Depois de o banco ter sido adquirido pelo grupo empresarial Carrinho, no quadro do Programa de Privatizações (PROPIV) do governo angolano, a sua nova administração diz estar empenhada em ‘arrumar’ a casa, num processo que envolve a recuperação do crédito malparado, o encerramento de algumas agências pelo país e a rescisão de contratos com cerca de 400 colaboradores. À FORBES o CEO do banco manifesta-se optimista quanto ao futuro da instituição e justifica que as medidas “cirúrgicas” que estão a ser tomadas têm como objectivo “tornar a máquina eficiente”.
Como caracteriza o sistema bancário angolano e que avaliação faz sobre o seu desempenho?
O sector financeiro bancário vive momentos difíceis. Desde 2020 que nós estivemos aqui a ressentir da Covid-19, tem sido uma sequência de acontecimentos adversos a nível mundial que, obviamente, impactam naquilo que depois é o desempenho do próprio sector bancário. Entretanto, antes da Covid-19, já vínhamos de uma crise causada pela queda do preço do barril de petróleo. Estávamos a tentar recompor as peças, mas veio a Covid-19 e agora a guerra na Ucrânia, que provocou uma crise energética, embora tenha um impacto positivo para o nosso país, consubstanciado na subida do preço do barril de petróleo, mas acaba por não compensar tudo o resto. A nível nacional, nós estamos a nos reorganizar, do ponto de vista daquilo que é a legislação. Está em vista um projecto de supervisão a nível europeu, mas acreditamos que bons tempos virão e esta fase mais difícil haverá de ser ultrapassada.
Como é que se enquadra o BCI no meio de tudo isso?
O BCI também acabou por sofrer, aliás não podia ser de outra maneira, não podia estar alheio a aquilo que tem acontecido no mundo em geral e no sector financeiro, em particular. De qualquer modo, o processo de privatização veio coincidir com este período difícil e temos a vantagem de agora estar numa esfera privada. No fundo veio mesmo a calhar este momento, porque necessitava-se aqui de repensar a estratégia e daí o novo accionista estar aqui a pôr em marcha aquilo que são alguns planos para a transformação do banco.
Como está o banco em termos de resultados?
Importa referir que os resultados até ao primeiro semestre deste ano não reflectem ainda a actividade da nova gestão. Até Junho, estávamos com um prejuízo de 16 mil milhões de kwanzas, entretanto, volvidos dois meses de actividade do novo accionista e, por conseguinte, da nova equipa que está a gerir o banco, nós já passamos para cerca de 13 mil milhões negativos. No entanto, neste período, recuperamos 3 mil milhões de kwanzas e a nossa espectativa é até ao final do exercício termos números melhores.
O que estão a fazer para que estes números melhores surjam?
Tornar a máquina eficiente. Entendemos que um dos grandes problemas do banco era a eficiência. Estamos agora com uma visão pura de capitalismo, que é ganhar dinheiro, daí conseguirmos já com algumas acções estratégicas, cirúrgicas se podemos dizer, estar aqui a reverter aquilo que era a tendência de prejuízos do banco.
De que acções “cirúrgicas” se refere?
Algumas são públicas, outras são mais estratégicas e se calhar, quando chegarmos no final do exercício e compararmos aquilo que foi a tendência, poderemos revelar. Mas são as melhores práticas de gestão, nada no sentido contrário, e o redimensionamento, olhar aquilo que serve para a eficiência do banco.
“Os resultados até ao primeiro semestre deste ano não reflectem ainda a actividade da nova gestão”
Como evoluiu a captação de depósitos e a concessão de crédito?
Em relação aos depósitos, os números são públicos. Nós crescemos perto de 200 mil milhões de kwanzas, de Dezembro para cá nós fechamos isso, por conseguinte, fez crescer o nosso activo. Fechamos o activo com 398 mil milhões de kwanzas, estávamos à data de Agosto com 640 mil milhões de kwanzas. Portanto, temos 200 mil milhões de crescimento da nossa carteira de depósito. Em relação ao crédito, estamos ainda com medidas conservadoras, porque entendemos que a carteira de crédito precisa ainda de ser trabalhada e é um dos grandes problemas que nós identificamos. Daí que a recuperação de crédito estar a ser um dos grandes eixos da nossa acção.
