Advogado e político português, Pedro Gramaxo de Carvalho Siza Vieira, desempenhou o cargo de ministro Adjunto de Portugal, cumulativamente com a pasta da Economia, entre Outubro de 2017 e princípio de 2022. Recentemente esteve em Angola para participar na conferência de apresentação do relatório da consultora Deloitte “Banca em Análise”, de que foi um dos oradores. Num exclusivo à FORBES ÁFRICA LUSÓFONA, o agora sócio para as áreas bancária, financeira e mercado de capitais da PLMJ – Sociedade de Advogados, falou da cooperação entre Portugal e Angola, do processo de diversificação da economia angolana e da evolução do seu sistema financeiro e bancário. Com mais de 30 anos de experiência profissional, Pedro Siza possui uma vasta experiência na assessoria a clientes portugueses e internacionais em grandes projectos, transacções e arbitragens, tendo liderado algumas das operações mais relevantes e estruturantes da economia portuguesa.
Numa visita a Angola, enquanto ministro da economia, defendeu que Portugal é o parceiro mais constante do país. Hoje, como acha que se pode impulsionar ainda mais essa parceria?
Acho efectivamente que Portugal é parceiro constante de Angola. São parceiros que têm estado nos bons e nos maus momentos de um e do outro. Obviamente que quando Portugal está numa situação mais complexa é difícil manter a capacidade de trazermos as nossas pessoas, o nosso conhecimento ou o nosso capital para colaborarmos e estarmos aqui presentes. Acho que há esforços que têm de ser feitos de ambas as partes.
O que acha que deve ser feito de um e do outro lado?
Do lado português nós precisamos de dinamizar um pouco mais aquilo que são os acordos estabelecidos entre as instituições públicas que foram feitos no sector da agricultura, no sector da segurança alimentar, no sector das actividades económicas, no sentido de formação e apoio técnico e também do ponto de vista financeiro. Eu acho que reforçar aquilo que é o crédito à exportação para os exportadores portugueses que trabalham com Angola, aquilo que é o crédito concedido para a actividade de construção e obras públicas é algo que o governo português tem de continuar e, se calhar, até reforçar a sua atenção.
E do lado de Angola…?
Do lado de Angola vejo, em momentos diferentes, também perspectivas diferentes sobre a importância de manter empresas portuguesas, pequenas e grandes. Acho que sobretudo o que Portugal pode trazer é uma grande disponibilidade das suas empresas, dos seus empresários, dos seus quadros técnicos em trabalharem em Angola, porque vêm sempre com um espírito diferente daqueles que vêm de qualquer outra nacionalidade.
Que espírito considera que distingue os portugueses de empresários ou investidores de outras nacionalidades que vêm a Angola?
Os portugueses vão a Angola investindo muito pessoalmente. Trazem para aqui [em Angola] as suas vidas, as suas famílias, comprometem-se com o país, de uma maneira que eu não vejo idêntica daqueles que vêm de outros países, daqueles que vêm à procura de negócio, essencialmente.
Angola definiu a diversificação da economia como estratégia. Face ao panorama actual, quais considera deveriam ser as apostas para garantir essa diversificação e se consiga o salto económico?
Acho ser uma estratégia correcta, é uma estratégia que vem sendo prosseguida, as vezes com mais dificuldades de execução, mas vejo o sector agrícola e agroalimentar como básicos, não só pelo imenso potencial que Angola tem, mas também por serem onde se pode mais facilmente substituir importações e melhorar a balança comercial. Mas também sei que nas áreas de infra-estruturas, que são necessárias para viabilizar um conjunto de outras actividades, o trabalho tem de ser feito. Angola tem terras, tem gente, tem água, tem energia, mas é preciso ligar as coisas e fazê-las chegar depois aos mercados internacionais.
Como olha para os investimentos em infra-estruturas que têm sido feitos por Angola?
Tenho visto com muito entusiasmo os investimentos e os projectos que existem no sector dos transportes, que são necessários para desbloquear os acessos aos mercados e as matérias-primas na área da energia, porque não se consegue multiplicar a actividade agrícola ou industrial se não haver acesso a energia segura e barata, como também depois, obviamente, nas infra-estruturas sociais. Acho que estas são as coisas básicas que proporcionam depois uma economia que cresce de maneira sustentável.
“A Europa precisa encarar Angola, em concreto, não apenas como fonte desta energia de transição, mas também como uma relação privilegiada no acesso a outros tipos de materiais…”
Qual o papel que Portugal poderá ter para potenciar essa diversificação da economia angolana?
Portugal tem experiência em matéria agrícola e um conhecimento na área da indústria alimentar que eu acho que são muito importantes. Na parte de gestão de infra-estruturas e na parte da energia, têm muito para oferecer também para Angola. Depois acho que é, sobretudo, o conhecimento.
