite-nos, entre outras coisas, abordar, em conjunto, desafios presentes e futuros, por exemplo, nas áreas da paz e segurança e dos direitos humanos.
Como a senhora vê o actual momento socioeconómico de Angola?
A situação económica do país tem vindo a melhorar em termos macroeconómicos. No entanto, após seis anos de crise económica, agravada pela pandemia da Covid-19, a situação socioeconómica da população é, em geral, difícil. As assimetrias são visíveis. A crise fiscal tem um impacto nos investimentos estruturantes capazes de alavancar um crescimento mais inclusivo. No entanto, há que destacar as reformas em curso e os frutos visíveis desse pacote de reformas. Por exemplo, os ratings internacionais, a estabilização da moeda e a recente emissão de Eurobonds, com uma taxa de 8% a 10 anos, são reveladores de uma confiança crescente na credibilidade económico-financeira de Angola.
O que acha que deve ser feito para reduzir os elevados níveis de pobreza e as assimetrias regionais no país?
Melhorar as ligações com o interior é fundamental para combater as assimetrias, existentes, sobretudo entre a costa, e o meio urbano, e o interior, sobretudo nas províncias mais remotas. As províncias do Leste são as mais longínquas e também as menos desenvolvidas. O Governo tem implementado uma série de medidas como melhores condições fiscais para o estabelecimento de empresas no interior, mas não é fácil atrair investimento em zonas remotas, com pouca população, falta de infra-estruturas e outros desafios.
Vê alguma vontade do Governo em alterar este quadro?
Os orçamentos dos últimos anos têm destinado mais fundos à componente social. Destinar mais receitas a educação e saúde é um passo na direcção correcta. Os programas de transferências monetárias às populações mais vulneráveis são também uma ferramenta importante no leque de medidas governamentais, e dos parceiros internacionais presentes em Angola, para reduzir os níveis de pobreza no país. Uma governação mais descentralizada seria também um factor-chave para o desenvolvimento local.
A crise fiscal tem um impacto nos investimentos estruturantes capazes de alavancar um crescimento mais inclusivo.
Que avaliação faz sobre a forma como as autoridades angolanas estão a conduzir o processo para a tão desejada diversificação económica?
A diversificação da economia é um processo em curso. Aliás, para a União Europeia é um importante aspecto no contexto do aprofundamento da relação bilateral ao abrigo do “Caminho Conjunto” e da Global Gateway, a nossa estratégia global para impulsionar ligações inteligentes, limpas e seguras nos sectores digital, da energia e dos transportes e para reforçar os sistemas de saúde, educação e investigação em todo o mundo. Tendo em conta o contexto actual do sector da energia mundial e a subida do preço do petróleo, acreditamos que a resposta do governo angolano continuará a ser no sentido de continuar a impulsionar o processo de reformas. O país, como é sabido, tem muitos recursos naturais, o petróleo, o gás, certamente, mas também há outros sectores, como o café, as frutas tropicais ou o peixe, que oferecem potencial. Nesse contexto, a diversificação económica continuará a ser uma aposta no futuro de Angola.
Que volume de financiamento está a ser ou já foi negociado com o Executivo angolano para os próximos tempos?
Temos uma relação de confiança com os nossos parceiros e o Executivo angolano. Temos também um diálogo aberto com a sociedade civil e o sector privado e trabalhamos em coordenação com os Estados-membros da UE e outros parceiros internacionais. Deste diálogo resultou o nosso chamado Programa Indicativo Plurianual (PIP), que servirá de “guia” para a cooperação bilateral da União Europeia com Angola para os próximos cinco anos, com um montante acima dos 270 milhões de euros.
Para o presente ano, que pacote financeiro será desembolsado para apoiar o desenvolvimento de projectos em Angola?
Neste momento, estamos já em fase final da elaboração de uma operação de apoio ao orçamento que apoia a gestão de finanças públicas e a implementação do programa de formalização da economia, assim como intervenções que apoiam o desenvolvimento da cadeia de valores da gestão de resíduos sólidos, reforço do ensino técnico profissional e integração do género. Estes, juntamente com medidas de apoio que promovem intervenções nos sectores e diálogo político em áreas de interesse comum para Angola e a EU, assim como o desenvolvimento e implementação de intervenções, que totalizam 107,5 milhões de euros.
E no capítulo da diversificação da economia está previsto algum apoio?