De que forma é que a questão do crédito precisa ser melhorada?
A nossa visão é desde a análise, concessão e a governação do próprio processo de crédito. De alguns processos com que estamos agora nesta fase da recuperação de crédito, notamos grandes fragilidades. Desde a própria análise da viabilidade dos projectos que foram financiados, seja também da própria formalização. Quando falo formalização, falo daquilo que são as garantias para o próprio banco. Temos créditos neste momento vencidos, cuja recuperabilidade está a nos consumir aqui algum exercício, face aquilo que são as formalidades. Mas entendemos que tem muito que ver com aquilo que era o momento de mercado.
Qual foi a predominância dos depósitos? Mais em kwanza ou moeda estrangeira?
Essencialmente em kwanzas. São os kwanzas que têm sido maioritariamente transaccionados a nível nacional. É mesmo o depósito de residentes cambiais em moeda nacional.
Qual tem sido a participação do BCI no apoio a economia angolana?
É bastante activa. Seja ao apoio ao crédito directo ou indirecto em relação a economia angolana. Mas dar nota que durante este período, falando dos primeiros oito meses, a nossa actitude tem sido bastante conservadora na concessão de crédito pelas razões que eu já referi. Estamos a reposicionar a nossa estratégia para aquilo que vai ser a concessão de crédito, mas estamos numa primeira fase, mais virados para a recuperação. Obviamente o negócio não pode parar e vamos concedendo crédito a aqueles que, na nossa visão, garantem não só o retorno, mas também uma diversificação da própria economia.
Quanto é que o BCI já concedeu em termos de crédito até ao momento?
Devo dizer que a carteira de crédito cresceu cerca de 3% a 4%, face a Dezembro de 2021. Portanto, para dizer que reflecte aquilo que é a nossa tendência. Também porque estamos num momento de reestruturação do próprio banco. Entendemos que no próximo exercício poderemos arrancar com uma outra velocidade.
Quais são os sectores que mais beneficiaram de crédito?
Nós estamos a fazer a concessão essencialmente para a economia real e o sector da indústria de transformação têm sido aqueles que nós temos dedicado maior atenção.
Porquê a indústria transformadora?
Porque entendemos que o trading, que era essencialmente a importação, acabava por não acrescentar valor e nós estamos a olhar é para a criação da cadeia de valor, para aquilo que, não só traz riqueza a economia, mas também gera emprego, directo e indirecto, e tenha efeito em escala.
E são estes os factores que vos dão garantias quanto ao retorno dos créditos?
Não apenas estes. Temos um maior rigor naquilo que é a gestão da análise da carteira de crédito. O primeiro factor a ter em conta é a rentabilidade dos projectos. E estamos por aí virados porque acreditamos que é necessário que haja essa diversificação da economia.

Em quanto está calculada a carteira de crédito malparado do BCI?
A nossa carteira e crédito malparado é de 50%. A nossa taxa de índice do crédito malparado é considerável. As boas práticas dizem que deve ser entre 15% a 20%, nós estamos largamente além daquilo que são as boas práticas do mercado, daí estarmos a dedicar esforços para a recuperação de crédito.
Existe algum processo na justiça para a recuperação deste crédito malparado?
Encontramos sim alguns créditos com situações complexas e a nossa primeira atenção é na recuperação de crédito. Estamos a negociar com os devedores para resolver, de forma extrajudicial, as questões. Mas do ponto de vista dos processos, temos alguns créditos que já entraram sim para a liquidação via judicial, visto não se ter alcançado o entendimento na primeira instância.
Quantos processos foram submetidos ao Tribunal?
Temos alguns. Daí nós termos abordado primeiro a via extrajudicial porque a celeridade também é um impedimento e nós não queremos queimar etapas.
O BCI convocou recentemente 198 empresas, tendo remetido estas à Direcção de Recuperação de Crédito. Trata-se ou não de empresas devedoras?