Pode ser mais específico?
Tal como no passado Portugal precisou de quadros qualificados que vieram de outros países para ajudarem o país a desenvolver certas actividades até conseguir depois fixar actividades de maior valor acrescentado, os quadros portugueses estão disponíveis para participarem no processo de desenvolvimento de Angola, quase que como um projecto pessoal. Por isso, encaro esta parte do know-how, do conhecimento, como aquilo que, talvez até mais importante do que o capital, os portugueses possam trazer a Angola.
Quando se trata de relações económicas, a concorrência de outros países é feroz. Quais os trunfos para que Portugal não perca este campeonato em Angola?
Um país como Angola tem uma dimensão e um potencial que não pode pensar que tem parceiros privilegiados. Angola, tal como Portugal, precisa de investimento directo estrangeiro e não deve discriminar, favorecer, nem deixar de favorecer. Para Portugal o que interessa é que Angola esteja bem e cresça bem. Portugal beneficia sempre de um crescimento sustentável de Angola. Quanto melhor Angola estiver, Portugal também acaba por beneficiar, por um lado.
E por outro lado…?
Por outro lado, em qualquer caso, o que os portugueses precisam de fazer é mostrar que estão aqui também. À nossa escala, nós [Portugal] não temos o capital que os países maiores possam trazer [à Angola]. Nós não temos o capital que China, Estados Unidos ou até a Alemanha possam comprometer, porque somos um país mais pequeno e também com dificuldades financeiras, mas, sobretudo, temos a proximidade da língua, temos a proximidade da história, temos a proximidade de muita gente dos nossos dois países terem estudado juntos e este género de relação nos dá melhor capacidade de trabalharmos em Angola do que pessoas que venham de outros países.
Considera então os factores que acaba de mencionar como mais-valias nas relações entre Portugal e Angola?
Sim. Esta proximidade da história, da língua que nos aproxima. Aliás, nós beneficiamos muito dos cidadãos angolanos que estão a viver e a trabalhar em Portugal e que são muito importantes para o nosso país.
A guerra entre a Rússia e a Ucrânia mostrou a dependência da Europa face ao abastecimento de energia vinda desse lado do continente. Conhecendo o potencial de recursos de África, e de Angola em particular, acredita que o país poderia ser uma das soluções para colmatar a crise energética?
Acho obviamente que sim. A Europa tem de diversificar as fontes de aprovisionamento de energia. É, aliás, uma coisa que o primeiro-ministro português insiste há muitos anos e que ainda agora continua a reafirmar. A Europa deve caminhar no sentido de uma transição energética para ter menos dependência de energias fósseis, mas durante muito tempo ainda vamos precisar de produtos petrolíferos e de gás natural.
Até que ponto acha que Angola pode ser uma alternativa neste processo?
Repare que Angola também é exatamente rica naqueles recursos que vão ser necessários para uma economia baixa em carbono, uma economia mais eletrificada, sem ter recursos como o Lítio, Cobalto, Cobre, Níquel e outros, tudo áreas em que Angola é muito rica. A Europa precisa encarar Angola, em concreto, não apenas como fonte desta energia de transição, mas também como uma relação privilegiada no acesso a outros tipos de materiais que devia ser o mais possível transformados aqui no território [angolano] para se exportar com mais valor acrescentado.
Face ao que acaba de dizer, como é que Angola se poderia posicionar?
Não sei que capacidade de produtos energéticos disponível tem Angola, mas sei que, neste momento, de vários países europeus há uma busca muito grande por produtos petrolíferos e gás natural no mercado mundial e, qualquer país que tenha capacidade disponível vai encontrar neste momento um grande interesse por parte de vários países europeus.
“Não é possível ter uma economia a crescer sem um sistema financeiro saudável”

Como avalia o sistema financeiro angolano?
Avalio como um sistema muito importante para o desenvolvimento do país. Não é possível ter uma economia a crescer e uma economia saudável, sem ter um sistema financeiro muito saudável. É um sistema em transformação. Um pouco em todo o mundo, o sistema financeiro e o sistema bancário sofreram na última década grandes transformações, aliás, Portugal passou por enormes transformações ao nível da supervisão bancária, ao nível da reforma dos mercados de capitais, porque nós [Portugal] tivemos uma grande crise financeira e percebemos como é importante, por um lado, ter um sistema bancário a funcionar e a dar crédito à economia, mas também ter um sistema bancário sólido.
A seu ver, o que garante a solidez de um sistema bancário?