Com base numa abordagem integrada, estamos a trabalhar com os Estados-membros da União Europeia na chamada iniciativa Team Europe com foco na diversificação económica e na boa gestão financeira alavancado 254,45 milhões de euros adicionais, no quadro do Global Europe, o instrumento de cooperação entre 2021 e 2027. Temos também um contrato de co-financiamento com o Banco Europeu de Investimentos, onde a instituição bancária empresta 50 milhões de euros, que servirão para o combate aos efeitos da pandemia da Covid-19 e para o aumento da resiliência do sector da saúde pública. Esperamos poder continuar a arranjar financiamentos de instituições financeiras europeias para apoiar Angola a implementar as reformas e curso, designadamente, contribuindo para transformar o seu modelo económico.
O que é que a União Europeia ganha como os investimentos ou financiamentos que faz em Angola?
A um nível mais abrangente, a nossa missão é a de apoiar no processo de diversificação da económica de forma inclusiva e sustentável. A nossa missão é a de apoiar Angola enquanto país parceiro a crescer melhor e de uma forma mais resiliente e sustentável. Os investimentos económicos propriamente ditos são feitos pelo sector privado, ou seja, por empresas de países-membros da União Europeia. Esta presença empresarial europeia é boa para as próprias empresas, para os países de origem dessas empresas, e para o país que recebe o investimento, neste caso Angola, onde se cria mais emprego, mais oferta de produtos e ou serviços, mais geração de impostos e transferência de capacidades e tecnologia.
Angola prevê realizar este ano as suas eleições gerais que podem, ou não, eleger um novo Governo. Este facto condicionará de algum modo os planos da UE para o país?
Como referi, a União Europeia e Angola têm uma sólida parceria assente no “Caminho Conjunto”, assinado em 2012. Trabalhamos juntos em sectores-chaves, como a paz e segurança, a boa governação, os direitos humanos e a diversificação económica. Angola tem vindo, cada vez mais a apostar em reformas estruturais essenciais para o desenvolvimento sustentável e a boa governação do país. As eleições são um marco importante para a vida em democracia. A União Europeia segue, naturalmente, o processo eleitoral em Angola com atenção e interesse. Estamos empenhados em continuar a prestar o nosso apoio e em manter, a todo o tempo, o profícuo diálogo em curso.
A senhora refere-se muito às reformas económicas implementadas pelas autoridades angolanas. Tem a UE apoiado de forma concreta tais reformas?
Sim. Por exemplo, financiamos intervenções na área de Gestão de Finanças Públicas. Essa intervenção contribuiu para a elaboração do primeiro Orçamento Geral do Estado sensível ao género este ano. Outras áreas são a reconversão da economia informal, a capacitação do sector privado por intermédio do Instituto de Apoio as Micro, Pequenas e Médias Empresas (INAPEM), a formação técnico-profissional e no Ensino Superior, assim como o apoio ao Estado de Direito e à reforma judiciária. Também estamos a negociar um Acordo de Facilitação de Investimentos Sustentáveis e a acessão de Angola ao Acordo de Parcerias Economia SADC-União Europeia, importantes para apoiar, atrair investimento externo e para a transição suave para um país de renda média.
As eleições são um marco importante para a vida em democracia. A União Europeia segue, naturalmente, o processo eleitoral em Angola com atenção e interesse.
Quais são para a senhora embaixadora os grandes desafios que Angola ainda tem de enfrentar a curto, médio e longo prazo?
Vivo e trabalho em Angola há mais de um ano e estou a gostar muito. Visitei quase todas as províncias de Angola [16 das 18] e tive a oportunidade de conhecer um país interessante, com uma população simpática e acolhedora. Para Angola, o importante será continuar no caminho da paz e da segurança, tanto dentro de fronteiras, como na região. As eleições gerais vão ser importantes para o país e a União Europeia segue o processo eleitoral com imparcialidade e muito interesse. O crescimento da população parece o maior desafio, com implicações no acesso à educação, saúde, água e emprego. Outros desafios incluem a transição para uma economia menos dependente do sector petrolífero, com uma abordagem mais verde, digital e inclusiva (incluindo a dimensão da igualdade de género) e o desenvolvimento de um sector privado dinâmico. Finalmente, ainda há espaço para fortalecer o desenho de políticas públicas e a sua efectiva regulamentação e aplicação numa perspectiva mais inclusiva.
O que será fundamental para vencer os desafios que acaba de enumerar?
A nossa parceria permite-nos aprender uns com os outros, e aprendemos com as oportunidades e também com os desafios comuns. A democratização, o desenvolvimento sustentável, o Estado de Direito e o programa de reformas macroeconómicas e sociais são fundamentais para vencer esses grandes desafios que elenquei e apostar no futuro de Angola.