São sim empresas devedoras. Nós estamos a contactar os devedores, nem todos ainda apareceram, mas os que se fizeram presentes estão conscientes que devem ao banco e que devem regularizar a sua situação.
Em termos do crédito malparado do BCI, a que corresponde a dívida destas 198 empresas?
Perto de 20% do total global da carteira de crédito malparado do banco BCI. É um valor considerável.
“Estamos a reposicionar a nossa estratégia para aquilo que vai ser a concessão de crédito, mas estamos numa primeira fase, mais virados para a recuperação”
Em Dezembro do ano passado, o banco contava com 82 balcões e 31 postos de serviço. Qual é a realidade actual?
Nós estamos com uma estratégia de redimensionamento da nossa estrutura e, neste momento, está em carteira um processo e vamos ver reduzidos alguns balcões e agências. Dizer que até a data de hoje ainda não encerramos, mas vai ser necessário encerrar alguns postos. Nalguns casos, do ponto de vista estratégico, e o BCI é um banco de dimensão nacional, nós vamos manter a representatividade a nível nacional, isto para nós é um ponto assente, mas naqueles que, do ponto de vista económico e estratégico não faz sentido, o banco vai desinvestir.
Qual é o número de agências que vão fechar e quantos trabalhadores deverão cessar o contrato com o BCI?
Pensamos que o nível e o custo de estrutura estão elevados. O nosso rácio, que no fundo é aquilo que é o proveito da actividade financeira versus aquilo que é o custo para suportar esta actividade, está acima de 100%. Dar como nota, a referência tem sido 35%. Quer dizer que eu para ganhar 100 kwanzas, devo despender 35, isto inclui o custo com colaboradores, agências e outros, que devia ser 35, está acima de 100%. Eu neste momento estou a destruir valor. Então, com base nesta análise bastante cuidada que nós fizemos, vimos que sim, temos de continuar a gerar valor, mas, a nível de custo, pode ser reduzido. Numa primeira fase, pensamos reduzir entre 30% a 40% daquilo que é a nossa rede. Este número poderá ser equilibrado face aquilo que vai ser o desempenho.
Qual é o número de trabalhadores que vão cessar o contrato com o banco? Fala-se em 300 pessoas…
Posso lhe dizer que este número não foi avançado oficialmente pelo banco. Estamos muito é relacionados primeiro, obviamente, com as agências que vão ser fechadas e também daquilo que vai ser o volume de negócio. Vamos analisar um número óptimo para então dispensar algumas pessoas. Entretanto, nós lançamos um programa que é o RMA – Resolução por Mutuo Acordo – e os colaboradores tiveram aqui oportunidades de se inscrever e têm estado a se inscrever. O número, de facto, satisfaz aquilo que é a nossa pretensão ao nível de redimensionamento da estrutura.
E qual é a vossa pretensão?
É um número que poderá ser afinado face as necessidades, mas por agora, estamos entre 30% a 40% da estrutura do banco. Até 31 de Dezembro de 2012 o banco tinha cerca de 1.100 colaboradores e se fizermos uma relação directa dá um número acima de 400.
Enquanto PCE, quais são aqueles que acha que são os principais desafios do BCI?
É essa reestruturação profunda e isto começa pelas pessoas, o que acaba por ser um grande desafio e também o tempo. Estamos há quase um ano, desde que o banco foi privatizado [em Dezembro do ano passado] e a titularidade passada ao novo proprietário a meio do ano. Estamos ainda a gerir este processo de transformação. Entendemos que 2022 fosse dedicado à esta questão da transição, para em 2023 estarmos única e exclusivamente virados para o negócio.
Que BCI teremos dentro de 3 a 5 anos?
O nosso desafio é voltar a ser um dos maiores bancos de referência do mercado nacional. Com vários aspectos que já mencionámos atras, seja ao nível da digitalização, capacitação do pessoal humano, governação corporativa com estrutura. Combinados todos estes factores, queremos crescer numa dimensão de tal forma para ser uma das referências no mercado nacional.