Ter um sistema bancário sólido implica uma supervisão exigente. Um banco e um sistema bancário é uma coisa que põe em causa muitos interesses. Se os bancos correrem demasiados riscos, não forem suficientemente profissionais, não acautelarem formas na concessão de crédito, quando as coisas correm mal para o banco, são as poupanças das empresas e dos cidadãos que ficam postos em causa. E, portanto, o mundo ocidental há 14, 13 anos, passou por uma grave crise que nasceu no sistema financeiro e que obrigou depois os contribuintes a meterem muito dinheiro no sistema bancário para proteger as poupanças dos cidadãos e das empresas.
E Portugal foi gravemente afectada por esta crise…
Em Portugal, como sabe, tivemos bancos que entraram em dificuldades e que obrigaram a intervenções do Estado muito grandes. A partir daí, começamos a fazer um percurso de maior exigência a nível da supervisão.
Que exigências em concreto?
Colocamos mais exigência na escolha dos dirigentes das administrações bancárias, colocamos mais exigência ao nível do capital que os bancos têm de ter e nos critérios de concessão de crédito, por exemplo. Era melhor ter feito isto, antes dos problemas terem surgido. Mas eu acho que o sistema bancário angolano está em transição. Sei que há uma exigência maior por parte do supervisor, mas eu diria que isto é a tendência natural em todos os sistemas bancários e em todas as economias mais modernas.
“Nós beneficiamos muito dos cidadãos angolanos que estão a viver e a trabalhar em Portugal e que são muito importantes para o nosso país”
Quais considera deveriam ser os passos para se conseguir um aumento do nível de bancarização e inclusão financeira no mercado angolano?
Do ponto de vista da bancarização, acho que a medida que as economias se vão desenvolvendo, e no caso de Angola é muito evidente, a população vai cada vez mais recorrendo aos serviços bancários. Eu venho a Angola já há bastantes anos, e aquilo que tenho visto é que, claramente, quer do lado das empresas, dos pequenos negócios e das pessoas, há muito mais acesso aos serviços bancários e isto é o sinal de uma economia que está a crescer e que está a amadurecer.
Quanto a bancarização e inclusão financeira, Angola está então no bom caminho?
Quando deixamos de ter de pagar tudo em dinheiro e passamos a fazer pagamentos electrónicos, quando as empresas passam a ter a sua caixa a trabalhar com uma instituição bancária que a ajuda a normalizar os ciclos de pagamentos, a pagar melhor os fornecedores, a ter melhor capacidade de gerir a sua caixa, acho que é tudo positivo para a economia e acho que este é um processo que vai continuar a acontecer. Aconteceu em todo o mundo, está a acontecer em África. Angola está talvez mais adiantada que outros países, mas eu acho que isso vai acontecer, mais facilitado pelos novos canais digitais. Acho que este é um processo positivo e acho que Angola vai percorrê-lo bem.
Neste momento, 23 instituições operam no sistema bancário angolano. Acha ser um número excessivo para um país que tem uma estrutura económica como a angolana?
Esta é uma avaliação que as autoridades angolanas têm de fazer. Eu diria que, comparando com Portugal, nós já tivemos mais bancos do que temos agora. É um negócio que tende para a escala. Hoje, as exigências regulatórias são grandes: os bancos têm de ter mais capital, têm de ter mais custos em matéria de sistemas, em matéria de recursos humanos, em matéria de controlo, de que, basicamente, faz com que a escala seja importante e foi por isso que em Portugal e no resto da Europa nós vimos uma diminuição do número de bencos que estão no mercado. Não sei se o processo vai acontecer aqui em Angola, mas se acontecer eu diria que é normal também.
Muito recentemente, o Banco Nacional de Angola fez sair uma deliberação onde praticamente duplica o mínimo de capital social dos bancos, exigindo que estes passem a ter, até Outubro do próximo ano, um mínimo de 15 mil milhões de kwanzas. Acha que se abre aqui também um caminho para que se passe a assistir a mais fusões e aquisições a nível da banca?
Acho possível e provável. Na Europa, nos Estados Unidos, na China e em outros países, houve cada vez na última década, muito mais exigências a nível do capital dos bancos. Os bancos tinham níveis de capital muito baixos e foram obrigados, as vezes até muito depressa, a aumentarem os seus capitais próprios. O capital é uma protecção para os depositantes, porque se do lado dos empréstimos que os bancos concedem alguma coisa correr mal, o capital serve de almofada para garantir que somos capazes de pagar aos depositantes e aos obrigacionistas. Portanto, em todo o mundo tem havido exigências de aumento de capital. Se calhar, as crises bancárias aconteceram porque eles não tinham suficiente capital.
Mas, voltando à nossa questão…
Voltando à vossa questão, eu não sei se vai haver fusões, mas é normal que o supervisor, a medida que o tempo passa, sejam mais exigentes relativamente ao capital dos bancos e isso no resto do mundo tem levado a movimentos de concentração.